Iclas - Instituto de Culturas Lusófonas
Antonio Borges Sampaio


14-08-2019

PORQUE É QUE OS ARTISTAS ASIÁTICOS NÃO ESTÃO NOS LIVROS? -  CATARINA PEREIRA


 

14 AUG, 2019

Nasceu em Portugal, mas viveu longos anos em Macau. A investigadora Leonor Veiga ganhou recentemente o prémio da “International Convention of Asian Scholars”, com a dissertação “The Third Avant-garde”, que se centra na obra de artistas asiáticos, incluindo Mio Pang Fei. Depois de anos a interrogar-se por que razão os artistas da Ásia não apareciam nos livros de História da Arte, Leonor Veiga completou um pouco o discurso ao propor a sua inclusão na “vanguarda”.

 

Catarina Pereira

 

“Quando perguntei ao Mio Pang Fei se lhe tinha acontecido alguma coisa durante a Revolução Cultural, respondeu-me que lhe tinham queimado todo o trabalho. Aquela resposta marcou-me imenso”, contou Leonor Veiga em entrevista à TRIBUNA DE MACAU. Uma memória que nunca mais a largou, tinha então 16 anos e vivia em Macau. Hoje, Leonor Veiga investiga a fusão da arte tradicional com a arte contemporânea, na região do Sudeste Asiático. Foi, aliás, a dissertação de doutoramento – “The Third Avant-garde” -, que lhe valeu o 1.º prémio da “International Convention of Asian Scholars”, na categoria de Humanidades.

“Atirou-se” ao Sudeste Asiático pelo facto de ter vivido em Macau e, durante os anos 90, ter tido a curiosidade de visitar inúmeras exposições no território. Mas foi também uma questão que a levou a dedicar-se a este tema, e que surgiu um pouco mais tarde quando estudava na Faculdade de Belas Artes em Lisboa: “Porque é que eu abria um livro de História da Arte e a Tailândia não estava lá, a China não estava lá, o Japão não estava lá, a Índia não estava lá?”.

“Foi uma pergunta que se perpetuou na minha vida. Era tão absurdo! Na faculdade foram cinco anos de História da Arte em que passámos, por exemplo, a saber muito mais sobre o barroco, mas continuámos completamente ignorantes sobre o que é a arte chinesa”, contou.

Apesar de Macau não ser parte do Sudeste Asiático, decidiu incluir o território na sua tese, porque foi aqui que viveu e porque houve sempre “relações muito intensas” com os países da região.

Mais tarde, percebeu que “para os europeus – quem escrevia os livros – estas civilizações eram consideradas mais atrasadas e por isso não mereciam ser incluídas”. Porém, a China tinha uma particularidade: “Era do ponto de vista ocidental, uma outra civilização que nos fascinava pela porcelana Ming, por exemplo”. A partir do momento em que nada disto estava incluído nos livros que estudava, concluiu, “há aqui um problema”. “Queria fazer alguma coisa para mudar esta situação. Faltava muita coisa, sobretudo uma questão fundamental. Porque é que estas pessoas não são consideradas artistas?”, acrescentou Leonor Veiga.

Foi então que começou a perceber que “as coisas estão mal explicadas e tenho uma oportunidade” para mudar isto. A solução que encontrou foi completar a categoria da “vanguarda” da disciplina de História da Arte que tinha estudado toda a vida.

“Como investigadora, arranjei este espaço. Posso falar da arte do ponto de vista da disciplina ocidental; utilizo o meu próprio privilégio de ser europeia para escrever sobre os outros. Não é justo que quando escrevem sobre si próprios ninguém os oiça, mas o mundo ainda funciona assim”, observou.

De entre 200 dissertações da área das Humanidades e Ciências Sociais, a de Leonor Veiga foi a escolhida. Entre os critérios que o ICAS teve em conta, estavam a qualidade e durabilidade do projecto para o mundo académico, o grau de envolvimento do investigador com o projecto, e a novidade.

 

Actividade cultural “muito intensa”

No final dos anos 90, quando era “ainda miúda”, Leonor Veiga conta que “a actividade cultural era muito intensa em Macau. Eu também estava desperta para isso, portanto vi muitas exposições e gostava muito de alguns artistas”.

“Era o chamado Círculo dos Amigos, do qual faziam parte Carlos Marreiros, Vítor Marreiros, Kwok Woon, Mio Pang Fei e Ung Vai Meng”, prosseguiu, sendo que se centrou em Mio Pang Fei, pelo facto de ter “uma história de vida mais rica” e pelas marcas deixadas pelo testemunho deixado na resposta que lhe dera nessa altura.

