Iclas - Instituto de Culturas Lusófonas
Antonio Borges Sampaio


20-02-2008

Exposição revela passado de Portugal, no aniversário de 200 anos da chegada da f


CULTURA & LAZER

19/02/2008 - 10:45

Exposição revela passado de Portugal, no aniversário de 200 anos da chegada da família real ao Brasil

A cultura brasileira é um mosaico de múltiplas influências. Todo brasileiro aprende, já no primário, que estamos assentados sobre uma tríplice ancestralidade: os ameríndios (povos que primitivamente ocupavam o território), os europeus (que chegaram ao país em 1500) e os negros (trazidos como escravos). É certo que neste caleidoscópio entram ainda várias outras raças e etnias que foram desembarcando nestas terras, como aventureiros ou como trabalhadores e que, a exemplo dos demais, integraram o processo de miscigenação. Desde 2002, o Centro Cultural Banco do Brasil tem se dedicado a explorar as matrizes da cultura brasileira, primeiro com a exposição Arte da África e, em seguida, com Antes - Histórias da Pré-História e Por Ti América. Agora, uma mostra vai revelar um pouco da matriz européia que primeiro se envolveu neste caldeirão cultural.

É LUSA: a matriz portuguesa, uma grande exposição que abre as portas no próximo dia 26 de fevereiro, no CCBB em Brasília e fica montada até o dia 4 de maio, com visitações sempre de terça a domingo, das 9h às 21h. Entrada franca. A abertura para convidados acontecerá no dia 25 de fevereiro, com a presença do curador Ivo Castro, conferencista internacional especializado em História da Língua Portuguesa. Professor da Universidade de Lisboa, Ivo Castro faz palestra sobre Língua portuguesa: de onde veio? para onde vai?, aberta ao público no próprio dia 26 de fevereiro, no auditório do CCBB, a partir das 19h30, com entrada gratuita. O mestre promete falar da formação da língua portuguesa e das variações que sofreu nos diferentes países que adotaram o idioma.

Idealizada por Marcello Dantas, LUSA: a matriz portuguesa apresenta o componente que faltava neste passeio pela formação étnico-cultural do Brasil, o elemento europeu e particularmente o português. O espectador terá a oportunidade de conhecer a cultura e a história de Portugal, antes mesmo da era dos Descobrimentos, através da exibição de cerca de 150 peças do acervo de algumas das mais prestigiadas instituições portuguesas. Embora permaneça praticamente desconhecido no Brasil, o passado de Portugal é riquíssimo e começa bem antes da conquista romana, ainda com povos pré-históricos.

A exposição busca reunir esse passado de séculos, organizando as diferentes camadas que formaram a etnia, a cultura e a identidade do povo português. Para contar esta história de uma forma narrativa, foram criadas salas dedicadas a períodos e temas, que proporcionam uma imersão nas origens de Portugal, falam da formação de suas fronteiras, mostram sua preparação para uma das maiores aventuras de todos os tempos: o período dos Descobrimentos.

Esta trajetória é apresentada através de 147 peças do acervo de 38 das mais prestigiadas instituições portuguesas. Estarão em exposição 39 tesouros nacionais de Portugal, que nunca tinham atravessado antes o Atlântico e muitos sequer haviam deixado o país. Exemplos são um guerreiro calaico de granito (datado provavelmente do século I a.C.), com quase dois metros de altura e pesando uma tonelada, e um torques, que é um colar de ouro maciço usado por estes guerreiros. Um grande percurso pela história antiga, medieval, renascentista, que dá início às comemorações pelos 200 anos da vinda da família real para o Brasil. LUSA esteve montada no CCBB do Rio de Janeiro (de outubro do ano passado a fevereiro deste) e recebeu um público superior a 600 mil pessoas.

A Exposição: LUSA - a matriz portuguesa apresenta uma coleção fascinante, com obras emprestadas por instituições de prestígio como o Museu Nacional Arqueológico de Lisboa, o Museu Islâmico de Mértola, a Torre do Tombo, o Museu da Marinha, a Biblioteca Nacional de Lisboa, o Museu Nacional de Arte Antiga, o Museu Nacional de Arqueologia, a Fundação Calouste Gulbenkian, o Museu Arqueológico de Sines e o Museu Arqueológico de Silves. São peças em pedra, mármore, cerâmica, ouro, azulejos, pinturas, esculturas, achados arqueológicos, mapas e até projetos multimídia que exploram a formação da língua portuguesa e apresentam a palavra de especialistas.

