Iclas - Instituto de Culturas Lusófonas
Antonio Borges Sampaio


05-08-2009

Uma biografia exemplar de Óscar Ribas


Foi uma das figuras mais brilhantes da intelectualidade angolana do século XX. A fotobiografia de Gabriel Baguet Jr. faz-lhe devidamente jus pela documentação exaustiva sobre a sua vida e obra.

Rodrigues Vaz, revista África 21

Lisboa - Óscar Ribas. A Memória com a Escrita, assim se intitula o livro agora saído a lume, que conta com uma excelente apresentação gráfica de Pedro Simões, igualmente o autor da sugestiva capa, faz reviver a memória do autor de Ecos da minha terra, um dos seus livros mais emblemáticos, de uma forma saudosa mas, ao mesmo tempo, muito objectiva, deixando a impressão de que, realmente, Óscar Ribas (1909-2004) continua entre nós, pelo que não deve ser chorado, mas sim cada vez mais lembrado.

Ainda bem, portanto, que (...) nopróximo dia 17, por ocasião dos cem anos do seu nascimento, vai ser reaberta a Casa-Museu Óscar Ribas, em Luanda, com uma exposição do acervo do escritor, conforme foi anunciado pela directora da instituição, Maria Fernanda de Almeida.

A exposição tem como propósito fundamental divulgar e manter viva a figura de Óscar Ribas, bem como o seu acervo cultural e pessoal doado à instituição.

A fotobiografia conta com ilustrações da pintora angolana Manuela Alegre, do escultor e do pintor angolano José João Oliveira e dos arquitectos Susana Fialho e Pedro Partidário. E inclui fotografias cedidas pela família, pela fotógrafa moçambicana Ruth Matchabe e pelo próprio autor.

Nascido em Luanda, Óscar Bento Ribas era filho de Arnaldo Gonçalves Ribas, natural da Guarda (Portugal), e de Maria da Conceição Bento Faria, natural de Luanda. Fez os estudos primários e secundários em Luanda, tendo passado pelo Seminário-Liceu de Luanda. Poucos anos depois da criação do Liceu Salvador Correia de Luanda, viria em dois anos a concluir aí o 5.º ano.

Após uma estada em Portugal onde estudou aritmética comercial, regressa a Angola indo empregar-se na Direcção dos Serviços de Fazenda e Contabilidade.

Residiu sucessivamente nas cidades de Novo Redondo, actual Sumbe, e Benguela, Ndalatando e Bié. Foi em Benguela que, aos 22 anos de idade, se começaram a manifestar os primeiros sinais da doença que, 14 anos depois, o levaria à cegueira definitiva, aos 36 anos de idade.

Considerado como o fundador da ficção literária moderna angolana, após António de Assis Júnior, Óscar Ribas iniciou a sua actividade literária nos tempos de estudante do Liceu. A sua primeira fase de publicações começa com duas novelas: Nuvens que passam, em 1927, e Resgate de uma falta, em 1929. Segue-se a segunda fase com Flores e espinhos (1948), Uanga (1950) e Ecos da minha terra (1952).

Segundo o ensaísta e crítico literário Mário António, «nesta última fase se inicia a prospecção da africanidade na obra de Óscar Ribas» para a qual contribuiu decisivamente «sua Mãe, D. Maria Bento Faria, protótipo das senhoras africanas do outro tempo, mantendo vivas as fontes originais da sua própria sabedoria».

Em toda a produção literária posterior, segundo Luís Kandjimbo, Óscar Ribas demonstra na verdade uma propensão pouco comum entre os escritores da sua geração e mesmo em gerações posteriores. Revela-se profundamente preocupado com os temas da literatura oral, filologia, religião tradicional e filosofia dos povos de língua kimbundu.

Destas preocupações resultam a sua bibliografia dos anos 60, nomeadamente Ilundo–Espíritos e Ritos Angolanos (1958,1975); Missosso 3 volumes (1961,1962,1964); Alimentação regional angolana (1965); Izomba–Associativismo e recreio (1965); Sunguilando– Contos tradicionais angolanos (1967, 1989) Kilandukilu–Contos e instantâneos (1973); Tudo isto aconteceu– Romance autobiográfico (1975); Cultuando as musas–poesia (1992); Dicionário de Regionalismos angolanos.

