Iclas - Instituto de Culturas Lusófonas
Antonio Borges Sampaio


12-12-2021

60º Aniversário da Libertação de Goa.(1ª parte )Pedro Mascarenhas


GOA, 19/12/1961 – Libertação e não Invasão

«O copo está meio vazio», insistia Rodrigues (pessimista) perante um copo com alguma água. «Não, não está, está meio cheio», teimava Narayan (otimista). Meio cheio/ meio vazio, libertação/invasão. 

Jubileu de Diamante. A Índia e particularmente os habitantes de Goa preparam-se para dar início às comemorações do 60º aniversário da Libertação de Goa, ocorrido em 19 de Dezembro de 1961.A libertação abarcou duas facetas: A externa e a interna; uma guerra relâmpago contra o inimigo estrangeiro e outra, gradualmente, contra o inimigo interno feudal (castas).

Invasão árabe e fundação (libertação) de Portugal. D. Afonso Henrique foi o fundador de Portugal (1139) depois de ter derrotado e expulso os mouros (estrangeiros que tinham invadido a Península Ibérica no século VIII). Em 1249, D. Afonso III liberta finalmente o Algarve, completando a fundação de um novo país. Portugal não existia e passou a existir. Os primeiros monarcas portugueses não invadiram mas libertaram os habitantes subjugados pelos estrangeiros da Península Arábica; estes que, depois de terem invadido todo o Norte de África, passaram para a Península Ibérica. É provável que os árabes tivessem dito que os portugueses invadiram aquelas terras e que os cristãos oprimidos do Algarve tenham empregado a palavra libertação. Se o Algarve estivesse nas mãos dos mouros até hoje, então Portugal estaria a lidar com problemas graves, como acontece nos Balcãs. Atualmente, um Algarve muçulmano, governado por fanáticos, estaria em conflito permanente com Portugal que, por seu lado, seria obrigado a despender enormes somas de dinheiro para fins militares, desviando boa parte do orçamento necessário para a educação e saúde, como acontece em certas partes do mundo, resultado de longas contendas: Índia/Paquistão, Coreia do Norte/Sul. Portanto, Portugal fez bem em ter utilizado a força e expandido para sul até encontrar uma fronteira natural, o mar, estabilizando-a para ter a paz duradoura.

Índia invadida. Centenas de maharajas e nawabs indianos, gananciosos, organizados em máfias, guerreavam-se para unicamente defenderem os seus interesses particulares. Estas profundas divisões que enfraqueceram os indianos, foram aproveitadas, primeiro, pelos Persas, Macedónios, Mogóis (não confundir com Mongóis); e mais tarde, pelos Ingleses, Portugueses, Holandeses e Franceses. Curiosamente, os novos invasores, eles próprios, também não se entendiam e «transplantaram» a guerra civil europeia para as terras asiáticas (os holandeses odiavam os portugueses e vice-versa, os ingleses atacaram os franceses, etc.). Na verdade, havia muita riqueza que os fazia atrair para o subcontinente indiano; há 500 anos atrás, a China e a Índia foram grandes potências económicas. Em 1510 Afonso de Albuquerque com a ajuda do indiano Timmaya invadiu parte de Konkan (Goa). 

Liberdade só para alguns. Durante a 2ª Guerra Mundial, Winston Churchill bateu-se pela liberdade e democracia contra os nazis, mas, hipocritamente, negou-as aos povos colonizados e persistiu na opressão na Índia e em África. Os republicanos portugueses derrubaram a monarquia alegando que o povo português exigia a liberdade, mas persistiram na tirania que pesava sobre os povos colonizados. Num dos parágrafos do texto “Os Descobrimentos e eu” do Prof. Teotónio R. de Souza lê-se: «Os clérigos formados no Seminário de Rachol-Goa, onde tive o privilégio de completar o curso de Filosofia em 1967, continuavam a sentir-se discriminados particularmente após a independência da Índia inglesa, onde já havia 20 bispos goeses e 2 cardeais de origem goesa. Portugal consentiu nomear 2 goeses para as dioceses de Cabo Verde e Beira, mas nenhum goês foi considerado digno de dirigir os destinos da sua própria igreja em Goa. Foi necessária a «libertação» para ser reconhecido este direito ao clero goês.» (Ver site Ciberdúvidas)

