15-05-2021EM CADA HUMANO DESCANSA UM VASCO DA GAMA E UM ULISSES + A ASCENSÃO SOCIAL DÁ-SE DO MEIO PARA O TOPO + TROVA À LIBERDADEAntónio Justo A história de aventura de Homero mostra como o herói Ulisses (1) consegue navegar por um estreito basicamente intransponível. Este estreito é guardado por dois poderosos monstros marinhos, Cila e Caríbdis, vendo-se o marinheiro obrigado a passar sem se aproximar demasiado de um perigo ou do outro: um monstro suga a água do mar, três vezes por dia, e ejeta-a novamente com grande rugido. Quem hesita morre sendo apanhado na sua absorção. O outro monstro encontra-se agachado numa rocha à espera para devorar as vítimas. A vida de um povo e de um cidadão resume-se num barco que ruma no mar das dificuldades em sentido à realização. Ulisses conseguiu chegar a Ítaca e Vasco da Gama à Índia, porque tinham em si a rota de uma missão a cumprir e de um sonho a realizar! Sem missão nem sonho perder-se-iam no alto mar ou seriam engolidos pelos monstros que se situam de um lado e do outro.
Uma idêntica lição nos resume Fernando Pessoa nos versos “Quem quer passar além do Bojador, Tem que passar além da dor (2)”: uma alusão a Camões que, na sua epopeia, “Os Lusíadas”, descreve a viagem de Vasco da Gama e a sua luta com o Adamastor.
Tanto a epopeia de Homero como a de Camões, representam a viagem de um povo e o itinerário de uma pessoa simbolizada nos protagonistas Ulisses e Vasco da Gama. Muitas vezes vive-se num dilema de escolha sem grande esperança porque se tem de escolher passar entre dois males ou perigos inevitáveis. Daí a frase "entre Cila e Caríbdis".
Os tempos cor de rosa em que vivemos parecem não interessados em reconhecer a realidade humana descrita nesses poemas porque são um apelo ao heroísmo de cada humano a viver e encarar a realidade sem medo do esforço nem do erro! O futuro é dos corajosos e não dos que fogem à dor! Sim, até porque na realidade temos de um lado a dor e do outro o sofrimento de poder não chegar! (Senão pense-se: que seria da Liberdade trazida pelo 25 de Abril se não tivéssemos em consideração os erros dos que o fizeram! Que seria da vida se a mulher grávida evitasse o sofrimento fugindo à dor do parto; a fazê-lo evitaria o prazer do dar à luz!)
Em cada humano descansa um Vasco da Gama e um Ulisses (Odisseu) à espera de ser acordado para uma missão; cada povo rumará para bom termo se gerar timoneiros do seu calibre! Doutro modo limitar-se-á a ser água pacífica sobre a qual outros navegam… Há que estar atento às sereias e àquilo que julgamos ser a realidade! Quem não está atento ao vento do pensar do tempo, do pensar politicamente correcto e a uma certa doutrina cor-de-rosa de uma espiritualidade que leva ao narcisismo, conversa e age como se para alcançar a felicidade e fazer caminho bastasse a leveza de ter pensamento positivo e fosse possível um presente criativo sem a parte de sofrimento que lhe pertence! O grande filósofo e pensador Platão dizia “O que faz andar o barco não é a vela enfunada, mas o vento que não se vê”. Ele na sua perspicácia procurava observar o que está para lá do que chamamos realidade: Temos que estar atentos aos sopradores dos ventos que nos formatam e determinam as nossas consciências e o nosso modo de pensar, arrastando-nos na corrente dos seus ventos tirando-nos ao mesmo tempo a capacidade de nos formarmos e de nos desenvolvermos interiormente. Reduzindo a ideia de Platão a termos políticos e sociais atuais, devemos estar atentos aos ventos ideológicos que nos movem para onde eles querem, criando, para isso, em nós a ideia de que somos nós que queremos! António CD Justo Notas em “Pegadas do Tempo”, https://antonio-justo.eu/?p=6499
A ASCENSÃO SOCIAL DÁ-SE DO MEIO PARA O TOPO
Uma vez pobre sempre pobre
