09-04-2021Como os Ribats islâmicos influenciaram a Cavalaria Monástica OcidentaNão importa a época, Ordens Militares sempre são um assunto recorrente no imaginário popular e provavelmente um dos legados culturais mais vivamente recordados da Idade Média Europeia. Seu nome, embora não tão diretamente dedutível para um leitor mais leigo, faz alusão às suas raízes intrinsecamente religiosas: no Catolicismo Medieval, “ordens” diziam respeito tanto as posições hierárquicas da Igreja, como diáconos, padres e bispos, quanto às diversas sociedades monásticas que atendiam por este nome, tais como beneditinos, dominicanos etc. Estas sociedades, ou ordens, eram organizações conventuais que seguiam seus próprios regimes e rotinas religiosas, mas sempre caracterizadas pela sua renúncia e abominação a qualquer forma de violência e derramamento de sangue.
Quando surge e se canoniza a sociedade dos Cavaleiros Templários, no século XII, dá se início a um novo gênero de Ordem: uma que une o regime monástico e o militar, criando o arquétipo de soldado-monge e resignificando o “Milites Christi” – um conceito até então puramente alegórico do cristão em guerra contra o pecado – em um verdadeiro braço armado da fé. Essa sacralização da violência, termo que aqui tomamos de forma acrítica, foi definitivamente uma das maiores revoluções religiosas do Cristianismo Medieval; revolucionária o suficiente para receber o desprezo do Cristianismo Bizantino e que, talvez numa perspectiva histórica, seria inaceitável para os antigos Pais da Igreja. Mas, e se esse conceito tão inovador e polêmico de guerreiro conventual tivesse, na verdade, bases em fontes não-cristãs? Será que faz sentido que uma ideia tão alheia ao Cristianismo tivesse, de fato, inspirações externas? A tese de que as Ordens Militares foram de alguma forma influenciadas por instituições análogas no Mundo Islâmico vêm sendo proposta desde o século XIX (FEUCHTER, p. 1), pré-datando até mesmo a concepção da História como uma ciência de direito e, mesmo nos dias de hoje, persiste como uma explicação que recebe adesão de pelo menos parte dos historiadores da Academia. De acordo com essa linha, as Ordens Militares teriam tirado inspiração das arrábitas, ou rib?ts, muçulmanas.
Pelo menos desde o século IX, o termo arrábita já passava e se referir a uma espécie de edifício religioso ascético que opera de forma similar a um mosteiro, geralmente mais ou menos fortificado, com atividades marciais dedicadas à causa religiosa (Ibid, p. 163). Eventualmente, guerreiros ascéticos (murabit) associados à arrábitas já povoavam todo o território mais fronteiriço do Mundo Islâmico, desde a Palestina e as fronteiras nas estepes iranianas até regiões de fronteiras em Al-Andaluz, onde temos evidências arqueológicas destas estruturas e destes guerreiros conventuais em Lisboa, Guardamar, Cadiz, Almeria, Toledo, Talavera e Madri (Ibid, p. 167). Em certas regiões, arrábitas foram fundadas para proteger o povo de ataques vikings! (Ibid, p. 166). Por conta do seu caráter ascético e devocional, o ethos sufista encontrava grande recorrência nesses ribatins. Culturas islâmicas mais urbanas costumavam designar arrábitas sufis como khanqahs, zawiyas ou tekkes, embora nestes casos não houvesse uma conotação igualmente militar como nos séculos anteriores. Um exemplo notório desta síntese encontra-se em ninguém menos que o próprio Ibn Qasi, nativo de Silves, que constrói um ribat em Ponta Atalaia e dá origem ao Movimento Muridino, uma sociedade de cavalaria espiritual regida por princípios de defesa dos fracos e necessitados e da prática ascética sufi. Com o crescimento vertiginoso da influência desta sociedade de guerreiros conventuais, os muridinos tornaram-se tão poderosos no século XII que acabaram por conquistar e unificar todo o território das Taifas de Silves, Algarve e baixo Alentejo, tornando-se um Estado tampão entre o Império Almorávida e o novo Reino de Portugal. Mas, curiosamente, seria Afonso Henriques e os cavaleiros templários a se alinharem diplomaticamente aos Muridinos, criando assim uma oposição comum à orientação mais puritana da Dinastia Almorávida, mais ao Sul “O pacto simbólico que então faz com D. Afonso Henriques sela o ideal sinárquico que une a cavalaria templária à cavalaria islâmica muridínica, afinal uma convergente cavalaria espiritual. É esse arco voltaico de natureza iniciática que liberta a sinergia donde Portugal virá a brotar”. (ALVES, 2007, p. 75) É importante notar quão importante era o papel desempenhado pelos murabitun justamente porquê, durante a maior parte da história andaluza após o período das taifas, o morabitino foi não somente o nome dado às moedas utilizadas no sistema de câmbio dos califados e emirados Norte-Africanos e ibéricos do período, mas ele mesmo foi adotado pelos próprios reinos cristãos da península; sendo inclusive o sistema de base para o sistema de aquantiados e suas obrigações militares, conforme determinado pelo rei de Castela na Ordenança de Burgos (1385). Três ribats: O Ribat-i Malik no Uzbequistão, o Ribat de Monastir, fundado em 796 pela dinastia abássida na Tunísia, e o Ribat-i Sharaf do século XII no Irã. _____________________________________ Ainda assim, o regime de murabitun e das arrábitas mantinha distintivos significativos de qualquer análogo formado por católicos no século XII.
É difícil não encontrar análogos com o próprio sistema de indulgências promovido pela Igreja a partir das Cruzadas, embora qualquer semelhança possa não ser muito mais que pura coincidência. É claro que a influências dos morabitinos sobre as Ordens Militares está longe de ser um assunto resolvido historiograficamente, mas ainda assim, o fato de permanecer como uma possibilidade ou mesmo uma certeza entre setores acadêmicos por tanto tempo é um indicativo interessante das possibilidades e desdobramentos da influência islâmica sobre a própria teologia e prática cristã ocidental durante a Idade Média, conforme já sustentado pelo arquivista espanhol José Antonio Conde (1766-1820):
Bibliografia:KENNEDY, Hugh. The Ribat in the Early Islamic World. CONDE, José A. Historia de la dominación de los árabes em España, sacada de vários manuscritos y memorias arábigas. 1820. FEUCHTER, Jorg. The Islamic Rib?t: a model for the Christian Military Orders? Sacred Violence, Secularized Concepts of Religion and the Invention of a Cultural Transfer ALVES, Adalberto. Portugal e o Islão Iniciático. Ésquilo, Lisboa 2007
Como os Ribats islâmicos influenciaram a Cavalaria Monástica Ocidental
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