Por lhe terem queimado todo o trabalho durante a Revolução Cultural, Mio Pang Fei “teve de começar tudo de novo, algumas obras fez de memória, mas perdeu documentos super bonitos”, lembrou. Sabendo que o seu trabalho se focava muito na cultura clássica chinesa, mas exprimindo-se “como um artista completamente actual”, decidiu “estudá-lo como um exemplo de artista que em Macau teve a liberdade para fazer o seu trabalho, uma liberdade que na China não tivera”, prosseguiu.

Mio Pang Fei “tem uma produção muito significativa em Macau e neste momento goza o respeito de toda a China. Para isto contribuiu muito o sucesso que fez em Macau”, frisou.

O fascínio pela obra de Mio Pang Fei, o facto de ser um teórico e a forma como fundiu a arte moderna europeia com a arte tradicional chinesa contribuíram também para que Leonor Veiga se focasse neste artista da sua adolescência.

Estes artistas contemporâneos, continuou, “fazem a arte segundo os livros existentes, porque os livros falam da arte de uma determinada maneira. Mas depois usam e acrescentam particularidades do seu país, etnia, região… e por isso consegui chamar-lhes vanguarda”, explicou, acrescentando que é isso mesmo que propõe este conceito: novas formas de fazer arte.

 

Teoria “pode ser adaptada”

Leonor Veiga considera que a dissertação a que deu forma pode contribuir para que se comece a dar mais atenção a este tema. “Para já, porque esta teoria que lancei pode ser replicada ou adaptada à África ou à América Latina”, explicou, acrescentando que, além disso, “o Sudeste Asiático tem artes tradicionais lindas” resultantes da riqueza material e espiritual de que a região dispõe. Isto, aliado ao facto de muitos destes países terem sido introduzidos nos discursos artísticos ocidentais durante o tempo colonial “permitiu o surgimento da terceira vanguarda”.

“Há vários museus a colecionar o que chamei de terceira vanguarda, nomeadamente Singapura. Se a teoria for aceite, de repente podes passar a ter um discurso museológico sobre as artes tradicionais e a sua importância na arte contemporânea”, explicou, acrescentando que “é o reverso da medalha”, porque a tendência da História da Arte é olhar para as semelhanças com os artistas ocidentais e não para aquilo que é diferente. É isso mesmo que sugere.

 

Hespanha “percebia onde queria chegar”

António Hespanha foi uma das pessoas que acompanhou o trabalho de Leonor Veiga. “Sempre me ouviu e, para minha infelicidade, não soube que recebi o prémio” porque morreu poucos dias antes. “Quero que as pessoas saibam que há investigadores que também olham para o outro lado e ele fez isso com a expansão”, lembrou.

Leonor Veiga disse ainda que sempre ouviu Hespanha com muita atenção, “era uma pessoa tão completa do ponto de vista cultural que me fascinava”, recordou. “Levava-me a sério, percebia onde eu queria chegar”, concluiu.

Além de Macau, também Timor-Leste está presente na dissertação que valeu o prémio a Leonor Veiga. “É um país muito recente, já fiz várias publicações internacionais sobre Timor. É uma nova área de investigação com cerca de 15 anos, e há pouca gente a trabalhar sobre a questão da arte contemporânea timorense”, explicou.

Na sua perspectiva, a proposta que fez “faz muito sentido” para este país, uma vez que esteve ocupado pela Indonésia e “havia uma grande necessidade de, através da arte, exprimir a identidade timorense, de não pertencer à Indonésia”.

Adicionando Timor-Leste, Leonor Veiga saiu “da caixa do Sudeste Asiático”, e abriu outra porta: a da investigação num país que tem também relações com Portugal, embora “não tenha sido essa a maior motivação”.

Olhando para o território depois de cá ter vivido durante muitos anos, Leonor Veiga defende que “a arte só não é mais importante porque há uma cultura muito focada no casino”. Contudo, considera que quem produz arte em Macau “produz arte de grande qualidade”.

 

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'Nasceu em Portugal,mas viveu longos anos em Macau.A investigadora Leonor Veiga ganhou recentemente o prémio da “International Convention of Asian Scholars”, com a dissertação “The Third Avant-garde”, que se centra na obra de artistas asiáticos, incluindo Mio Pang Fei.Depois de anos a interrogar-se por que razão os artistas da Ásia não apareciam nos livros de História da Arte, Leonor Veiga completou um pouco o discurso ao propor a sua inclusão na “vanguarda”.'

Apesar de considerar que no tempo em que o território era administrado por Portugal “a arte contemporânea não era o foco principal das autoridades, havia dinheiro e talento disponível e eu absorvi o que pude”. “Hoje a cidade tem uma reputação diferente; há mais eventos artísticos internacionais” como é o caso da ARTFEM, a Bienal Internacional de Arte no Feminino.

 

 

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“PORQUE É QUE OS ARTISTAS ASIÁTICOS NÃO ESTÃO NOS LIVROS?”   Catarina Pereira  

 

 

 

   
 

“Porque é que os artistas asiáticos não estão nos livros?” valeu um prém...