Iclas - Instituto de Culturas Lusófonas
Antonio Borges Sampaio


14-04-2009

Alvará Marquês Pombal que aboliu distinção de Cristãos novos e velhos


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Alvará. A qual Sua Majestade é servido abolir, e extirpar a sediosa distinção de CristãosNovos, e Cristãos Velhos; restituindo as habilitações das Famílias ao estado,em que se achavam nestes Reinos, etc.

Dom José, por graça de Deos, Rey de Portugal, e dos Algarves, d’aquém, ed’além Mar, em África Senhor de Guiné, e da Conquista, Navegação, Comércioda Etiópia, Arábia, Pérsia, e da Índia, etc. Aos Vassalos de todos os MeusReinos, e Senhorios, saúde. Em Consultas da Mesa do Desembargo do Paço, edo Conselho Geral do Santo Ofício da Inquisição, me foi presente: Que depois que pela minha saudável Lei de vinte e cinco de Maio do ano próximo pretérito houve por bem abolir, e extirpar a sediosa distinção de Cristãos Novos, e Cristãos Velhos, restituindo as habilitações das Famílias ao estado, em que se achavam nestes Reinos, enquanto neles não introduziu a malícia sediciosa

aquela bárbara, e ímpia diferença; ponderavam ambas as sobreditas Mesas, que para se acabar de por o último selo a uma obra, que deu tanta glória à Igreja destes Reinos, como crédito à Nação Portuguesa, se fazia necessário, que Eu ampliasse a referida Lei com duas Providências, que desterrem os dois abusos,com que, ainda depois da publicação dela, alguns espíritos alienados pelas antecedentes preocupações, ou ficaram entendendo, ou quiseram entender por uma parte, que os verdadeiros confidentes reconciliados com a Igreja, e por elarecebidos no seu benigno grémio, podem ficar ainda assim infames, e inábeisnas suas pessoas, e nas dos seus filhos, e netos pela via paterna; e pela outraparte, que ficam incursos na perda dos seus bens para o Meu Fisco, e Câmara.Real; contendo-se nas referidas duas persuasões dos absurdos notórios, e tão

intoleráveis, que são contrários a todos os Direitos; que para excluírem o

primeiro deles, consideravam primeiramente, que mandando a sobredita Lei reduzir o estado das Pessoas, e das Famílias aos termos do Direito Comum, não há Lei secular, ou Cânone da Igreja, que irrogue a pena de infâmia mais do queaos Hereges, que são condenados nas penas de morte natural, e de fogo; consideravam em segundo lugar, que nem verdadeiramente poderiam ser outras as legislações Eclesiásticas, e Civil, porque depois da Igreja, como benigna Mãe recebe na sua união aqueles verdadeiros, e arrependidos Penitentes, e estes cumprem as penitências, que lhes são impostas, ficam pelas mesmas Leis, e Cânones hábeis, e sem nota alguma nas suas Pessoas, e dos seus Descendentes, como fora expresso no Capítulo Statutum XV. de Hæreticis in Sexto, e como haviam terminantemente declarado os dois Santos Padres Alexandre IV, e Urbano IV às Inquisições de Espanha, sendo por elas consultados sobre este motivo. Consideravam em terceiro lugar, que o mesmo se concluía pela Ordem da Providência Divina, pela benigna índole da Igreja, e

até pela mesma legislação humana, porque pela primeira, e segunda os

pecadores verdadeiramente arrependidos, e perdoados ficam livres de toda a mácula dos pecados, e sem alguma nota, que por causa deles transmitam aos seus descendentes, e porque pela terceira os delinquentes, depois de haverem cumprido as penas, em que são condenados, e de haverem por elas expiado os seus delitos, ficam reunidos à sociedade dos outros cidadãos, sem diferença alguma; e consideravam em quarto, e último lugar, que esta é a literal e genuína disposição do parágrafo terceiro da referida Lei de vinte e cinco de Maio do ano próximo precedente, no qual somente declarei por infames os filhos, e netos dos sentenciados, e condenados nas penas estabelecidas nas Ordenações do Livro

