Iclas - Instituto de Culturas Lusófonas
Antonio Borges Sampaio


12-01-2018

Ficar a ver navios - é uma expressão popular da língua portuguesa


"Ficar a ver navios" é uma expressão popular da língua portuguesa com origem como tantas outras na cidade de Lisboa e que se espalhou de norte a sul sendo também usada no Brasil e em alguns países de língua portuguesa. Significa ser enganado, ludibriado, ver as suas expectativas serem frustradas e ficar desiludido.

 

A expressão "ficar a ver navios" surgiu em Portugal e há algumas histórias que podem explicar a sua origem. 

Para alguns autores a expressão "ficar a ver navios" no sentido de ser enganado por alguém, poderá remontar a 1492 quando foi determinado que, os judeus que não se convertessem ao catolicismo teriam de deixar o reino de Espanha até ao fim de julho. Milhares então deslocaram-se para Portugal. O casamento do rei D. Manuel I com D. Isabel de Aragão, filha dos Reis Católicos, fez com que aceitasse a exigência espanhola de expulsar todos os judeus que viviam em Portugal e que não se tornassem católicos, num prazo que ia de janeiro a outubro do ano de 1497. 

O rei D. Manuel precisava dos judeus portugueses, pois representavam toda a classe média e a mão-de-obra, eram também uma grande influência intelectual. Se Portugal os expulsasse como fez a Espanha, o país teria que enfrentar uma grande crise. 

Contudo, D. Manuel não tinha qualquer interesse em expulsar esta comunidade. O rei de Portugal tinha esperança que, retendo os judeus no país, os seus descendentes pudessem talvez vir a ser cristãos, como resultado da influência da cultura católica em Portugal. Para que isso acontecesse, tomou medidas extremamente drásticas, chegando a ordenar que os filhos menores de 14 anos fossem tirados aos pais para que fossem convertidos. Depois fingiu marcar uma data de expulsão na Páscoa. Quando chegou a data do embarque, dos que não aceitaram o catolicismo, ele afirmou que não havia navios suficientes para os levar e ordenou um batismo em massa dos que estavam reunidos em Lisboa esperando o transporte para outros países. No dia marcado, estavam todos os judeus no porto esperando os navios que não vieram. Todos foram convertidos e batizados. O rei então declarou: não há mais judeus em Portugal, são todos cristãos (os chamados cristãos-novos). Muitos foram arrastados, segundo crónicas da época, até à pia batismal pelas barbas ou pelos cabelos. Deste acontecimento surgiu a expressão: "ficaram a ver navios", porque tinham sido enganados. 
Outros autores atribuem a explicação ao tempo das grandes navegações e descobertas, muitos portugueses ficavam em Lisboa, no Alto de Santa Catarina, que é um ponto alto da cidade com vista para a barra do Tejo, esperando as caravelas que vinham de continentes além-mar, trazendo os vários tesouros, eram por norma armadores, outros eram sebastianistas que acreditavam no retorno de D. Sebastião, rei de Portugal, desaparecido em África, na batalha de Alcácer-Quibir, em 1578. O povo português recusava-se a acreditar na morte do seu rei e por isso, era comum algumas pessoas ficarem no Alto de Santa Catarina, em Lisboa, esperando o rei um dia chegar. É certo que o D. Sebastião nunca regressou, e por isso essas pessoas ficaram a ver navios, ou seja, ficaram desiludidas porque aquilo que esperavam não se concretizou.

Uma outra explicação bastante parecida, consiste no facto de na altura, as mulheres ficarem em casa, esperando os maridos que tinham embarcado nessas longas viagens em busca dos "novos mundos". Depois de muito tempo, as mulheres ficavam observando os navios que chegavam ao Tejo para encontrarem os seus maridos, muitas vezes sem sucesso. Então surgiu a expressão: Ficou a ver navios, ou seja, ficou à espera de algo que não veio.

Já uma outra explicação diferente, ficou associada à chegada tardia do general francês Junot a Lisboa, em Novembro de 1807, durante as invasões francesas. Diz a lenda que, do alto do miradouro de Santa Catarina, o general ficou a ver, impotente, a esquadra que transportava a Corte Portuguesa sulcando o Tejo rumo ao Brasil. E daí a expressão ficaram a ver navios, a partirem literalmente, falhando assim a captura da família real portuguesa. Este acontecimento deu também origem a várias sátiras e caricaturas cómicas em jornais da época, nomeadamente ingleses. 

 

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Caricatura de um jornal inglês alusivo à partida da família real

portuguesa para o Brasil e Junot a ver

 em 1 de janeiro de 1808 (col. Brown University Library)

 

 

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