28-05-2019A vida dos negros na Alemanha nazistaDamian ZaneBBC News Direito de imagemBIBLIOTECA DO CONGRESSO AMERICANOImage captionFoi a partir de uma fotografia que a cineasta britânica se interessou em contar a história dos negros na Alemanha A cineasta britânica-ganense Amma Asante se deparou, por acaso, com uma fotografia antiga, tirada na Alemanha nazista, de uma garota negra vestindo uniforme escolar. Diferentemente das colegas brancas que encaram a câmera, ela desvia o olhar. A foto despertou a curiosidade de Asante, que quis saber mais sobre a garota. A imagem a levou a escrever e dirigir o longa Where Hands Touch (Onde Mãos Tocam, em tradução livre), estrelado por Amandla Stenberg (Mentes Sombrias) e George MacKay (Capitão Fantástico), que está chegando aos cinemas na Europa. O filme é um relato imaginário do relacionamento secreto de uma adolescente mestiça com um membro da Juventude Hitlerista, mas é baseado em registros históricos.
Durante o regime nazista, de 1933 a 1945, o número de alemães com origem africana vivendo no país chegou à casa dos milhares. Ao longo do tempo, eles foram proibidos de se relacionar com pessoas brancas e impedidos de ter acesso a educação e a alguns tipos de trabalho. Alguns chegaram a ser esterilizados; outros foram levados a campos de concentração. 'Descrença e desconsideração'A história desses alemães negros ou mestiços ainda é pouco conhecida. Asante levou quase 12 anos trabalhando no filme. "Há uma espécie de descrença, de desconfiança e questionamento, uma tendência a dar pouca importância às vidas difíceis que essas pessoas levaram", disse ela à BBC, ao comentar a reação que observou de algumas pessoas quando falava sobre sua pesquisa para o filme. Direito de imagemSPIRIT ENTERTAINMENTImage captionA atriz Amandla Stenberg interpreta Leyna no filme 'Where Hands Touch' A comunidade africana-alemã tem suas origens no curto período do Império Colonial Alemão que, entre 1883 e 1919, administrou territórios em diferentes continentes. Marinheiros, funcionários, estudantes ou pessoas do mundo do entretenimento de regiões que hoje constituem países como Camarões, Togo, Tanzânia, Ruanda, Burundi e Namíbia foram parar na Alemanha. Quando a Primeira Guerra Mundial começou em 1914, essa população que antes era transitória se assentou na Alemanha, segundo o historiador Robbie Aitken. E alguns soldados africanos que lutaram pela Alemanha na guerra também se instalaram no país europeu. Mas foi um segundo grupo cuja presença acabou alimentando o temor dos nazistas relacionado à miscigenação. Como parte do tratado assinado depois da derrota da Alemanha na Primeira Guerra Mundial, as tropas francesas ocuparam a Renânia, no oeste da Alemanha. Para policiar essa área, a França usou pelo menos 20 mil soldados do seu império na África, principalmente do norte e oeste do continente africano. Alguns deles acabaram tendo relacionamentos com mulheres alemãs. Caricaturas racistasO termo pejorativo "bastardos da Renânia" foi cunhado na década de 1920 para se referir às cerca de 800 crianças mestiças, filhas de alemãs com os soldados de origem africana. O termo estava diretamente ligado ao temor que muitos tinham da miscigenação, de por em risco a "pureza" da raça alemã. Histórias inventadas e caricaturas racistas de soldados africanos como predadores sexuais circulavam na época, alimentando o medo e o ódio ao "estranho". Direito de imagemROBBIE AITKENImage captionManchete do jornal Frankfurter Volksblatt em 1936: "600 bastardos" Enquanto o antissemitismo ocupava um lugar de destaque no coração da ideologia nazista, o livro Mein Kampf, ou "Minha Luta", do líder do Partido Nazista Adolf Hitler, trazia uma linha ligando judeus a negros. "Foram e são os judeus que estão trazendo os negros à Renânia sempre com os mesmos pensamentos secretos e objetivo claro de arruinar a odiada raça branca pela resultante 'bastardização'", escreveu Hitler na obra publicada em 1925 com suas ideias e crenças. Uma vez no poder, a obsessão nazista com os judeus e a purificação da raça levou, gradualmente, ao Holocausto e ao extermínio de seis milhões de judeus durante a Segunda Guerra Mundial, além do extermínio de ciganos, de pessoas com deficiências e de algumas etnias eslavas. O historiador Robbie Aitken, que pesquisa a vida dos alemães negros, diz que esse grupo também foi perseguido, ainda que não da mesma forma sistemática dedicada à perseguição de judeus, por exemplo. Aitken diz que os negros acabaram sendo assimilados pela "radicalização da política racial" dos nazistas. 'Me senti meio-humano'Em 1935, foram aprovadas as Leis de Nuremberg (legislação antissemita promulgada pelo regime nazista) que proibiam, por exemplo, casamento entre alemães e judeus. Emendas estenderam a proibição, colocando negros e ciganos na mesma categoria dos judeus. O medo da miscigenação persistiu e, em 1937, crianças mestiças da Renânia foram submetidas à esterilização forçada.
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