23-05-2019António Manuel Couto Viana - Francisco G Amorim“António Manuel Couto Viana”
Toda a vida é curta para a vida. Agostinho da Silva
Como é bom ler livros bem escritos, até sobre personagem de quem nunca tinha ouvido falar, mas que nos deixa uma imensa lição de vida. Um livro de mais de 500 páginas, sobre a longa/curta vida de António Manuel Couto Viana, AMCV, Minhoto de Viana do Castelo, que muito se orgulha deste seu filho, um homem que desde a adolescência se dedicou ao teatro e à poesia, viveu intensamente, publicou mais de quatrocentos títulos, teve uma difícil vida de saúde, a quem, quando com idade já avançada, tiveram que amputar um pé, e poucos anos depois uma perna, sem nunca ter deixado de trabalhar, escrever e manter a mesma serenidade no seu trabalho. O livro tem um sub título “Conversa a Quatro Mãos”, porque nasce de longas entrevistas entre ele e o escritor e amigo Ricardo de Saavedra. Desta leitura fica uma vontade enorme de continuar a ler obras de AMCV.
Para mim que nunca me interessei muito por poesia e raríssimas vezes fui ao teatro (ignorante é assim) o começo do livro, com descrições das peças em que participou como encenador, diretor ou até ator, a enumeração dos atores, não me diziam muita coisa, exceto quando encontrava o nome de alguns que muito bem conheci, como o Raul Solnado, o Álvaro Benamor, o Nicolau Breyner, o Frei Hermano da Câmara, e outros, mas, à medida que ia lendo, saboreando o texto, foi-se afirmando uma profunda admiração por um homem que nunca abdicou do seu amor a Portugal, o seu incansável trabalho feito com paternal dedicação, e por isso “escorraçado” logo nos primeiros dias pós 25 de Abril, tal como aconteceu com o meu também amigo Ruy Alvim. Logo após o 25 de Abril, quando “chegou a liberdade” deixou de haver censura: proibiram todas as suas peças de teatro e não o deixaram mais trabalhar no teatro, na rádio, na televisão, nos jornais onde fosse res publica, tendo até, “os gloriosos capitães”, metido na prisão um outro poeta e dramaturgo por excesso de liberdades! Viva a democracia. Antes disso teve que lidar com a censura do chamado Estado Novo, cujos sensores eram de muito baixo nível cultural, sem sensibilidade para o sentido das palavras. Não tinham categoria mental, nem intelectual. Havia muita estupidez na censura em geral. Muita estupidez. Recomeçou a vida, meses depois, bem devagar, a ter que assinar textos para jornais com outro nome, sem deixar de seguir a sua correta, reta, direita, linha de pensamento, até que foi retomando o seu lugar, mesmo quando alguns “amigos” se tivessem afastado com medo de se re-relacionarem com ele. Tempos de muita destruição dum país! Entretanto a sua obra era mais do que reconhecida, com uma imensa quantidade de peças de teatro, muitas delas com segunda, terceira e até quatro edições, a maioria dedicada à juventude, que ele sabia precisar de mais meios de cultura, e que ele mesmo encenou e dirigiu, encenou e dirigiu outras peças de muitos outros autores de todos os tempos, desde os gregos até do seu grande amigo David Mourão Ferreira, foi convidado para criar e ensinar teatro em Macau, onde ficou três anos. Traduziu, Sófocles, Molière, Calderon de La Barca, Alexandre Dumas, e tantos outros. Filosofou muito com outros (entre eles Monsenhor Moreira das Neves e António Quadros que também conheci), escreveu e poetou sobre gastronomia - escreveu todos os textos sobre as regiões de Portugal, no famoso livro de cozinha de Maria de Lourdes Modesto – e, por exemplo, o livro “A Mesa à Mesa”, premiado por uma tradicional confraria. Escreveu sobre Poetas Minhotos e Poetas do Mundo, obra em 3 volumes, com 3 edições. Os seus ensaios e memórias, a maioria ligada à sua Viana, ao Minho, mostram o seu apego à terra onde nasceu, que tanto amou. Enfim o grande leque cultural, que expõe em publicações de diversos temas, sem nunca ter querido envolver-se na política, sendo um homem da direita (que ninguém sabe o que significa a não ser pela “geografia” da nova assembleia francesa dos “sans culottes”) porque amava a sua pátria, o seu Portugal, tendo até feito um trocadilho com um verso de Pessoa, que disse Em vez de Pátria, quero Rosas, AMCV escreveu um livro de poemas Em vez de Rosas, quero Pátria! Em 1986 escreve o poema “Brado” (in Ponto de Não Regresso)
A nossa pátria jaz em mão fechada e alheia! É dela já o tractor e o chão arado, A moeda, a oficina, o pão da ceia...! Pra não termos futuro, esmagou o passado
Vem com teu ceptro justo, punitivo e clemente! Vem ser manhã na noite sepulcral! Vem expulsar de nós a névoa do presente E acorda Portugal!
Quando, já com a saúde castigada lhe perguntam se para ele o céu existe, responde; “Claro! Pelo menos esforço-me por acreditar que depois das agruras deste mundo, deste quase inferno para onde aos poucos nos atiram, tem que existir algures o paraíso prometido, onde possamos finalmente repousar...” Aos 87 anos lança mais dois novos títulos de poesia, um seu, “Ainda não” e a tradução dum livro do poeta sevilhano Gustavo Adolfo Bécquer. Agrava-se-lhe a saúde e é internado no Hospital. Mesmo se sentindo mal revê provas de trabalhos a serem publicados. Não resiste, e vai ao encontro do lugar onde finalmente descansa. Poeta, ensaísta, ator e encenador teatral deixou uma impressionante e magnífica obra muita ainda inédita. Grande figura das letras e da cultura portuguesa com obras traduzidas para francês, inglês, espanhol e chinês. Membro da Academia de Ciências de Lisboa, recebeu, entre outros, o Prémio de Poesia Luso-Galaica Valle-Inclan, Prémio Antero de Quental, Prémio Nacional de Poesia, Prémio Fundação Oriente, pelo magnífico trabalho poético que fez sobre o Oriente – como No Oriente do Oriente – Prémio Academia de Ciências de Lisboa, e foi condecorado por diversas ordens, entre elas a do Infante Dom Henrique. “Sou quem fui. / Fui quem quis. / Uma voz uma vez, / A ligar-me à raiz.” De um seu “Epitáfio”: “Os versos finais Podem ser, talvez : Morreu entre os poetas imortais O último poeta português.”
Realmente os poetas não morrem.
António Manuel Couto Viana Ricardo de Saavedra
16/05/2019 |