01-04-2020Amesterdão e um pouco da história da tolerância - por João Simas
jfsimas Sinagoga Portuguesa de Amesterdão in https://www.pportodosmuseus.pt Por vezes confundem-se os conceitos de Liberdade e Tolerância. Uso aqui uma definição antiga e muito simples de liberdade, a da primeira constituição portuguesa, de 1822: Artigo 2º “A liberdade consiste em não serem obrigados a fazer o que a lei não manda, nem a deixar de fazer o que ela não proíbe. “ Portanto, é uma opção que só diz respeito a cada um, dentro dos limites da lei. Ninguém é obrigado a ter determinadas opções, mas também ninguém pode ser obrigado pelo Estado ou por outros, “mais papistas que o Papa”, a prescindir delas, o que seria uma boa reflexão para os tempos atuais. Já tolerância depende de quem manda a partir de uma posição em que se considera que as suas ideias e práticas é que são as corretas, o que pode levar a limitar a ação do outro. Parte-se de uma posição superior, os outros têm uma certa liberdade de pensamento e ação condicionada. E dificilmente poderemos considerar o conceito de Liberdade, em constante mutação ou extensão, antes das revoluções liberais, a não ser pelas ideias dos filósofos iluministas (franceses mas também ingleses …), sujeitos aos poderes arbitrários dos reis absolutistas, havendo no entanto, algumas exceções, como a Inglaterra da “Gloriosa Revolução” de 1688, sustentada pelas ideias de Locke, mas também afinal uma invasão holandesa de Guilherme de Orange. Ora, os holandeses, sobretudo os de Amesterdão, apesar de se tornarem calvinistas, e não esquecer que se tornaram independentes contra o exército e Inquisição espanhóis, não se tornaram numa república terrorista, como a de Genebra, dirigida por Calvino ou outras comunidades americanas também intransigentes na moral deles e dos outros. Mantiveram-se comunidades católicas em Amesterdão. Não poderiam ter um culto exterior ou visível para os outros mas continuavam, só obtendo a liberdade religiosa na segunda metade do século XVIII. Mas podemos ver provas de alguma tolerância na Igreja de Moisés e Aaron, em pleno bairro judaico. Com os judeus sefarditas (da Península Ibérica) a tolerância foi maior, principalmente com os judeus portugueses. Ainda hoje a “Esnoga”, Sinagoga Portuguesa de Amesterdão, lá continua como a maior e mais antiga sinagoga de Amesterdão. Esta comunidade portuguesa tornou-se até uma elite de negócios pelo mundo inteiro. Judeus portugueses estão também na origem de comunidades judaicas pela América, seguindo os holandeses, como os que estão na origem da cidade de Nova Iorque, anteriormente Nova Amesterdão. Foi desta comunidade de “gente de nação” que surgiu o filósofo Espinosa, duplamente herético, porque também foi expulso da sinagoga pelos próprios judeus. A decisão dessa expulsão está num documento escrito em português, língua que eles usavam para falar e escrever, no Museu Judaico de Amesterdão. Outros de outras nacionalidades também encontraram lugar de refúgio em Amesterdão, não apenas estes judeus ou cristãos-novos, como os asquenazes, os artesão e homens de negócios dos Países Baixos do Sul, sob domínio espanhol, franceses etc. Como também filósofos como o francês Descartes. Era só solidariedade? Claro que não. Eles viram nestes refugiados gente capaz de trabalhar e enriquecer a sua república. Foram e são pragmáticos Mas lembremo-nos, e mais recentemente, tantos jovens portugueses que desertaram das guerras coloniais por motivos políticos, não sabendo se um dia poderiam regressar, que foram acolhidos nos Países Baixos, alguns que receberam bolsas de estudo e respiraram finalmente um ar de Liberdade. Se é tudo assim ainda? Já não é. Mas há também uma história que perdura.
Amesterdão e um pouco da história da tolerância
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