25-10-2018A escritora best-seller do século XIX que foi excluída da Academia Brasileira de Letras
Escrito por Fabíola Hauch No Brasil da segunda metade do século XIX, Júlia Lopes de Almeida era um caso raro: uma escritora que vivia com o dinheiro da própria escrita. Mãe de família, casada com o poeta português Filinto de Almeida, foi uma das primeiras romancistas do Brasil. No papel de intelectual, que defendia o abolicionismo, assumia posições feminista e era sucesso de vendas junto ao público, ajudou a criar a Academia Brasileira de Letras (ABL). Tudo para ver seu nome rejeitado à uma cadeira dentro da instituição por ser mulher. A história da maior ausência dos 121 anos da ABL foi descoberta, por acaso, durante uma pesquisa em 2005 [1]. Em meio ao doutorado em Estudos Brasileiros na Universidade de São Paulo (USP), Michele Fanini encontrou 12 textos de Júlia, esquecidos em um arquivo. Ela conta [2] que, apesar de o nome da escritora estar numa primeira lista de fundadores da Academia, depois foi apagado da História:
Em uma dissertação [3] sobre a tradução das obras de Júlia ao espanhol, a jornalista equatoriana Sabrina Duque nota que, na escrita, a autora mesclava “palavras de origem africana, termos em francês, costumes da sociedade carioca de então, nomes de lugares que se mencionam de passagem, letras de canções populares”:
Sabrina conta que, na época da criação da ABL, Júlia já tinha uma “obra respeitável, colecionava boas críticas e contava com o favor do público”. Sua candidatura, porém, recebeu o apoio de apenas quatro nomes.
Júlia Lopes de Almeida, sem data conhecida| Imagem: Arquivo Nacional/Domínio Público Quem foi Júlia Lopes de Almeida? Júlia nasceu no Rio de Janeiro em 1862. Mesmo ano em que o Brasil rompeu relações com o Reino Unido na chamada Questão Christie [4], uma tensão que vinha crescendo, especialmente, porque o Brasil insistia em manter o tráfico de escravos trazidos da África. Filha de imigrantes portugueses, Júlia, como escreve [5] o escritor Luiz Ruffato, “teve uma educação sofisticada e liberal, completamente discrepante para os padrões femininos da época”. As primeiras crônicas ela publicou por volta dos 20 anos, em um jornal de Campinas, no interior de São Paulo, graças ao incentivo do pai. Quando a família se mudou a Lisboa, onde conheceu o marido, ela seguiu escrevendo e publicando em jornais e almanaques e terminou seu primeiro livro: os contos de Traços e iluminuras. Anos depois, vivendo no Rio de Janeiro, transformou sua casa em um ponto de encontro de “artistas, intelectuais e jornalistas”.. Ruffato conta ainda, em outro texto [6]:
Júlia morreu no Rio, aos 72 anos, vítima de malária. Antes do diagnóstico, porém, ela rodou o mundo passando por Europa, sul do Brasil, Buenos Aires e África. A história se repete No dia 30 de agosto, a história de Júlia – e outras mulheres escritoras – se repetiu. Assim como a única mulher fundadora da ABL foi barrada logo no começo, a possibilidade de a primeira mulher negra ocupar uma cadeira imortal também foi ignorada. Apesar da campanha mais popular já feita na Academia, Conceição Evaristo [7]recebeu apenas um voto. O eleito foi o cineasta Cacá Diegues, que recebeu 22. O segundo colocado, Pedro Corrêa do Lago, teve 11. Fundada em 20 de julho de 1897, a ABL levou oito décadas [8] para dar uma cadeira à uma mulher. Em 1977, a escritora Rachel de Queiroz [9] se tornou a primeira imortal brasileira. Nas próximas décadas, ingressaram na ABL: Dinah Silveira de Queiroz (1980), Lygia Fagundes Telles (1985), Nélida Piñon (1989), Zélia Gattai (2001), Ana Maria Machado (2003), Cleonice Berardinelli (2009) e Rosiska Darcy (2013). E nenhuma mais. Algumas obras de Júlia estão disponíveis no Domínio Público [10] e no site Literatura Digital [11], da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
Artigo publicado em Global Voices em Português: http://pt.globalvoicesonline.org
URL do artigo: https://pt.globalvoices.org/2018/09/13/a-escritora-best-seller-do-seculo-xix-que-foi-excluida-da-academia-brasileira-de-letras/
URLs nesta postagem: [1] pesquisa em 2005: http://www.usp.br/aun/antigo/exibir?id=5627&ed=995&f=29
[3] dissertação: http://repositorio.unb.br/bitstream/10482/23057/1/2016_SabrinaDuqueVillafañeSantos.pdf [4] Questão Christie: https://pt.wikipedia.org/wiki/Quest%C3%A3o_Christie [5] escreve: http://rascunho.com.br/julia-1/ [6] texto: http://rascunho.com.br/julia-3/ [7] Conceição Evaristo: https://pt.globalvoices.org/2018/08/28/conheca-a-escritora-que-pode-ser-a-primeira-mulher-negra-na-academia-brasileira-de-letras/ [8] oito décadas: https://www.taglivros.com/blog/mulheres-na-academia-brasileira-de-letras/ [9] Rachel de Queiroz: http://www.academia.org.br/academicos/rachel-de-queiroz/biografia [10] Domínio Público: http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/PesquisaObraForm.do?select_action=&co_autor=2161 [11] Literatura Digital: https://www.literaturabrasileira.ufsc.br/autores/?id=4425
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