25-05-2019A NOVA BANALIDADE DO MAL por Viriato Soromenho MarquesA NOVA BANALIDADE DO MAL por Viriato Soromenho Marques [biografia https://viriatosoromenho-marques.com/portal/biografia/] in DN
«Por convite do Instituto Camões e com o apoio direto do embaixador de Portugal na Suécia, tive o privilégio de falar na Universidade de Estocolmo sobre o significado filosófico da ação cívica da jovem Greta Thunberg.
Um dos aspetos que mais suscitaram o debate num auditório misto, de estudantes suecos de língua portuguesa e de membros da comunidade portuguesa em Estocolmo, é aquele que trago a este artigo. Como foi possível ter deixado acumular as causas da crise ambiental e climática a ponto de ninguém poder assegurar se estaremos em condições de vencer a gigantesca crise ontológica e existencial que temos pela frente? A pergunta prévia à anterior passa por saber desde quando temos informação robusta sobre a veracidade da existência de um rápido processo de alterações climáticas antropogénicas (causadas pela ação humana). Nos últimos anos temos tido acesso a informação relevante que nos permite dar uma resposta cabal a esta pergunta. Sobretudo, um longo artigo publicado em agosto passado no The New York Times Magazine, por Nathaniel Rich, e informação documental recente divulgada por Kyla Mandel, a partir de uma investigação da Inside Climate News, permitem apontar o ano de 1982 como a data exata em que, com o que já se sabia, poderíamos ter começado a combater as alterações climáticas. Nesse ano, o responsável do departamento de ambiente da gigante petrolífera norte-americana Exxon, M. B. Glaser, divulgava, em circuito interno, um relatório de 40 páginas sobre o dióxido de carbono e o efeito estufa. A leitura desse estudo leva-nos a conclusões surpreendentes: 1.ª A Exxon tinha, na altura, muito mais informação do que qualquer universidade do mundo sobre o efeito estufa, que era estudado pelos cientistas da empresa há décadas. 2.ª Os modelos e as respetivas projeções surpreendem pelo rigor: em 1982 antecipava-se que em 2020 a concentração de CO2 estaria no intervalo entre as 400 e as 420 ppmv (em 2019 a concentração já atingiu 415 ppmv!). 3.ª Quando a Exxon, ainda nessa década de 1980, muda de orientação e começa a financiar empresas de comunicação e mercenários científicos para semear a confusão e as mentiras "negacionistas", não o fez por ignorância, mas por conhecimento. A empresa sabia que as medidas políticas iriam começar a ser inevitáveis, e tudo fez (e faz) para as contrariar ou retardar. A banalidade do mal, identificada por Hannah Arendt no julgamento de Eichmann (1961), repete-se exatamente neste outro crime contra a humanidade que consiste em pôr em risco a sobrevivência da civilização para continuar a adorar o "deus dólar" (na expressão de Eça de Queirós). Agentes supostamente racionais revelam uma total incompetência para um juízo moral autónomo (a ética não é etologia animal!). Os maiores crimes cometidos são autoabsolvidos desde que inseridos na cadeia de comando e lealdade de uma organização, seja ela um Estado ou uma multinacional. Não surpreende que quem pense no nosso futuro comum vacile entre uma lucidez que resvala na amargura e uma esperança que pode descair na hipocrisia.» (Viriato Soromenho Marques)
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