06-08-2019Mais Vinho Um pouco de História - Francisco G. AmorimMais Vinho Um pouco de História
Muita gente gosta de meter o nariz no vinho, ou na vinha – coisa errada! – conjeturando que esta terá sido introduzida na Europa pelos gregos. Ninguém sabe bem quem primeiro chegou a essa Europa, mas a verdade é que no Médio Oriente como no Egito houve vinho desde tempos muito antigos. E eles deixaram a prova. Produziam, exportavam e chamavam-lhe a “bebida de Horus”. Pelo menos em 2733 a.C.
Olha aqui todo o processo: vindima, fermentação, embalagem e exportação
E em França? Segundo a arqueologia, que tanto nos ensina, há alguns cem milhões de anos, ou perto disso, ainda não havia nem Europa, nem o que estava a aparecer desta, nem tinha ligações com África, já um arbusto que se enrolava e crescia para o alto, sem, como é evidente, classificação botânica na família das ampelidáceas, estava presente naquele solo. Era já a vinha, no seu estado espontâneo, uma vitis, a futura Vitis Vinifera de Lineu. Os homens de Neaderthal não tinham aparecido, nem os de Cro-Magnon, nossos pré-vovozinhos, mas a vinha já lá estava... à sua espera! Quando apareceram... devem ter-se logo metido nos copos! No laboratório de geologia da Sorbonne há um fóssil da “Vitis Sezannensis”, descoberto em 1870 em Sézanne, na região de Champagne.
Fossil da Vitis Sezannensis encontrada numa escavação de mármore
Esta vinha, vestígio anti-diluviano, apresenta um estreito parentesco com a vinha atual. Data do período Eoceno, entre 55 e 35 milhões de anos atrás (!), notável pelo seu desenvolvimento lenhoso, não estaria ainda suficientemente desenvolvida para produzir fruto para a vinificação. (Também não havia muita gente para beber... nem bares). No sítio Paleolítico Terra Amata, perto de Nice, que data de 400.000 anos, há evidências de que os Homo Heidelbergensis colhiam e comiam uvas selvagens. Com isto se quer demonstrar que a origem da vinha, até onde vão hoje os conhecimentos, era europeia, confirmada também pelos fósseis de vinhas, suas folhas e gavinhas, muito bem conservadas em tufos quaternários, na região de Montpellier. Daí que não há porque aceitar ou insistir que a vinha apareceu no médio oriente, mas é sim europeia. Um dia surgiram os tais Neanderthais e seus subsequentes Cro-Magnons e não há razão para deixar de crer que eles um dia descobriram que aquelas frutinhas esquecidas num canto da caverna tinham fermentado, e ficavam com um gostinho agradável e até davam “nova vida à vida”. E vá de espremer uvas e criar recipientes cerâmicos para guardar aquele néctar. Há 10.000 anos havia uma bela adega no sul da Georgia, fronteira com a Arménia. Há pouco desenterrada. O pior foi quando aquela bebidinha gostosa azedou. E lá vão os trogloditas à procura de algo que impedisse aquela maravilha de se estragar. Segundo consta, um deles, mais esperto, certamente, decidiu juntar-lhe resina de pinheiro e a bebida aguentou-se mais tempo. Lá pelo Médio Oriente, onde Alá ainda não tinha ditado ordens, os bebedores deliciavam-se também com esta bebida, encontraram outro conservante, ainda hoje fonte de sobrevivência de alguns povos de algumas partes desertas das arábias: deitaram mão a uma outra resina, a goma adragante, exsudada pelasAstragalus gummifer Labillardière e Astragalus Microcephalus Willd. Nomezinho complicado, mas resina muito boa. Também se usou – ou usa ainda? – a goma arábica, constituída principalmente por arabina, mistura complexa de sais de cálcio, magnésio e potássio do ácido arábico. Este ácido é um polissacarídeo que produz L-arabinose, D-galactose, ácido D-glucorônico e L-ramnose. Você, leitor, quer um copo disto? Só para dizer já é