Quinto, Título Primeiro, e Título Sexto, sem estender de nenhuma sorte a

mesma infâmia aos descendentes dos recebidos, que em tais penas não fossem condenados. Que para excluírem o segundo dos referidos dois absurdos, qual é o da confiscação dos bens; consideravam também por uma parte, que sendo esta pena sempre concomitante da pena capital, e da morte natural, ou Civil dos Réus a ela condenados, não podia ter lugar de nenhuma sorte contra os confitentes recebidos à união Cristã, e à sociedade Civil; consideravam por outra parte, que sendo a confiscação uma consequência da morte natural, ou Civil, seria uma incompatibilidade contrária a toda a ordem Criminal, que subsistisse a consequência da confiscação dos bens, faltando o necessário antecedente da pena capital; consideravam por outra parte, que achando-se o Supremo Poder Eclesiástico, e a Suprema Jurisdição Temporal em cumulativa, e

perpétua união no Tribunal do Santo Ofício pela Bula da sua Fundação, e pelos consequentes Alvarás, e Disposições dos Senhores Reis Meus Predecessores, sendo o referido Tribunal privativo, e exclusivo de todos, e quaisquer outros Tribunais para as causas da Fé, e da Religião; seria um absurdo verse que o mesmo Tribunal pela parte, que representa a Igreja, recebesse os verdadeiros confidentes com o amor, doçura, e caridade, que a caracterizam; e pela outra parte, que representa a Soberania Temporal, fosse buscar a pena de confiscação imposta somente pelas Leis seculares aos condenados em pena capital, para.condenar nela os que são recebidos, vendo-se tudo isto na mesma Sentença, a qual conforme o Direito é individua por natureza; consideravam pela outra parte, que esta errónea dissonância, durando por mais tempo, apartaria do Foro  da Penitência, e removeria da conversão muitos dos que se achassem a elas

inclinados, sendo retidos pelo temor de perderem depois com a fama todos os patrimónios das suas casas, e famílias; considerando pela outra parte, que não podia obstar ao referido o Texto do Capítulo cum Secundum XIX. de Hæreticis in Sexto, que até agora pretextou o referido absurdo, por haver especificado no Preambulo dele o Santo Padre Bonifácio VIII alguns crimes, nos quais segundo as Leis Civis se incorre ipso jure na confiscação dos bens. Não só porque a referida pena Temporal de confiscação de bens não era do Foro Espiritual do mesmo Santo Padre, além dos seus Estados, e não só porque as Leis seculares, e

dos Meus Reinos, não sujeitam a ela senão os condenados em pena capital na  sobredita forma, mas também, porque na cláusula final do referido Texto concluiu o mesmo o mesmo Santo Padre, dizendo, que posto que os bens se  entendam confiscados ipso jure, os não deve com tudo ocupar o Fisco, em quanto se não publicar a Sentença final sobre o mesmo crime; Sentença, que juridicamente não podia ser outra, senão a condenatória em pena capital, de que a confiscação dos bens e consequência; mas de nenhuma sorte á outra  Sentença, que benigna, e misericordiosamente manda receber os bons confidentes ao grémio da Santa Madre Igreja, porque se outra fosse a mente deste Capítulo cum Secundum XIX. ficaria inconciliavelmente contraditório com o outro Capítulo Statutum XV. do mesmo Título, que só sujeita à infâmia os réus

condenados em pena capital, quando é certo, que conforme a Direito ambos os referidos Textos se devem concordar, e entender conformes nas suas decisões. E porque como Rei, e Senhor Soberano, que na Temporalidade não reconhece na Terra Superior, como Protector da Igreja, e Cânones Sagrados nos Meus Reinos, e Domínios para os fazer conservar na sua pureza; como outro fim Protector da reputação, e honra de todos os Meus Fiéis Vassalos, de qualquer estado, e condição que sejam, para remover deles tudo o que lhes é injurioso, e nocivo. E como Supremo Magistrado para manter a tranquilidade pública da mesma

Igreja, e dos mesmos Reinos, e Domínios, e a conservação dos mesmos Vassalos em paz, e em sossego, removendo dela, e deles tudo o que é opressão, e violência, e tudo o que os pode dividir, e perturbar neles a uniformidade de sentimentos, que constituem a união Cristã, e a sociedade Civil, que á sombra do Trono devem gozar de uma inteira, e perpétua segurança nas suas honras, e fazendas, conformando-me não só com os uniformes Pareceres das sobre ditas Consultas; mas também com os outros concordes Pareceres dos Ministros dos

Meus Conselhos de Estado, e de Gabinete, que ultimamente ouvi sobre todo o conteúdo nelas. E usando no mesmo tempo de todo o Pleno, e Supremo Poder, que nas sobreditas matérias da manutenção da tranquilidade pública da Igreja,e dos Meus Reinos, Povos, e Vassalos deles, recebi imediatamente de deus todo Poderoso: Quero, Mando, Ordeno, e é Minha vontade se observe  inviolavelmente aos ditos respeitos o seguinte.

