Iclas - Instituto de Culturas Lusófonas
Antonio Borges Sampaio


31-08-2021

Afeganistão, EUA e petróleo - João Melo


Os números são da Forbes: nos 20 anos da sua segunda intervenção no Afeganistão, os Estados Unidos gastaram mais de 2 triliões de dólares, correspondendo a 300 milhões por dia, todos os dias; isso significaria 50 mil dólares para cada um dos 40 milhões de habitantes do Afeganistão. Tais números, acrescenta a revista, incluem 800 biliões em custos diretos de combate e 85 biliões para formar o exército afegão, o mesmo que entrou em colapso mal Joe Biden confirmou a saída americana do atoleiro afegão.

Em termos humanos, as perdas são ainda maiores. Assim, 2500 militares norte-americanos e quase 4 mil civis prestadores de serviços morreram nas últimas duas décadas no Afeganistão. Acrescentem-se a eles os 69 mil polícias militares, os 47 mil civis e os 51 mil combatentes da oposição afegã mortos na guerra.

As contas da Forbes não incluem os gastos da primeira intervenção americana no Afeganistão, em 1978, quando apoiaram os talibãs a derrubar o governo socialista apoiado pela então União Soviética, que, com os seus acertos e equívocos, tentava implantar no país uma série de reformas modernizantes. Uma das mais importantes, insista-se, era a valorização e a promoção dos direitos das mulheres afegãs. Os que hoje temem pelo futuro destas últimas não deveriam esquecer-se desse pequeno "detalhe". Mas desconfio que muitos deles apoiaram as duas intervenções da maior potência mundial naquele país.

E qual foi o resultado de tais intervenções? Os talibãs foram definitivamente derrotados? A resposta está aí. A sociedade afegã tornou-se mais democrática e respeitadora dos direitos humanos universais? Os leitores conhecem igualmente a resposta. O único feito visível foi a morte do líder terrorista Osama bin Laden, o que a administração Obama conseguiu, basicamente, com serviços de inteligência, drones e um grupo de tropas especiais. Em território paquistanês, recorde-se.

O ponto que os órfãos da presença militar americana no Afeganistão tardam a reconhecer é que as duas intervenções dos EUA no referido país não foram ditadas por razões "humanitárias" ou "democráticas", mas única e exclusivamente pelos seus próprios interesses. A guerra fria prevalecente no fim dos anos 1970 e a importância estratégica do petróleo explicam a política norte-americana na região. Isso aplica-se

- diga-se - quer às duas intervenções, em 1978 e 2001, quer à decisão de abandonar o Afeganistão.

Com efeito, politicamente, as intervenções foram motivadas, primeiro, pela necessidade de impedir o sucesso de um governo aliado da União Soviética na região e, há 20 anos, pelo desejo de punir os autores do 11 de Setembro; no plano económico, tratava-se de manter o controlo do petróleo do Médio Oriente no centro da política externa americana, como acontecia desde o encontro entre Roosevelt e o rei Ibn Saud no Suez, em 1945.

Nem uma coisa nem outra são mais necessárias. Os EUA venceram a guerra fria, a experiência socialista no Afeganistão acabou, o terrorismo islâmico está hoje muito mais controlado e contido do que duas décadas atrás e, last but not the least, o mundo está a entrar numa fase de transição energética, que fará o petróleo perder a sua importância estratégica. A propósito, recomendo a leitura do artigo "Cabul pode ser a primeira vítima da ordem mundial pós-petróleo", de Cláudio Ângelo, publicado no passado dia 18 de agosto na Folha de S. Paulo, no qual o autor lembra que o interesse nacional dos Estados Unidos não reside mais no mundo árabe.

"Em 2001, quando George W. Bush invadiu o Afeganistão atrás de Osama bin Laden, os EUA consumiam 20 mbpd (milhões de barris de petróleo por dia), importavam 12 mbpd (3 mbpd do golfo Pérsico) e exportavam 1 mbpd. Em 2020, o país consumia 18 mbpd, importava 7,9 mbpd e exportava 8,5 mbpd. A participação do Golfo nas importações hoje (0,8 mbpd) é menor do que as exportações totais americanas em 2001", lê-se no artigo.

Capisce?

Jornalista e escritor angolano, publicado em Portugal pela Caminho

 

https://www.dn.pt/opiniao/afeganistao-eua-e-petroleo-14073442.html