Iclas - Instituto de Culturas Lusófonas
Antonio Borges Sampaio


15-04-2018

Coche de D. João VI no Brasil , está em Lisboa. Voltou junto com o rei


 

 

D. João VI e Carlota Joaquina, às avessas na vida, harmoniosos nesta pintura

 

 

Diretor do Museu Histórico Nacional, no Rio de Janeiro, Paulo Knauss de Mendonça esteve em Lisboa para combinar o empréstimo de retratos de D. João VI para uma grande exposição dedicada aos 200 anos da sua aclamação como rei, que aconteceu sobre o Brasil em 1818. O historiador considera o monarca fundamental para que até hoje o Brasil seja um grande país.

Está em Lisboa como diretor do Museu Histórico Nacional a preparar uma grande exposição sobre os 200 anos da aclamação de D.. João VI no Rio de Janeiro. O que tem estado a pedir aos museus portugueses?

Estamos preparando uma exposição para celebrar a memória de João VI no Brasil, apresentando o conjunto de retratos

do rei. A exposição vai chamar-se O Retrato do Rei D. João VI e pretende reunir o maior número de retratos de D. João, talvez mais de 40. D. João VI tem uma relação muito particular com o mundo dos retratos porque não só ele esteve no poder muito tempo, mas foi uma época em que devido às condições políticas fez que ele caracterizasse o seu governo com uma multiplicidade de programas artísticos. Primeiro em torno do Palácio da Ajuda, aqui em Portugal, depois um programa cultural que ele tenta de-senvolver no Brasil quando chega, e por fim o programa artístico que vai ser desenvolvido depois do retorno para Portugal.

Há quadros em Portugal essenciais para essa exposição?

Há vários quadros que estamos pedindo, também para apresentar num primeiro momento a biografia dele, retratos dele criança, jovem, regente, rei e já depois do período das cortes, aqui de volta, assim como quadros que sejam capazes de representar a história política do reinado, que se verifica sobretudo no caso dos retratos com combinação de insígnias que ele carrega no peito. E depois também há a dimensão artística dos retratos, não só a questão do artista com as suas variantes, o rei equestre, pedestre, em trajes militares, etc., mas também o facto de D. João VI ter sido pintado por artistas de escolas muito distintas.

Paulo Knauss de Mendonça

Em que instituições portuguesas é que estão esses quadros?

No Museu de Arte Antiga, no Museu dos Coches, no Palácio da Ajuda, no Palácio de Queluz, também em Mafra. E no Brasil também estamos a recolher retratos que estão em diferentes instituições. Claro que no Museu Histórico Nacional temos alguns retratos emblemáticos como o do casal real de mãos entrelaçadas, Carlota Joaquina e D. João, que é uma representação raríssima. Mas além disso exibiremos retratos que estão em coleções particulares e em outros museus como o Imperial de Petrópolis, o Museu Nacional de Belas Artes, o Museu de Arte de São Paulo, o Museu Paranaense. Tam-bém estarão lá retratos que pertencem à Embaixada de Portugal.

Haverá um retrato surpreendente?

A grande surpresa da exposição vai ser uma tela esquecida de D. João que encontrámos e a exposição vai terminar justamente num ateliê aberto em que essa tela vai estar a ser restaurada. É uma tela de grande formato, e que na verdade é a cópia de uma outra de um pintor italiano feita no início do século XIX em Portugal e que foi para o Brasil com o conde da Barca que encomendou a cópia. A grande diferença é que é um retrato de D. João com as plantas do Palácio da Ajuda e uma estátua de Minerva e ao lado uma janela, e na tela original vê-se um ângulo da Praça do Comércio, com a estátua de D. José, e na cópia brasileira, no lugar da paisagem lisboeta está a paisagem carioca com a Baía do Guanabara com o Pão de Açúcar, que por coincidência era a vista do palacete do conde da Barca. O extraordinário desta história é que essa tela foi feita por um artista brasileiro pardo, que terminou sendo envolvido na revolução de 1817 de Pernambuco como pintor dos revolucionários e se salvou porque se agarrou a um retrato de D. João VI que tinha feito e quando chegou o governador enviado pelo rei ele mostrou que era só um pintor, não era um revolucionário, que do mesmo modo que tinha pintado cenários revolucionários também tinha pintado o rei e com isso obteve clemência. Não conhecemos mais da história do autor a não ser por uma tela de 1820 que está em Portugal, no Palácio da Brejoeira .

D. João VI foi extraordinário, não tivesse sido ele e a mãe, D. Maria I, os primeiros monarcas a cruzar o Atlântico. É por isso que figura num quadro com uma paisagem lisboeta e noutro com uma carioca. Como historiador, que síntese faz do rei?

A primeira observação fundamental é o facto de que D. João e o seu governo atravessou épocas muito distintas. É um rei que se aclamou na América, o que já é uma originalidade absoluta mas que também passou incólume em certa medida pelo contexto napoleónico. E, como gosto de ressaltar, não é só um rei que conseguiu dar a volta a Napoleão com a migração da corte para o Rio de Janeiro mas também foi capaz de derrotar Napoleão em duas frentes militares: na Guiana Francesa e na Banda Oriental, o atual Uruguai. Isso numa geografia gigante, porque uma guerra foi feita na Amazónia e outra na região do Prata. São vitórias extraordinárias e que ressaltam a capacidade militar que D. João conseguiu implementar na sua temporada brasileira.

Banda Oriental que era parte de uma Espanha que tinha então um irmão de Napoleão como rei...

Certo.

A presença de D. João 13 anos no Brasil e o facto de o filho, D. Pedro, crescer lá e proclamar a independência sob a forma de império é decisiva para aquilo que o Brasil é hoje: um país unido, que não se fragmentou como a América espanhola?

Não há dúvida. D. João para o Brasil representa o processo de centralização da metrópole. Não só ocorre a migração da corte mas de todo o aparato administrativo colonial, que passa a ser centralizado no Rio, e isso fez que as colónias se reunissem todas no Rio de Janeiro e confirmou uma unidade não geográfica mas política e administrativa no Brasil, que até então não existia porque todas as capitanias reportavam diretamente a Lisboa e a partir da migração da corte é que ocorre a centralização do regime administrativo das terras brasileiras. A unidade territorial que configura a unidade política do Brasil enquanto Estado nacional emerge do governo de D. João VI. Talvez aí a grande questão que se tenha colocado para a afirmação da autoridade de D. João é que as cortes portuguesas não migraram juntas, e foi aí que o reinado enfrentou o seu dilema principal e que terminou conduzindo-o a retornar a Portugal.

No seu museu há um coche mas não é de D. João. É de quem?

É de D. José, o irmão mais velho de D. João. É um coche com uma história inusitada porque foi comprado como carruagem funerária e ao chegar ao museu descobriu-se que tinha uma pintura por baixo e pôde identificar-se que era de D. José, o príncipe que possivelmente se teria tornado rei antes de D. João e que o destino fez que morresse cedo.

O coche que D. João usava no Brasil...

Está aqui no Museu dos Coches, voltou do Brasil junto com o rei.

Este Museu dos Coches em Lisboa é mesmo único no mundo?

Com certeza! A coleção é espetacular e é um exemplo de que a aproximação do Brasil a Portugal continua a ter nos nossos dias a possibilidade de representar uma solução positiva, porque afinal de contas é a coleção de coches mais linda do mundo e que ganhou como sede o edifício de um arquiteto brasileiro premiado internacionalmente.

Historiador - ″Coche de D. João no Brasil está em Lisboa. Voltou junto com o rei″

 

   
 

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