I. Mando, que as razões de decidir dos referidos dois textos dos

Capítulos Statutum XVI. E cum Secundum XIX. de Hæreticis in Sexto,.entre si concordados na sobredita forma, o universal sentimento, e

praxe da Igreja com eles em tudo conforme, e o Parágrafo Terceiro

da Minha referida Lei de vinte e cinco de Maio do ano próximo

passado, constituam Perpetuas, e Impreteríveis Regras, para nunca

já mais se questionar, e muito menos decidir em juízo, ou fora dele,

que os arrependidos, e verdadeiros confidentes, que a Igreja recebe

no seu benigno grémio, depois de cumprirem, ou se fazerem

prontos a cumprir as saudáveis penitências, que lhes forem

impostas, devem ficar, nem ainda nas suas mesmas Pessoas, e muito

menos nas dos seus descendentes; ou maculados com as notas de

infâmia, e inabilidade de facto, ou de Direito; ou devem ficar

incursos na outra pena de perderem os seus bens para o Meu Fisco,

e a Câmara Real, tendo só lugar estas duas penas contra os

Impenitentes, que forem condenados à morte, e ao fogo, na

conformidade de Ordenações do Livro Quinto no Título Primeiro, e

do Parágrafo Terceiro da Minha dita Lei de vinte e cinco de Maio do

ano próximo precedente.

II. Item: Mando, que todas as Pessoas, de qualquer estado, ou condição

que sejam, que disputarem, ou alegarem contra o referido particular,

ou Judicialmente, incorram nas penas do perdimento dos seus bens;

metade para meu Fisco, e Câmara Real, e a outra metade a benefício

dos que os delatarem, provando legalmente os factos das denúncias,

com que se presentarem. Sendo porém Juízes, além de ficarem as

suas Sentenças reduzidas aos termos da Ordenação do Livro

Terceiro, Título Setenta e cinco, como proferidas contra direito

expresso; e de não poderem, como nenhumas, produzir algum

efeito, ou prestar algum impedimento; ficarão os que as proferirem

provados de todos os cargos, que de Mim tiverem; e ficarão

inabilitados para entrar em outros; além das mais penas, que

reservo ao Meu Real Arbítrio em quaisquer casos extraordinários,

que façam necessárias maiores Providencias.

E esta se cumprirá tão inteiramente, como nela se contém. Se, dúvida, ou

embargo algum, qualquer que ele seja. Para o que Mando à Mesa do

Desembargo do Paço; Conselho Geral do Santo Ofício; Mesa da Consciência, e Ordens; Regedor da Casa da Suplicação; Junta da Inconfidência; Conselhos de Minha Real Fazenda, e dos Meus Domínios Ultramarinos; Governador da Relação, e Casa do Porto; Presidente do Senado da Câmara; Governadores das Armas; Capitães Generais; Desembargadores; Corregedores; Ouvidores; Juízes; Magistrados Civis, e Criminais deste Reino, e seus Domínios, a quem, e aos quais o conhecimento desta em quaisquer casos pertencer, que a cumpram,

guardem, e façam inteira, e literalmente cumprir, e guardar, como nela se

contém sem hesitações, ou interpretações, ou interpretações, que alterem as Disposições dela; não obstantes os obreptícios, subreptícios, nulos, e ilusórios Alvarás de seis de Fevereiro de mil seiscentos e quarenta e nove, e dois de Fevereiro de mil seiscentos e cinquenta e sete, notoriamente extorquidos naqueles escuros, e escabrosos tempos, com manifestos, e intoleráveis erros de.facto, e de Direito; e não obstantes outro fim quaisquer opiniões de Doutores, estilos, ou práticas, que em contrário tenha havido; porque todos, e todas, de Meu Motu Próprio, Certa Ciência, Poder Real, Pleno, e Supremo, Derrogo, e Hei por derrogados como se deles fizesse especial menção em todas as suas partes, sem embargo da Ordenação, que o contrário determina, a qual também derrogo para este efeito somente ficando aliás sempre em seu vigor. E ao Doutor João Pacheco Pereira, Desembargador do Paço, do Meu Conselho, que serve de Chanceler Mor destes Reinos, Mando, que a faça publicar na Chancelaria, e que  dela se remetam cópias a tos os Tribunais, Cabeças e Comarcas, e Vilas destes  Reinos, e seus Domínios; registando-se em todos os Lugares, onde se costumam registar semelhantes Leis; e mandando-se o Original dela para o Meu Real

Arquivo da Torre do Tombo. Dada na Cidade de Lisboa aos quinze de

Dezembro do ano do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil

setecentos setenta e quatro. El Rei.

in Cartas e outras obras relativas do Marquês de Pombal,

T. IV, Lisboa, Tip. J. E. J. C. Sanches, 1849