difícil! Também se usou e talvez use ainda o ácido málico e muitos outros. Ainda hoje essa goma é utilizada em vinhos que bebemos todos os dias e em outros que são só bebidos pelos milionários, os de champagne! Há quem suspeite que até ácido málico é utilizado, mas como a sua principal fonte será a maçã... fica bem disfarçado. Deve ficar uma espécie de cidra vinicolada! Um amigo meu, sobre quem vou ainda escrever, teve um restaurante em Lourenço Marques. O vinho que lá servia, o vinho da casa, era bastante aceitável, e barato. Quando lhe perguntei que vinho era, ele, em segredo me afirmou, ao pé da orelha, que era feito por ele mesmo, ali nas margens do Índico, na cave do seu restaurante, e nem uma uva entrava da sua composição!!! Fiquei de olho arregalado e pedi-lhe a fórmula. Depois ma daria.Infelizmente nunca mais falámos nisso e perdi, com certeza uma grande lição de pseudo-enologia e de química. Voltando à história, muitos séculos e milénios se passaram desde os fosseis das pré-vinhas encontradas, até ao seu cultivo, que só aparece, em antigo documento egípcio que indica a sua cultura o que não significa que ela seja dali oriunda. Se foram ou não os gregos e romanos os primeiros a dedicarem-se à sua cultura, a selecionar variedades, e instituir técnicas, foram eles quem transmitiram essa maravilha através do Mediterrâneo, não esquecendo que a vinha era já cuidada em tempos neolíticos. Segundo o que a arqueologia tem descoberto no fundo desse mar, e até em diversos outros sítios, é fácil acreditar que o vinho era a principal mercadoria que viajava pelos mares europeus. Os egípcios há muito tinham abandonado a cultura, e foram os gregos e suas colônias que o tornaram mais conhecidos, e grande fonte de riqueza. Em Massilia, hoje Marselha, era maior a quantidade de vinho exportado do que o importado da Grécia. Estes como viajavam e demoravam para serem bebidos eram conservados com conservantes incríveis que hoje custa a aceitar: cinzas de pinheiro misturadas com resina, argila e até gesso. Os vinhos produzidos no sul da Gália, hoje França, não necessitavam de conservantes, mas como eram vinhos espessos, fortes de álcool levavam uma boa mistura simplesmente de água. Apesar dos romanos serem já bons vinicultores, não só na Itália como na Sicília, também se sabe que o vinho da região hoje conhecida como Alentejo, em Portugal era muito cobiçado por Roma. Ainda hoje e não só por romanos! O vinho chegou a ser proibido na Gália. Os homens bebiam de tal modo que iam completamente bêbedos para as batalhas! Somente no ano 273 um édito romano autorizou a cultura da vinha em qualquer lugar. Quem diria que Paris, Lutèce, estaria rodeada de vinhas e que, por exemplo em Montmartre se produzia um magnífico “gran cru”! Graças aos celtiberos peninsulares que pacientemente foram melhorando as cepas indígenas, os Bituriges Visbisci plantaram a variedade “biturica”, que deu origem aos cabernets, e desenvolveu a cultura da vinha na região de Bordeaux. Mais tarde Lyon torna-se a capital do vinhos dos francos. Quem diria, há milhares de anos, que destas coisinhas lindas ia sair um néctar melhor do que hidromel? E que até faz bem às coronárias?
A vinha foi-se assim espalhando e se instalou em toda a Europa, e todo mundo. Até a Grã Bretanha tem já vinhos de qualidade. Há muitos anos. Graças a cientistas como eu, que não dispenso o meu copo às refeições. E com uma vantagem: acabaram os vinhos fracos, ruins, de baixa qualidade. Quem quiser vender tem que ter qualidade, o que nos leva a poder comprar, quase de olhos fechados uma garrafa de vinho, de baixo custo, e qualidade bem aceitável. Que tal um copo de Biturica Saint Emilion ???