Conforme assinala no prefácio José Carlos Venâncio, «Óscar Ribas é dos poucos escritores angolanos a ver a sua obra reconhecida pelas instâncias coloniais, sem que da mesma se possa inferir, directa ou indirectamente, qualquer comprometimento político do seu autor».

Escritor e etnógrafo

O seu mundo era a literatura e a pesquisa etnográfica celebrando a palavra e a fala, mas indiscutivelmente a Cultura Angolana acentua, por sua vez, Gabriel Baguet na introdução.

«O escritor e o etnógrafo cruzavam-se num único homem, cuja preocupação central era preservar a memória da identidade para o futuro, mas também a memória de um povo através da vital importância que é a Cultura».

Felizmente que Óscar Ribas cedo intuiu que «o conto angolano, ao invés do que muita gente supõe, não constitui uma produção morta, sem beleza imaginativa. Não. O conto angolano – fábula ou fantasia – representa uma bela concepção de engenho». Por isso, ele explorará até à exaustão a literatura oral angolana – que agora se costuma classificar como oratura – legando-nos todo um acervo etnográfico de grande riqueza informativa, indispensável para a memória futura.

Não será para admirar, portanto, que Joaquim Pinto de Andrade, grande intelectual e líder angolano, quando de uma homenagem feita na Liga Nacional Africana em 3 de Julho de 1954, tenha dito: «A mensagem de Óscar Ribas é, sem dúvida, uma mensagem de coragem e optimismo em face da vida, de esforço aturado, de probidade no trabalho. Mas eu depreendo da sua obra alguma coisa mais, algo de mais profundo, que projecta para além do indivíduo. A mensagem de Óscar Ribas é para mim essencialmente uma mensagem de africanismo, ou para me exprimir mais concretamente com Jean-Paul Sartre, uma mensagem de negritude.»

É interessante notar que isto se passou sete anos antes de os angolanos terem começado a combater pela sua independência. E disse-se porque um homem cego e sábio, de laço e cara triste, já combatia há muito pelo seu país, através da palavra: «Que a nossa voz se faça ouvir e a nossa acção se faça sentir».

Nitidamente, Pinto de Andrade tinha presente a publicação, dois anos antes, do livro Ecos da minha terra, colectânea de dramas angolanos, onde o investigador arquivou, de maneira tão eficaz como erudita, algumas lendas de Angola ainda por contar. E lembrar-se-ia, porventura, além de Uanga, de Ilundo–Divindades e ritos angolanos, onde de novo os méritos anteriores ressaltaram nos desafios da linguagem, na penetração e no mesmo conhecimento activo dos costumes e tradições, ainda no filão do folclore em que era Mestre naquela altura, em Angola.

O livro é enriquecido com um vasto espólio fotográfico de grande valor arqueológico, onde é possível detectar sinais e tendências dos costumes de Luanda da primeira metade do século XX e integra numerosa correspondência com intelectuais de todo o mundo, nomeadamente Brasil, França e Estados Unidos, além de familiares.

É realmente de louvar o trabalho do autor, pela teimosia e perseverança que demonstrou na recolha de tão vasto material e pela forma como o organizou, contribuindo de maneira indelével para a consolidação e o engrandecimento da cultura angolana.

O livro

Óscar Ribas. A Memória com a Escrita
GABRIEL BAGUET JR.
Edição de autor, 2009

JORNALISTA E ENSAISTA

Nascido em Angola, Gabriel Baguet Júnior, 44 anos, trabalhou no Primeiro de Janeiro e Jornal de Notícias, com uma passagem pela RTP Porto. Tem uma pós-graduação em Jornalismo pelo ISCTE e pela ESCL, é autor de vários ensaios, com destaque para Um Olhar e Uma Voz, dedicado à cantora cabo-verdiana Cesária Évora, e publicado em 1999 na Revista de Letras e Cultura Lusófonas do Instituto Camões e de Percursos e Trajectórias de uma História: a Música em Macau na Transição de Poderes, também publicada em 1999, sendo actualmente quadro da RTP.

Foi bolseiro da Fundação Luso-Americana no curso de Jornalismo Televisivo realizado pela Columbia University sob a orientação do Professor David KatelI. Foi co-autor com o jornalista angolano António Silva Santos de vários programas radiofónicos, entre os quais Músicas de África que Não Fala Português e sobre as Independências de alguns Estados africanos.

Artigo publicado na edição de Julho da revista África 21