Esta imersão nas origens de Portugal, da pré-história aos Descobrimentos, é feita através de ambientes históricos e temáticos. Dentre os históricos estão aqueles dedicados aos períodos e influências religiosas: Pré-história, Presença Romana, Alta Idade Média, Presença Islâmica, Cristianismo Medieval e Presença Judaica.

Os espaços temáticos abordam assuntos centrais na história de Portugal, como as Descobertas Científicas e os Descobrimentos, além de destacarem a importância do Comércio e da Língua como elementos de afirmação, identidade e unidade lusitana, motivo e conseqüência da expansão. Há ainda um ambiente que serve como sala para consulta de referências literárias e históricas, assim como espaço educativo. Ali, o espectador pode se situar numa detalhada linha do tempo.

As salas traçam um itinerário cronológico e conceitual da mostra. Estão presentes objetos ligados à navegação, pesos e medidas, à matemática, arquitetura, astronomia, agricultura e exemplares que revelam a nova geografia do mundo ("a terra é redonda"). Já no ambiente dedicado à Língua e Comércio, a exposição apresentará potes de vidro contendo exemplares das especiarias que motivaram tantas jornadas, além de reproduções de livros fundamentais para o entendimento da formação lingüística e cultural portuguesa, como Os Lusíadas, de Luís de Camões, e A formação do Estado de Portugal, considerado o primeiro documento escrito em português, em edições fac-símiles que o público pode manusear.

Ema cada sala há ainda um espaço dedicado à projeção de vídeos com depoimentos de especialistas - historiadores, arqueólogos, lingüistas - que explicam a formação de Portugal e sua própria matriz miscigenada. Os curadores estão "presentes" nas salas, ilustrando o background histórico e cultural das peças em mostra.

O percurso - Os ambientes foram montados seguindo um código cenográfico cuja disposição é caracterizada pelas cores predominantes em cada período. Assim, o espaço dedicado a explorar a influência romana será marcado pela cor branca, no ambiente islâmico predominará o azul, o vermelho no cristão, o negro no judaico e assim por diante. Além disso, o roteiro de LUSA se distingue por três momentos experienciais: o primeiro é histórico, formal, cronológico. O segundo, vivencial, de identidade, imersivo e lúdico. E o terceiro e último oferece uma perspectiva conceitual, de interpretação, reflexão e leitura.

Um dos espaços mais curiosos da exposição é a Cama Sonora. A palavra cama é uma das únicas que permaneceram na língua desde o período ancestral, anterior à chegada dos romanos. Cama é um dos objetos do mundo rural dos antepassados portugueses que não tinham equivalente na língua latina. Por isso, a palavra se conservou no idioma, sobrevivendo às diversas invasões e imposições lingüísticas. Assim, Dantas concebeu uma imensa cama sonora que convidará os visitantes a se deitarem nela. Uma vez deitados, poderão ouvir as diversas sonoridades lingüísticas do português, as palavras de origem árabe, as latinas, indo-européias, indígenas, africanas, etc.

Cada área explorada na mega-exposição recebeu uma curadoria específica, feita por especialistas portugueses. No total, são nove os curadores da mostra: Luís Raposo (Pré-História), Conceição Lopes (Presença Romana), Santiago Macias e Paulo Almeida Fernandes (Alta Idade Média), José Custódio Vieira da Silva (Cristianismo Medieval), Cláudio Torres (Presença Islâmica), Maria José Ferro Tavares (Presença Judaica), Jorge Couto (Ciência e Descobrimentos) e Ivo Castro (Língua e Comércio).

