Iclas - Instituto de Culturas Lusófonas
Antonio Borges Sampaio


16-03-2008

Filólogo diz que países como Moçambique precisam se convencer de que unificação


ACORDO PRECISA EMPOLGAR OS AFRICANOS

- Filólogo diz que países como Moçambique precisam se convencer de que unificação trará resultado econômico

 

(Reportagem de Chico Otávio, no caderno "Prosa & Verso" do jornal O GLOBO de 15 de março de 2008)

 

Professor de Letras da UERJ, o filólogo José Pereira da Silva concorda com a idéia defendida pelo ministro da Cultura de Portugal, José Pinto Ribeiro, de que a uniformidade ortográfica, além de poderosa arma para a difusão da língua, ajuda as nações a se protegerem dos efeitos da globaliação. Mas para ele, países como Moçambique, onde o português é fraco frente aos dialetos, só aplicarão o acordo se perceberem que a língua dos ex-colonizadores representa retorno econômico e político.

 

Enquanto isso não acontecer, as tentativas de unificação ficarão restritas às fronteiras do Brasil e Portugal, alerta o professor. Ele lembra que, há dois anos, o governo brasileiro mandou, a titulo de doação, uma carga de livros a comunidades pobres de países africanos de língua portuguesa.

 

- Mas, chegando lá, não puderam ser usados nas escolas. Os governos acharam que iriam criar confusão para os alunos e preferiram mandá-los para o depósito - conta Pereira da Silva.

 

O efeito do acordo no mercado de livros é um dos pontos mais controversos da unificação. O ministro da Cultura Pinto Ribeiro, Portugal,  afiança que as editoras e distribuidoras são favoráveis, uma vez que a unificação abriria caminho para parcerias internacionais num país que ainda lê muito pouco:

 

- Em Portugal, o mercado interno é pequeno. Um livro que vende 50 mil exemplares já é grande sucesso. Mas o mercado editorial sofreu, há dois anos, um processo de grande concentração. Hoje, há três grandes grupos editoriais. A reestruturação criou uma divisão que permite encarar o desafio do mercado. Ele próprio irá fazer as parcerias facilitadas pelo acordo.

 

No intercâmbio literário, as diferenças ortográficas muitas vezes são vistas pelos leitores como erro. Em Portugal, por exemplo, utilizam-se consoantes mudas em palavras como "acção" e "direcção" e o "h" para iniciar palavras como "húmido". A palavra "sutil" é escrita com "b" (subtil). Já no Brasil, usa-se o acento nos ditongos abertos "éi" e "ói" de palavras paroxítonas (idéia, heróica), entre outras particularidades da língua local.

 

O efeito do acordo será "mais trágico" para os portugueses, prevê Pereira da Silva. As modificações propostas vão alterar quase 1,6% do vocabulário lusitanos, contra 0,45% do brasileiro. Pela estimativa do professor da UERJ, [aproximadamente], uma em cada 70 palavras será mudada em Portugal. No Brasil, em cada 200 [ou mais], uma será alterada.

 

- Há outro agravante para Portugal. Se aqui quase não há dialetos, só pronúncias mais abertas ou fechadas que não afetam a ortografia, em Portugal há muitos deles - explica Pereira da Silva.

 

Nada, porém, que faça o acordo representar uma revolução ortográfica lusitana. [Poderia ter sido muito mais profundo]. Segundo o professor, ele não altera o uso prático da língua, só interferindo la língua [escrita] culta das pessoas que querem escrever seguindo a norma:

 

- Ele não altera a fala das pessoas. Os portugueses continuarção usando uma série de situações ortográficas inexistentes no Brasil, como o acento agudo em "Antônio" e outras palavras com "o" fechado. Vamos usar uma forma e os portugueses, outra, porque isto está previsto no acordo.

 

Apesar do otimismo do ministro da Cultura de Portugal sobre a perspectiva para o mercado editorial de seu país, Pereira da Silva afirma que uma das maiores dificuldades parte dos editores portugueses, principalmente os de livros didáticos:

 

- No Brasil não será tão difícil, porque o governo compra quase toda a produção de livros didáticos. Sendo assim, basta um prazo negociado.

 

Facilidades como essa, porém, ainda não criaram um ambiente favorável ao acordo no Brasil. Apesar de estar em vigor desde janeiro do ano passado no país, legalmente funcionando, a unificação ainda não começou na prática.

 

- Se quiser, posso escrever "vôo" sem circunflexo. Mas seria visto como um estranho num mar de gente que escreve com acento circunflexo. O acordo não sairá aqui enquanto o governo não der o sinal verde para sua implementação - disse o professor.