Segundo o resultado do 5° relatório sobre a pobreza e a riqueza na Alemanha (1) apresentado pelo governo, a promoção social vinda de baixo é quase impossível como se depreende da análise do sector salarial baixo. O Ministro Federal do Trabalho conclui que "a subida tem lugar a partir do meio para cima, mas não de baixo para o meio ". Cada vez há mais pessoas pobres e a desigualdade social está a enraizar-se cada vez mais na sociedade. Pelos vistos, o trabalho não protege contra a pobreza. Os beneficiados do sistema são cada vez mais ricos! A metade superior da população detém 99,5% da riqueza total. Ficaria bem aos Media e à política discutirem mais este tema para que se fomente uma consciência mais exacta do que realmente se passa. Isto para não nos deixarmos enganar! Uma sociedade democrática verdadeiramente moderna deveria contrariar esta lei do eterno retorno: Uma vez pobre sempre pobre. O verdadeiro progresso poderia ser a promoção da pessoa humana e de um capitalismo social humano que conduza à prática de uma democracia económica! A fuga à lei e a transgressão dos direitos humanos não podem continuar a ser fonte de receita de elites preponderantes. Não é digno nem humano que a precariedade de uns se torne a base da estabilidade de outros. Não é justo que uma sociedade rica, como a europeia, produza cada vez mais pobres! A sociedade e suas elites não podem continuar de olhos tapados e à deriva das circunstâncias favorecedoras dos mais fortes! Somos todos responsáveis. Antoine de Saint-Eupéry já dizia: "O mundo inteiro afasta-se quando vê passar um Homem que sabe para onde vai". António da Cunha Duarte Justo Notas em “Pegadas do Tempo”, https://antonio-justo.eu/?p=6488
TROVA À LIBERDADE Ao ler a seguinte trova de Manuel Alegre, sinto-o ligado à tradição do nosso grande trovador e rei Dom Dinis, na sua trova – “Ai flores, ai flores do verde pino, se sabedes novas do meu amigo?… “ Na procura de uma liberdade que parece não chegar, também Manuel Alegre se dirige à natureza (ao país) que se torna na melhor inspiradora e conselheira. Como em Dom Dinis, a “Trova do vento que passa” deixa uma porta aberta por onde se pode ir realizando o grande sonho. O trovador dirigir-se à Liberdade, que procura na sua amada e se encontra algures escondida nas terras de Portugal. Passemos à exímia trova de Manuel Alegre que acaba de celebrar o seu 85° aniversário: António CD Justo Pegadas do Tempo, https://antonio-justo.eu/?p=6497 TROVA DO VENTO QUE PASSA Pergunto ao vento que passa notícias do meu país e o vento cala a desgraça o vento nada me diz. Pergunto aos rios que levam tanto sonho a? flor das águas e os rios não me sossegam levam sonhos deixam mágoas. Levam sonhos deixam mágoas ai rios do meu país minha pátria a? flor das águas para onde vais? Ninguém diz. Se o verde trevo desfolhas pede notícias e diz ao trevo de quatro folhas que morro por meu país. Pergunto a? gente que passa por que vai de olhos no chão. Silêncio — e? tudo o que tem quem vive na servidão. Vi florir os verdes ramos direitos e ao céu voltados. E a quem gosta de ter amos vi sempre os ombros curvados. E o vento não me diz nada ninguém diz nada de novo. Vi minha pátria pregada nos braços em cruz do povo. Vi minha pátria na margem dos rios que vão pro? mar como quem ama a viagem mas tem sempre de ficar. Vi navios a partir (minha pátria a? flor das águas) vi minha pátria florir (verdes folhas verdes mágoas). Há? quem te queira ignorada e fale pátria em teu nome. Eu vi-te crucificada nos braços negros da fome. E o vento não me diz nada so? o silêncio persiste. Vi minha pátria parada a? beira de um rio triste. Ninguém diz nada de novo se notícias vou pedindo nas mãos vazias do povo vi minha pátria florindo. E a noite cresce por dentro dos homens do meu país. Peço notícias ao vento e o vento nada me diz. Mas há? sempre uma candeia dentro da própria desgraça há? sempre alguém que semeia canções no vento que passa. Mesmo na noite mais triste em tempo de servidão há? sempre alguém que resiste há? sempre alguém que diz não. Manuel Alegre |