Iclas - Instituto de Culturas Lusófonas
Antonio Borges Sampaio


14-01-2008

Fado de Coimbra : Augusto Hilário


De: Rui Lopes
História (1997-2001) – Faculdade de Letras

Cultor da Canção de Coimbra
ruilopesguitarrista@gmail.com

Principiamos hoje uma “viagem” pelo Fado/Canção de Coimbra. Quando nasceu, é difícil afirmar, talvez durante o século XIX, surgiu através de dois pólos distintos: das canções feitas pelos futricas, e das canções que os estudantes traziam das suas terras ou até compunham em Coimbra depois de fazerem os versos.
Como todas as coisas, o Fado/Canção de Coimbra teve distintas fases das quais destacamos as seguintes: até à primeira década de oiro (século XIX e início do século XX); a primeira década de oiro (anos 20); os anos 30; a segunda década de oiro (anos 40 e 50); Trovas e Baladas (anos 60); reconstrução do Fado/Canção de Coimbra (de 1978 até à actualidade), sendo também de referir o período em que praticamente não existiu devido à crise académica de 1969 (1969-1978).
É destas diferentes épocas e principalmente das figuras que nestas se afirmaram que abordaremos nas próximas edições da Newsletter.
Começamos pela primeira fase (até à primeira década de oiro), abordando sucintamente uma figura de entre as muitas que fizeram parte desta época: Augusto Hilário, de cuja síntese biográfica nos ocuparemos na presente edição.
 
Augusto Hilário da Costa Alves nasceu em Viseu em 1864. No entanto, ao consultarmos a sua Certidão de Edade no Arquivo da Universidade de Coimbra, reparamos que na transcrição do seu registo de Baptismo, afinal, foi exposto na roda desta cidade [Viseu] pelas cinco horas da manhã e que em vez de se chamar Augusto Hilário refere a quem dei o nome de Lázaro Augusto.

Fica então a questão do porquê de Augusto Hilário. A resposta vem num documento anexo à Certidão de Edade referindo que no seu crisma solicitou para daí em diante se chamar Augusto Hilário (em 1877).

Quanto ao seu percurso escolar segundo João Inês Vaz e Júlio Cruz terá principiado no Liceu de Viseu pois frequentou o Liceu de Viseu com o intuito de fazer os estudos preparatórios para admissão à Faculdade de Filosofia. Certo é que, em 1889, vem para Coimbra fazer os preparatórios de Medicina. Dos Anuários da Universidade de Coimbra conclui-se que esteve matriculado em Filosofia entre os anos lectivos de 1889/1890 e 1891/1892 como aluno obrigado, sendo de destacar também que no ano lectivo de 1890/1891 frequentou a cadeira o Curso Livre de Língua Grega. Nos anos lectivos de 1892/1893 a 1895/1896 esteve matriculado em Medicina, tendo repetido o primeiro ano, tendo falecido quase a terminar o Curso.

Viveu na Rua Infante D. Augusto n º 60, no Largo do Obervatório n º 5, e na travessa de S. Pedro n º 14. No entanto, segundo os autores já citados, quando veio para Coimbra também se inscreveu na Marinha para receber subsídio do Estado Português.

É claro que durante o seu tempo de estudante cantou e tocou guitarra, tendo feito parte da Tuna Académica da Universidade de Coimbra (no tempo em que o Doutor Egas Moniz, futuro Prémio Nobel da Medicina, era o Presidente da Tuna). Participou também na célebre homenagem a João de Deus, durante a qual, segundo João Inês Vaz e Júlio Cruz, após a actuação, terá atirado a guitarra para a assistência e, claro está, nunca mais a viu. Para obviar a falta da Guitarra, valeu-lhe o Ateneu Comercial de Lisboa que lhe ofereceu a derradeira guitarra em 1895 (a Guitarra do Hilário que hoje conhecemos).

