Iclas - Instituto de Culturas Lusófonas
Antonio Borges Sampaio


27-03-2018

Pátria - foi o livro do ano 2017 em Espanha e conta a história de duas famílias que se afastam quando a ETA se mete no caminho. "Violência gera violência", diz Fernando Aramburu ao Observador.


Fernando Aramburu vive na Alemanha há 32 anos, mas enquanto escritor parece nunca ter saído do País Basco, onde nasceu. Foi à distância que, em 2011, soube que a ETA tinha declarado um cessar-fogo definitivo. E foi com essa notícia que arranjou força e razão para escrever “Pátria”, o seu nono romance e de longe o mais aclamado. Com mais de 700 mil exemplares vendidos só em Espanha, vários galardões atribuídos (entre os quais o Prémio Nacional de Narrativa) e edições em 19 países, “Pátria” conta a história de duas famílias amigas que se tornam inimigas quando a ETA se atravessa no seu caminho. De um lado, está Joxe Mari, o jovem que adere à ETA com o apoio da sua mãe, Miren, que anos antes até chorara a morte de Franco. Do outro, está Bittori, a mulher que só aceita morrer depois de saber quem na ETA matou o seu marido — e, mais importante, depois de lhe pedirem perdão.

O autor nascido em San Sebastian conversou com o Observador em Lisboa, a propósito do lançamento de “Pátria” em Portugal, editado pela D. Quixote. Falou dos tempos da sua juventude, de como escapou do apelo sibilante que a ETA tinha sobre alguns jovens e de como cresceu habituado a ver os rasto da destruição deixada pelo terrorismo. “A minha memória está cheia de imagens de cadáveres cobertos com um lençol”, contou, numa entrevista que decorreu enquanto o parlamento da Catalunha se reunia em plenário para aprovar um governo regional independentista. Por isso, também houve tempo para falar daquela crise. “Tenho a impressão que uma grande parte do independentismo catalão não entende ou não quer entender que fora da democracia espera-nos o inferno”, disse.

Quase no fim de “Pátria”, há uma sessão para familiares de vítimas da ETA em que fala um escritor. Sem que o identifique ou descreva, dá muito espaço ao que ele diz. E ele termina dizendo: “Talvez exagere, mas tenho a firme convicção de que também está em marcha a derrota literária da ETA”. O Fernando é aquele escritor?
Sim, sou eu. Eu estive nesse sítio e pronunciei essas palavras. Mas não entro no livro como personagem, embora seja observado pelas personagens — que, já agora, não estavam de acordo com tudo o que eu dizia.

Isso quer dizer que escreveu este livro como instrumento para derrotar literariamente a ETA?
É um contributo para consumar essa derrota literária, que é um conceito que eu coloquei em público. Uma derrota das versões que são favoráveis à história da ETA, que branqueiam o seu passado, que apresentam os seus militantes como heróis e jovens que se sacrificaram pelo seu povo. Para mim, essa versão é falsa e é uma falácia. E ao lado dessas versões é preciso colocar outras que talvez sejam mais convincentes para os leitores do presente e também para os leitores do futuro. Porque, além do mais, seriam versões que desmentiriam o que eu considero que é um engano histórico. Se conseguirmos isto, então a literatura favorável à ETA seria derrotada, porque não deixaria de ser credível. É disso que falo quando falo da derrota literária da ETA. E dos seus cúmplices.

Mas foi para esse fim que escreveu “Pátria”? Para derrotar a ETA na literatura?
Escrevi por muitas razões, entre elas, o desejo de escrever um bom livro, se fosse possível. Mas no meu contributo também está o propósito de contribuir para que a ideologia da ETA, a narração favorável à ETA, não perdure na memória coletiva.