A mega-exposição ocupa todos os principais espaços expositivos do CCBB. Em cada um deles, vídeos com depoimentos dos curadores explicam o período ao qual o espaço e as peças se referem e dão detalhes das obras expostas. A galeria circular recebe, no térreo, os ambientes dedicados à Presença Islâmica, Cristianismo Medieval e Presença Judaica. No subsolo, estão montadas as salas dos Descobrimentos e Descobertas Científicas. A galeria retangular foi reservada para os períodos da Pré-História, Presença Romana e Alta Idade Média. Já no Pavilhão de Vidro poderão ser vistos o ambiente da Língua e Comércio, a Cama Sonora e o espaço direcionado ao estudo das referências cronológicas e bibliográficas. Para a Sala de Vídeo ficaram reservados o Livro das Aves (o único exemplar em português do manuscrito do século XIV) e o filme Finisterra, vídeo-projeção realizada em Portugal, reunindo depoimentos dos historiadores em formato de instalação.

Uma história feita de conquistas - Em 2008, Portugal está em evidência global. São comemorados os 200 anos da vinda da corte portuguesa ao Brasil, acontecimento fundamental para a criação das instituições que habilitaram a colônia a se tornar independente 14 anos depois. Em Washington, o Smithsonian, maior complexo de museus do mundo, realizou, no segundo semestre de 2007, uma gigantesca exposição, dedicada a falar das aventuras marítimas e das descobertas de Portugal nos séculos 16 e 17. A mostra recebeu quase 5 mil pessoas só no primeiro dia de visitação. Em Berlim e Bruxelas duas outras exposições sobre o tema serão destaque nas agendas de 2008. LUSA vem se somar a outras iniciativas que ocorrem em solo brasileiro.

A origem dos brasileiros é tão diversificada quanto a dos portugueses. No território português existiu uma população antiga, anterior à chegada dos romanos na Península Ibérica. Eram povos dos quais não se sabe nem o nome, pois não deixaram registro escrito, mas que aprenderam a falar latim quando os romanos chegaram. Com a decadência do Império Romano, juntou-se uma terceira camada: os chamados povos germânicos. Em seguida, vieram os árabes, que entraram pelo sul, ocuparam dois terços da Península Ibérica em poucos anos e tiveram no território de Portugal 500 anos de "convívio" com os cristãos do norte. Os árabes foram os introdutores na Península Ibérica de contribuições muito significativas da navegação à filosofia, do conceito de miscigenação à música e à arte. Há uma percentagem quase de 20% de palavras de origem árabe no vocabulário português tradicional. Em Portugal aconteceu uma islamização.

Foi no período islâmico que as bases da identidade portuguesa se formaram. Desse momento ficaram as noções de comércio, a miscigenação, a expressão artística na arquitetura, nas artes e conceitos hoje identificados como "essencialmente portugueses" são na verdade heranças do período árabe e islâmico de Portugal. É a partir de 1249, data em que se estabeleceu a supremacia do cristianismo de língua portuguesa, e também das populações do norte que paulatinamente foram conquistando as várias cidades do sul, até aí sob poder árabe, que terminou oficialmente a "Reconquista". A partir desse momento deu-se a fusão das culturas árabe e européia. Os árabes não foram massivamente afastados do território. Foram ficando e misturaram-se muito lentamente.

As fronteiras de Portugal ficaram definidas e consolidadas oficialmente em 1297 (Tratado de Alcanices). No início do século XV Portugal estava em condições de aproveitar toda a experiência do passado e todos os conhecimentos que foram desenvolvidos até então, aproveitando a rara situação de vivências partilhadas de cristãos, árabes e judeus, e vocacioná-los para o Sul. Foi essa circunstância portuguesa, única, que permitiu que os avanços tecnológicos, náuticos, financeiros, políticos fossem aproveitados e acontecessem no início do séc. XV, levando ao "arranque" dos Descobrimentos. A partir daí, a concepção do mundo mudou radicalmente.

LUSA: a matriz portuguesa, de 26 de fevereiro a 4 de maio de 2008, de terça a domingo, das 9h às 21h no Centro Cultural Banco do Brasil em Brasília (DF). Entrada franca. Informações: (61) 3310-7087. Objeto Sim Projetos Culturais, telefone e fax (61) 3443- 8891 e 3242- 9805 | E-mail: objetosim@terra.com.br | Site: www.objetosim.com.br