Depois de ter actuado em diversos locais do país, acabou por falecer em Viseu no dia 3 de Abril de 1896. Segundo a cópia da Certidão de Óbito na obra dos autores referenciados, morreu pelas nove horas da noite e sem sacramentos. Além disso, foi sepultado no cemitério público desta cidade [Viseu]. No entanto, o mais interessante é que numa nota à margem da Certidão de Óbito está creador do Fado Hilário e poeta e boémio, notável cantor do mesmo Fado conhecido em todo o país pelo Fado Hilário. Por outro lado, será também importante referir que muita vez se afirmou que terá sido sepultado com a sua capa de estudante. No entanto, tendo em conta o que o Dr. Joaquim Pinho afirma no blog de Guitarra de Coimbra do Dr. Octávio Sérgio, terá sido sepultado com a farda de aspirante da Marinha e não com a capa de estudante.

Desta forma, alguns meses antes de terminar o curso falecia Augusto Hilário. No entanto a sua memória estava assegurada, tanto que: em 1967 a sua família doou a sua Guitarra ao Museu Académico, onde ainda hoje se encontra. Em 1964, quando foi o centenário do nascimento de Hilário, os estudantes de Coimbra foram depositar uma coroa de flores na sua campa, tal como foi feita uma serenata em Viseu. Além disso, no ano em que foi o Centenário, também os Antigos Estudantes de Coimbra no Brasil liderados pelo Dr. Divaldo de Freitas descerraram uma placa na casa onde Hilário viveu no antigo Largo do Observatório (se bem que Hilário não tenha vivido sempre aí) onde ainda hoje se ncontra.

Porém, o que ficou sempre na memória colectiva foi o Fado Hilário que Augusto Hilário nos legou para a posterioridade, sendo com os versos deste que terminamos esta súmula acerca de Hilário.

Ouvir >> (Interpretação pelo Grupo Verdes Anos, 2001)

A minha capa velhinha É da cor da noite escura Ela quer acompanhar-me Quando for p’rá sepultura
Ela há-de ir contar aos vermes Ai, já que eu não posso falar Segredos luarizados Ai, da minh’ alma a soluçar
Eu quero que o meu caixão Tenha uma forma bizarra A forma de um coração Ai, a forma de uma guitarra.
A minha capa ondulante
Foi feita de negro tecido
Não é capa de estudante
Mas é capa de vencido

BIBLIOGRAFIA GENERALIZADA
-ANUÁRIO DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA. ANNO LECTIVO DE 1889 A 1890. Coimbra: Imprensa da Universidade, 1890.; -ANUÁRIO DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA. ANNO LECTIVO DE 1890 A 1891. Coimbra: Imprensa da Universidade, 1891.; -ANUÁRIO DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA. ANNO LECTIVO DE 1891 A 1892. Coimbra: Imprensa da Universidade, 1892.; -ANUÁRIO DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA. ANNO LECTIVO DE 1892 A 1893. Coimbra: Imprensa da Universidade, 1893.; -ANUÁRIO DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA. ANNO LECTIVO DE 1893 A 1894. Coimbra: Imprensa da Universidade, 1894.; -ANUÁRIO DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA. ANNO LECTIVO DE 1894 A 1895. Coimbra: Imprensa da Universidade, 1895.; -ANUÁRIO DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA. ANNO LECTIVO DE 1895 A 1896. Coimbra: Imprensa da Universidade, 1896.; -LIVRO DE CERTIDÕES DE EDADE DE 1834 A 1890 (LII). CERTIDÃO DE EDADE DE AUGUSTO HYLÁRIO DA COSTA ALVES. COTA: IV 1 ª D-5-2-52 fl. 315 E DOCUMENTO ANEXO fl 316. Coimbra: Arquivo da Universidade de Coimbra, S/D. -ASSOCIAÇÃO PARA O DEBATE DE IDEIAS E CONCRETIZAÇÕES CULTURAIS DE VISEU (textos de João Inês Vaz e Júlio Cruz) – Hilário: Fadista de Coimbra, Viseense do Coração. Viseu: Avis, 1996. Vários posts do Blog de Guitarra de Coimbra do Dr. Octávio Sérgio em: www.guitarradecoimbra.blogspot.com