03/08/2019
Mais Vinho Um pouco de História
Muita gente gosta de meter o nariz no vinho, ou na vinha – coisa errada! – conjeturando que esta terá sido introduzida na Europa pelos gregos. Ninguém sabe bem quem primeiro chegou a essa Europa, mas a verdade é que no Médio Oriente como no Egito houve vinho desde tempos muito antigos. E eles deixaram a prova. Produziam, exportavam e chamavam-lhe a “bebida de Horus”. Pelo menos em 2733 a.C.
Olha aqui todo o processo: vindima, fermentação, embalagem e exportação
E em França? Segundo a arqueologia, que tanto nos ensina, há alguns cem milhões de anos, ou perto disso, ainda não havia nem Europa, nem o que estava a aparecer desta, nem tinha ligações com África, já um arbusto que se enrolava e crescia para o alto, sem, como é evidente, classificação botânica na família das ampelidáceas, estava presente naquele solo. Era já a vinha, no seu estado espontâneo, uma vitis, a futura Vitis Vinifera de Lineu. Os homens de Neaderthal não tinham aparecido, nem os de Cro-Magnon, nossos pré-vovozinhos, mas a vinha já lá estava... à sua espera! Quando apareceram... devem ter-se logo metido nos copos! No laboratório de geologia da Sorbonne há um fóssil da “Vitis Sezannensis”, descoberto em 1870 em Sézanne, na região de Champagne.
Fossil da Vitis Sezannensis encontrada numa escavação de mármore
Esta vinha, vestígio anti-diluviano, apresenta um estreito parentesco com a vinha atual. Data do período Eoceno, entre 55 e 35 milhões de anos atrás (!), notável pelo seu desenvolvimento lenhoso, não estaria ainda suficientemente desenvolvida para produzir fruto para a vinificação. (Também não havia muita gente para beber... nem bares). No sítio Paleolítico Terra Amata, perto de Nice, que data de 400.000 anos, há evidências de que os Homo Heidelbergensis colhiam e comiam uvas selvagens. Com isto se quer demonstrar que a origem da vinha, até onde vão hoje os conhecimentos, era europeia, confirmada também pelos fósseis de vinhas, suas folhas e gavinhas, muito bem conservadas em tufos quaternários, na região de Montpellier. Daí que não há porque aceitar ou insistir que a vinha apareceu no médio oriente, mas é sim europeia. Um dia surgiram os tais Neanderthais e seus subsequentes Cro-Magnons e não há razão para deixar de crer que eles um dia descobriram que aquelas frutinhas esquecidas num canto da caverna tinham fermentado, e ficavam com um gostinho agradável e até davam “nova vida à vida”. E vá de espremer uvas e criar recipientes cerâmicos para guardar aquele néctar. Há 10.000 anos havia uma bela adega no sul da Georgia, fronteira com a Arménia. Há pouco desenterrada. O pior foi quando aquela bebidinha gostosa azedou. E lá vão os trogloditas à procura de algo que impedisse aquela maravilha de se estragar. Segundo consta, um deles, mais esperto, certamente, decidiu juntar-lhe resina de pinheiro e a bebida aguentou-se mais tempo. Lá pelo Médio Oriente, onde Alá ainda não tinha ditado ordens, os bebedores deliciavam-se também com esta bebida, encontraram outro conservante, ainda hoje fonte de sobrevivência de alguns povos de algumas partes desertas das arábias: deitaram mão a uma outra resina, a goma adragante, exsudada pelasAstragalus gummifer Labillardière e Astragalus Microcephalus Willd. Nomezinho complicado, mas resina muito boa. Também se usou – ou usa ainda? – a goma arábica, constituída principalmente por arabina, mistura complexa de sais de cálcio, magnésio e potássio do ácido arábico. Este ácido é um polissacarídeo que produz L-arabinose, D-galactose, ácido D-glucorônico e L-ramnose. Você, leitor, quer um copo disto? Só para dizer já é difícil! Também se usou e talvez use ainda o ácido málico e muitos outros. Ainda hoje essa goma é utilizada