Iclas - Instituto de Culturas Lusófonas
Antonio Borges Sampaio


16-03-2008

Ministro da Cultura de Portugal diz que acordo ortográfico vai unir os países se


 
 

O Globo - RJ O Globo - RJ
15/03/2008 - 10:14

Uma questão de identidade
Ministro da Cultura de Portugal diz que acordo ortográfico vai unir os países sem enquadrar a literatura

Chico Otavio

Quando abrirem o “Diário da República”, em junho, os portugueses já deverão encontrar palavras como “acto” e “direcção” grifadas sem a consoante muda “c”. Esta é uma das mudanças que o ministro da Cultura de Portugal, José Pinto Ribeiro, espera ver introduzidas no país, inicialmente em textos oficiais como o “Diário”, tão logo o acordo ortográfico da língua portuguesa entre em vigor. Em entrevista exclusiva concedida ao Prosa & Verso domingo passado, durante sua visita ao Rio para as comemorações dos 200 anos da chegada da família real portuguesa ao Brasil, ele disse que os seis anos previstos para a transição da língua em Portugal não impedirão que o país comece o processo assim que o acordo seja promulgado pelo presidente Cavaco e Silva, o que pode acontecer nos próximos três meses.

Portugal levou 18 anos, entre a assinatura do acordo e sua ratificação pelo Conselho dos Ministros na semana passada, para dar o primeiro passo no sentido de implementá-lo. Teoricamente, o acordo está em vigor desde o início de 2007, com a assinatura de três dos oito países signatários: Brasil, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe.

Na prática, porém, ele não existe sem a entrada de Portugal. Embora as próximas etapas — aprovação pelo Parlamento português e sanção presidencial — andem mais rápido, isso não significa dizer que as resistências às mudanças foram debeladas. Um dos focos preocupa especialmente o ministro. Ele garante que a reforma não pretende enquadrar a literatura: — O escritor tem com a palavra uma relação de gosto, cor, densidade e peso. Alterar a grafia pode mudar essa relação. Por isso, ninguém fará qualquer tipo de censura ou crítica à escrita que cada um quiser usar. Se o escritor criar uma nova escrita, quem sabe não faremos novo acordo no futuro? O ministro assegura que as três simplificações da língua feitas até agora (1911, 1931, 1945-46) foram introduzidas sem que os escritores deixassem de ser livres para escrever. Pinto Ribeiro lembra que, apesar de defender a língua como fator de identidade (“minha pátria é minha língua”), o português Fernando Pessoa sempre disse que um grande escritor deve ter seu próprio vocabulário: — Guimarães Rosa era assim e nem por isso deixei de entendê-lo.

Oficialmente, prevê Pinto Ribeiro, o processo será concluído antes da reunião da Comunidade de Países de Língua Portuguesa em junho, em Portugal. Mas isso não significa que todos saibam e passem a escrever de acordo com as novas normas no dia seguinte. Para que a alteração ocorra sem rupturas traumáticas, o governo português deverá concluir o processo todo em seis anos.

— Antes de qualquer mudança prática, é preciso formar professores e alterar livros. As sociedades brasileira, portuguesa e outras vão demorar um tempo para fazer as adaptações — diz. Advogado da área financeira que assumiu o cargo há menos de três meses, Pinto Ribeiro, de 61 anos, é um empolgado defensor do acordo.

Para ele, quanto mais profunda é a relação de um povo com a palavra, “mais profunda é a sua identidade”. O ministro acredita que, se os oito países que formam a comunidade tiverem uma língua portuguesa comum, poderão se globalizar sem medo de perder essa identidade. — Quem não tem, dissolve-se. No mundo, há 230 milhões que nasceram falando português. Mas nada garante que todos cresçam e continuem falando e escrevendo em português — alerta

Ministro quer levar ensino às diásporas

Aprofundar o ensino de português “em todas as diásporas” é uma das possibilidades que Pinto Ribeiro pretende explorar no novo acordo. Ele quer o apoio do ministro da Cultura brasileiro, Gilberto Gil, ao projeto de levar o ensino do português às grandes concentrações de imigrantes angolanos, moçambicanos, portugueses e brasileiros espalhadas pelo planeta. Na África do Sul, garante, vivem cerca de 400 mil por tugueses. Para o ministro, os governos precisam fazer um levantamento da relevância econômica da unificação da língua portuguesa. — Isso é mensurável. Esta idéia permite dizer que, na Inglaterra, a indústria cultural responde por 7% do PIB. Mas só representa 1,4% do PIB português — calcula. Enquanto isso, disse, o futebol representa apenas 1% do PIB Português, mas tem programas específicos na mídia, revistas especializadas e outras atenções.