Porque acha que alguma literatura romantizou a ETA? É porque o independentismo é romântico?
Nem todo o independentismo basco esteve a favor da ETA. O que me indigna é o uso da violência, não é o facto de uma pessoa ser independentista. Está no seu direito. Mas é intolerável que haja uma organização fundada para impôr um projeto político assassinando pessoas. Faça quem o fizer. E também condeno que se crie uma narrativa que defende uma organização deste tipo. Por isso, quando falo, falo contra esta violência. E quando escrevo os meus livros mostro as consequências reais e os erros concretos desta violência. Esta é minha postura. Não posso aceitar que, em nome do povo a que eu pertenço, uns senhores ponham bombas e comecem a matar jornalistas, políticos, crianças — foram 24 crianças, no total — é inaceitável.

“Pátria”, de Fernando Aramburu, foi editado em Portugal pela D. Quixote

Já foi independentista?

A independência nunca me interessou, porque nunca achei que fôssemos oprimidos. Isso não é verdade. O nível de vida é muito alto; o nível de auto-governo também é muito alto; as tradições, os costumes, o idioma também não estão em perigo. Para mim, seria negativo se os bascos se isolassem de Espanha e da Europa. Mas isto é uma postura pessoal. Depois, quando chega a hora de votar, voto naqueles que me convencem. Mas isto não tem nada a ver com a violência. Há muitos bascos que não se sentem espanhóis mas que estão contra a violência.

 

Um dos focos do seu livro é a juventude basca e como a ETA era um mundo atrativo para eles, dando a ideia de que podia preencher alguns espaço que a adolescência esvazia. Isto também fez parte da sua juventude?
Eu vi isto desde a adolescência. Agora que penso, lembro-me de nomes de colegas da escola ou de rapazes do meu bairro que entraram na ETA. São quase sempre rapazes. O hábito era: jovens, rapazes e com um nível cultural baixo. Isto não quer dizer que seja sempre assim, mas é o habitual.

Esse é o retrato da personagem Joxe Mari.
Sim. Como o Joxe Mari houve milhares. Isto está perfeitamente demonstrado. Este fenómeno estava no ar e cada um, querendo ou não, teria de se definir quanto a ele. Não havia escapatória. Ou se contribuía ou se ficava para trás. Era impossível não tomar uma posição sobre isto durante a adolescência e a juventude. Este é um mecanismo de ação que é anterior à decisão dos jovens que o aceitam. Isto foi feito por umas mentes inteligentes com toda a propaganda e a pressão estética, a música, uma certa forma de vestir-se, de pentear-se. Isto, nalgumas terras onde a pressão é maior, é um atrativo evidente. Nas cidades, como aquela onde eu cresci, a diversidade é maior. E também os refúgios são maiores.

Dos amigos que disse que entraram na ETA, soube se alguns cometeram atentados?
Alguns, sim. Tinha conhecidos com os quais jogava futebol e de repente a polícia detinha-os. Mas isto era muito habitual. Não é que pusessem um cartaz ao peito a dizer: “Eu sou da ETA.” Era uma atividade clandestina. Muitos trabalhavam e depois, ao fim-de-semana, pegavam numa pistola e iam por aí fora. Isto era muito normal, estava presente na sociedade.

Mas, então, da sua parte, diz que conseguiu refugiar-se de tudo isto.
Sim. Mas eu também estive exposto a isto. Mas felizmente nunca caí. Nunca me pareceu possível melhorar a sociedade fazendo mal aos outros. Isto já eu sabia aos 10 anos.

Gorka, o irmão de Joxe Mari, parece também já saber isso aos 10 anos. Mas, ainda assim, colabora com a ETA por imposição do irmão e sabe que tem de ir à manifestação, de maneira a ser visto lá. Esse não encontrou refúgio.

Efetivamente. As coisas eram assim. Mas Gorka encontrou uma maneira de se escapar a esta pressão através dos livros, da cultura, da criação literária. Então, bom, ele tem a sua ideologia, mas consegue escapar do abismo, do terrorismo e da violência.

 

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