em vinhos que bebemos todos os dias e em outros que são só bebidos pelos milionários, os de champagne! Há quem suspeite que até ácido málico é utilizado, mas como a sua principal fonte será a maçã... fica bem disfarçado. Deve ficar uma espécie de cidra vinicolada! Um amigo meu, sobre quem vou ainda escrever, teve um restaurante em Lourenço Marques. O vinho que lá servia, o vinho da casa, era bastante aceitável, e barato. Quando lhe perguntei que vinho era, ele, em segredo me afirmou, ao pé da orelha, que era feito por ele mesmo, ali nas margens do Índico, na cave do seu restaurante, e nem uma uva entrava da sua composição!!! Fiquei de olho arregalado e pedi-lhe a fórmula. Depois ma daria.Infelizmente nunca mais falámos nisso e perdi, com certeza uma grande lição de pseudo-enologia e de química. Voltando à história, muitos séculos e milénios se passaram desde os fosseis das pré-vinhas encontradas, até ao seu cultivo, que só aparece, em antigo documento egípcio que indica a sua cultura o que não significa que ela seja dali oriunda. Se foram ou não os gregos e romanos os primeiros a dedicarem-se à sua cultura, a selecionar variedades, e instituir técnicas, foram eles quem transmitiram essa maravilha através do Mediterrâneo, não esquecendo que a vinha era já cuidada em tempos neolíticos. Segundo o que a arqueologia tem descoberto no fundo desse mar, e até em diversos outros sítios, é fácil acreditar que o vinho era a principal mercadoria que viajava pelos mares europeus. Os egípcios há muito tinham abandonado a cultura, e foram os gregos e suas colônias que o tornaram mais conhecidos, e grande fonte de riqueza. Em Massilia, hoje Marselha, era maior a quantidade de vinho exportado do que o importado da Grécia. Estes como viajavam e demoravam para serem bebidos eram conservados com conservantes incríveis que hoje custa a aceitar: cinzas de pinheiro misturadas com resina, argila e até gesso. Os vinhos produzidos no sul da Gália, hoje França, não necessitavam de conservantes, mas como eram vinhos espessos, fortes de álcool levavam uma boa mistura simplesmente de água. Apesar dos romanos serem já bons vinicultores, não só na Itália como na Sicília, também se sabe que o vinho da região hoje conhecida como Alentejo, em Portugal era muito cobiçado por Roma. Ainda hoje e não só por romanos! O vinho chegou a ser proibido na Gália. Os homens bebiam de tal modo que iam completamente bêbedos para as batalhas! Somente no ano 273 um édito romano autorizou a cultura da vinha em qualquer lugar. Quem diria que Paris, Lutèce, estaria rodeada de vinhas e que, por exemplo em Montmartre se produzia um magnífico “gran cru”! Graças aos celtiberos peninsulares que pacientemente foram melhorando as cepas indígenas, os Bituriges Visbisci plantaram a variedade “biturica”, que deu origem aos cabernets, e desenvolveu a cultura da vinha na região de Bordeaux. Mais tarde Lyon torna-se a capital do vinhos dos francos. Quem diria, há milhares de anos, que destas coisinhas lindas ia sair um néctar melhor do que hidromel? E que até faz bem às coronárias?
A vinha foi-se assim espalhando e se instalou em toda a Europa, e todo mundo. Até a Grã Bretanha tem já vinhos de qualidade. Há muitos anos. Graças a cientistas como eu, que não dispenso o meu copo às refeições. E com uma vantagem: acabaram os vinhos fracos, ruins, de baixa qualidade. Quem quiser vender tem que ter qualidade, o que nos leva a poder comprar, quase de olhos fechados uma garrafa de vinho, de baixo custo, e qualidade bem aceitável. Que tal um copo de Biturica Saint Emilion ???
03/08/2019 Francisco G. Amorim
http://fgamorim.blogspot.com/2019/08/maisvinho-umpouco-de-historia.html#links
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