04-08-2021PEDRO TAMEN, por Guilherme de Oliveira Martins"Um pequeno pedro a correr pelo campo / entre latadas outras, com suas ágeis mãos, / haveria, seria, teria sido, iria / correndo, correndo, correndo até um dia. / Cresceria rosado, entre tosse e sarampo, / teria pé ligeiro e apetites sãos / entre garfo e colher, entre ver e viver, / haveria, haveria, entre nada e não ser" (Rua de Nenhures, p. 69). Revisitamos o "pequeno pedro", e não esquecemos o que nos legou em palavra e sentido. E isso leva-nos a revisitá-lo, porque continua a marcar os nossos dias. Quando António Alçada Baptista transformou a Livraria Morais da Rua da Assunção num polo de renovação humana e religiosa, Pedro Tamen entrou como seu sócio, juntando-se-lhes João Bénard da Costa, Nuno Bragança, Luís de Sousa Costa, Helena e Alberto Vaz da Silva. Foi então que, vindo da revista universitária Encontro, lançou o célebre Círculo de Poesia, que ostentava o inesquecível símbolo solar de José Escada. Aí publicou O Sangue, a Água e o Vinho e animou as coleções Círculo do Humanismo Cristão e O Tempo e o Modo. À "poderosa força da inércia" havia que contrapor, com determinação, a "frágil força da mudança", e um grupo de jovens propôs-se agitar as águas no pensamento e na ação. Pedro Tamen formulou o programa - simples e claro, em palavras emblemáticas: "A ação começa na consciência. A consciência, pela ação, insere-se no tempo. Assim, a consciência atenta e virtuosa procurará o modo de influir no tempo. Por isso, se a consciência for atenta e virtuosa, assim será o tempo e o modo." A Morais afirmou-se como pioneira na reflexão dos grandes temas do Concílio Vaticano II e a revista O Tempo e o Modo concretiza-se em 1963. António Alçada Baptista é proprietário e diretor, João Bénard da Costa, chefe de redação, Pedro Tamen, editor, contando com a participação de Nuno Bragança, Alberto Vaz da Silva e Mário Murteira. Era uma revista que seguia os passos de Emmanuel Mounier, que fizera em 1932 a revista Esprit como um lugar de encontro de católicos e não católicos. Daí a entrada de Mário Soares, Francisco Salgado Zenha e do jovem dirigente estudantil Jorge Sampaio. Tenho lembrado em várias ocasiões esse momento. Pedro Tamen é um elemento essencial nessa história de "Grandes Amizades", clássico e moderno. A experiência de editor e de grande poeta associaram-se naturalmente à consciência pessoal e cívica de um cultor ativo da liberdade. E o quarto de século na Gulbenkian é exemplo de exigência e abertura de pistas novas. Foi sempre poeta e foco de renovação. António Ramos Rosa, com quem trabalhou na Morais, afirma: "A poesia de Pedro Tamen é um incessante exercício de liberdade que corre o risco de se perder na insignificação total e por outro lado uma busca permanente de uma frescura inicial que é a frescura da dimensão do instante recuperado na sua transparência." (...) "Vejo (nele) uma das mais sérias tentativas para dar à atividade poética aquele sentido do sagrado, sem o qual não se pode atingir a verdadeira dimensão interior." A liberdade do poeta é sempre dupla: respeita à autonomia e à responsabilidade da pessoa, mas também ao domínio da palavra e à exigência de renovação da língua, no campo poético ou no rigor da tradução, de que foi exímio mestre. Por isso, preferiu ser um poeta claro, em vez de hermético. No caminho da poesia, a evolução do espiritual para o concreto pressupôs uma especial coerência, que nem sempre foi notada, já que "a situação do poeta é em tudo comparável à situação do místico, porque, no fundo, tanto um como o outro têm a noção, têm a visão - a visão é a palavra - desse outro mundo misterioso. E tanto um como outro (...) esbarram na impossibilidade de o exprimir, e sentem como seu limite, efetivamente, o silêncio". por Guilherme de Oliveira Martins, administrador executivo da Fundação Calouste Gulbenkian
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