11-04-2020ASSIM MORREM AS DEMOCRACIAS - Bárbara ReisENTREVISTA ASSIM MORREM AS DEMOCRACIAS
11 de Abril de 2020 «O cientista político Daniel Ziblatt, professor na Universidade de Harvard e co-autor do livro Como Morrem as Democracias (com Steven Levitsky, edição Vogais) — recomendado pelo ex-Presidente Barack Obama como um dos melhores livros de 2018 — foi apanhado pela pandemia da covid-19 em Berlim, onde está a terminar um ano sabático em parte dedicado a conversar com políticos alemães. É da Alemanha que observa a pandemia a espalhar-se pelo mundo, “colado à televisão e aos jornais”. Em 2018, Ziblatt defendeu que, com Donald Trump na Casa Branca, a democracia norte-americana estava em perigo e avisou: as democracias já não caem com golpes e revoluções, mas com “passinhos de bebé” que destroem as instituições pouco a pouco. Dois anos depois, o professor observa a reacção dos EUA à pandemia da covid-19 com dois sentimentos: espanto e pessimismo. Há 20 anos a estudar as democracias europeias, Ziblatt alerta para os sinais que levam à morte das democracias e recomenda olharmos para a Hungria: “Viktor Orbán teve dez anos para desmantelar as instituições democráticas. Trump teve quatro. Mas ele está a atacar as instituições democráticas dos EUA todos os dias e, lentamente, está a desmantelá-las. Se as coisas não mudarem, essa é a tendência dos EUA.” Uma breve entrevista telefónica por WhatsApp, com o som de crianças ao fundo. Disse estar surpreendido com o que se passa nos EUA. O que é que o surpreende? A segunda observação tem a ver com o que isto significa para a democracia. Trump tem estado bastante passivo perante a crise e isso é surpreendente. Em regra, os políticos com tendências autoritárias aproveitam-se das crises para reforçar e consolidar o seu poder, mas Trump está passivo e não está a tentar fazer isso. Pelo contrário: a nível federal, a mensagem que passa é: “Deixem os estados tratar disto.” A questão interessante é perceber por que é que isso está a acontecer, porque é que ele está tão passivo. As razões são muito diferentes das de Viktor Orbán, na Hungria, que aproveitou a crise para consolidar o seu poder. Para Trump seria difícil fazer o mesmo. Crises como esta são uma oportunidade para os autoritários, mas também expõem o estado das democracias. A Hungria já era muito autoritária e a pandemia empurrou as coisas. Se compararmos os EUA e a Hungria, as coisas estão melhor nos EUA quando pensamos nas instituições democráticas, mas nos meus momentos mais pessimistas penso que comparar os EUA com a Hungria é como comparar o momento em que Trump disse em Fevereiro: “Bom, só temos 15 casos, a nossa situação é muito diferente da da China, olhem para o número de casos na China...”. Era uma percepção errada da pandemia, pois os EUA estavam apenas numa fase inicial da crise. Orbán teve dez anos para desmantelar as instituições democráticas e Trump teve quatro. Mas Trump está a atacar as instituições democráticas dos EUA todos os dias e, lentamente, está a desmantelá-las. Onde é que isto vai levar? Se as coisas não mudarem, a tendência dos EUA é fazerem o caminho da Hungria. Se Trump estivesse há mais anos no poder, estaria a fazer o mesmo que Orbán? Trump está a fazer o que Orbán fez na Hungria: destruir a democracia aos poucos, lentamente, bocado a bocado. Os EUA aguentam isto, porque são uma democracia antiga e sólida. Mas com o tempo, isto tem um efeito cumulativo. É como as calhas nas fachadas das casas por onde escorre a água da chuva: se não as repararmos, enferrujam. Pensamos: “Isto não tem grande importância, só está um bocadinho estragado” e não ligamos. Mas no momento em que surge uma crise, dizemos: “Isto estava a apodrecer há dez anos.” E cai tudo por ali abaixo. É isso que está a acontecer na Hungria: há dez anos que as instituições são desmanteladas e foi fácil para Orbán anunciar, da noite para o dia, que vai governar por decreto. Nos EUA podemos estar no início disso. Ao comparar de forma tão directa as democracias norte-americana e húngara está a dizer que é real a possibilidade de os EUA tornarem-se uma “democracia iliberal”? No livro Como Morrem as Democracias fizeram o teste do autoritarismo a Trump. Que resultado teria o Presidente se o testassem hoje? O teste dos instintos autoritários deu positivo para Donald Trump — tem pré-disposição para atacar os jornalistas, para considerar os opositores ilegítimos, para questionar a legitimidade das eleições e para tolerar a violência em comícios eleitorais. Essas são as características de um líder com instintos autoritários. Desde que assumiu o cargo, Trump tem sido tão autoritário quanto o previsto, embora os danos tenham sido limitados pelas instituições políticas. A atitude inicial de desvalorização, quase gozo, em relação à covid-19, vai prejudicá-lo politicamente? Sobre os apoiantes de Trump: vê sinais de que, com a pandemia, prefeririam um Presidente com outro perfil? Se compararmos com as taxas de popularidade de vários governadores, hoje, vemos que a subida de Trump foi muito pequena. E se pensarmos noutros Presidentes que enfrentaram outras crises — como Jimmy Carter e a crise dos reféns no Irão ou George W. Bush e o 11 de Setembro de 2001 — esta subida de Trump foi muito pequena. George W. Bush, com o 11 de Setembro de 2001, chegou aos 90%. Como é que vai ser a campanha? Se os candidatos não puderem fazer campanha, seria a favor do adiamento das eleições? Mas se um governador republicano ou um secretário de estado local quiser ajudar Trump, pode fazê-lo: reduz o número de mesas de voto, limita o número de pessoas que podem estar em cada mesa de voto ao mesmo tempo e outras medidas que afastem as pessoas das eleições e reduzam a afluência às urnas, pois é isso que ajudará Trump. Isso pode acontecer nos estados “roxos”, os que podem ir para azul [democratas] ou vermelho [republicanos]. Que outras mudanças antecipa na política americana pós-pandemia? Mas também é possível que, a seguir, tudo volte a ser como dantes. O mundo muda enquanto dura a crise, mas pode voltar ao normal quando a vida voltar ao normal. É uma pergunta em aberto. Vai depender da narrativa da pandemia. Que história vão os historiadores e os jornalistas contar? Nos EUA, a história deverá ser sobre a incapacidade das instituições para enfrentar a crise, a falta de equipamento, a falta de testes até para quem está com sintomas.» BÁRBARA REIS
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“Trump está a fazer o mesmo que Orbán: destruir a democracia aos poucos”
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