Libertação externa. Em 1947 Jawaharlal Nehru e Mahatma Gandhi, com as suas ações políticas, expulsaram os ingleses e fundaram a Índia Moderna. A democracia foi implementada, plenamente, em toda a Índia com exceção nas possessões francesas de Pondicherry e nas colónias portuguesas de Goa, Damão e Diu, onde o partido único, a União Nacional, fundada pelo ditador provinciano Salazar, impunha toda a espécie de arbitrariedades. As pessoas politicamente perseguidas e sofridas iam queixar-se a quem? O Governador-Geral de Goa, os chefes militares, os chefes da polícia eram estrangeiros. A justiça e os juízes estavam às ordens desse regime. Os seus pedidos e queixas nunca foram, nem seriam, atendidas a pretexto de serem «traidores e inimigos da pátria», e portanto, só havia duas opções, ou submetiam-se silenciosamente ou exilavam-se para Mumbay como refugiados políticos. Havia, contudo, uma esperança: aguardar pelo auxílio dos seus irmãos livres que viviam na Índia independente. Em 1961 Nehru liberta Goa, Damão e Diu (o equivalente ao Algarve, mas na Índia) e completa a fundação da Índia Moderna. Não ocorreu uma invasão mas, rigorosamente, uma libertação dos habitantes subjugados. O próprio Cardeal Valerian Gracias de Mumbay (1900-1978) de origem goesa manifestou publicamente a sua satisfação pela libertação de Goa que ao longo dos séculos conheceu a inquisição, a escravatura, a destruição dos templos hindus, a exploração, a supressão de konkani, os malefícios da PIDE (polícia secreta), a falta de liberdade e de democracia. Salazar só poderia empregar a palavra «invasão» e nunca o termo «libertação». Todos os colonizadores sempre se consideraram superiores aos povos colonizados e por isso nunca respeitaram a sua cultura, os seus usos e costumes. Eram paternalistas! «Quem são vocês, ingleses estrangeiros, para me julgarem na minha própria terra?», perguntara, uma vez, Mahatma Gandhi aos juízes ingleses. De facto, os indianos nacionalistas estavam na Índia e não no Reino Unido.

Cuba na Índia? O investigador português José Freire Antunes no seu livro «Kennedy e Salazar» expôs alguns documentos confidenciais que desenterrou nas bibliotecas americanas:            a)- Um político de Lisboa sugerira que Goa funcionasse como base militar do Exército Chinês. b)-Outro pedira desesperadamente aos americanos que enviassem um navio de guerra americano para a capital Panaji e mandassem os marinheiros para terra como turistas para travar o avanço do exército indiano. c)-O então ministro das colónias, Adriano Moreira, enviou um telegrama secreto ao governador de Macau solicitando que os jornais afetos à China publicassem uma notícia falsa constando que, se Goa fosse ocupada, a China atacaria a Índia. Os serviços secretos indianos, já nessa altura, desconfiavam de um possível pacto secreto entre Salazar e Ayub Khan do Paquistão que permitiria a este último a utilização de Goa como plataforma naval com ligação à Província Oriental (atual Bangladesh). Isto queria dizer que Goa, quer como colónia, quer como terra autónoma, desempenharia um papel semelhante ao de Cuba que em 1962 serviu de base avançada da União Soviética ameaçando a liberdade, a democracia e, até, a sobrevivência dos Estados Unidos. É preciso ter uma visão a longo prazo para poder precaver-se contra as armadilhas do futuro e antecipar-se ao inimigo antes que este deposite células cancerosas que se irão propagar. “Si vis pacem, para bellum” (Se queres a paz, prepara-te para a guerra) – proclamava o romano Publius Flavius Vegetius Renatus (390 D.C.) e a mesma ideia fora defendida pelo chinês Sun Tzu no século IV A.C.

Continua...

Pedro Mascarenhas