Iclas - Instituto de Culturas Lusófonas
Antonio Borges Sampaio


25-07-2006

Romance sobre os dias da guerra colonial em Moçambique


António Rodrigo Garcia Barreto era um oficial miliciano que em 1970 foi destacado para Moçambique, a fim de servir no corpo expedicionário que nesse território era comandado pelo general Kaúlza de Arriaga. Anos depois, romanceou esse tempo, no livro À Sombra das Acácias Vermelhas, vindo agora a público na colecção Guerra Colonial, de uma editora que já nos deu obras de Alexandre Marta, Isabel Perdigão, Rogério Carvalho e Eduardo Brito Aranha, para que os portugueses não esqueçam a sua História recente, que entre 1961 e 1974 os fez andar a combater em solo africano.
Os barcos que da Rocha do Conde d’Óbidos, em Lisboa, rumavam a Bissau, Luanda ou Lourenço Marques, pejados de homens que por vezes nem sequer regressavam ou que vinham de lá mutilados; as cervejas inesgotáveis; os bares de engate; a força das trovoadas. De tudo isso nos fala Garcia Barreto, que desde 1973 tem vindo a ser distinguido pela sua arte narrativa, designadamente a destinada a jovens, como Rubens e a Companhia do Espanto em O Caso da Mitra Desaparecida.
Mesmo sem ser uma figura da vanguarda literária, ele descreve muito bem aquele ambiente dos “soldados à deriva de si próprios”, rapazes de 21 a 23 anos que tinham de passar uma parte importante da sua vida metidos no mato ou a fazer filhos mestiços, em vez de singrarem nas suas carreiras profissionais ou irem conhecer melhor as províncias onde tinham nascido. Fala-nos das “crianças nuas de barrigas inchadas” e das “mamanas negras que vendiam fruta num improvisado mercado indígena”.
Foi essa a escola, a experiência, de muitos milhares de portugueses que hoje andam pelos 57/60 anos e que têm dificuldade de se reconhecer nos novos tempos, repletos de informática e de notícias de outras guerras, no Iraque, no Afeganistão e noutras paragens de que na sua juventude quase nunca tinham ouvido falar.
Foi o drama daqueles que, ao regressarem, sãos ou estropiados, já não encontraram à sua espera a pessoa com quem tinham pensado fazer uma vida em comum, mas que entretanto se deixara ir nos braços de outro parceiro, mais palpável do que quem, durante 48 meses, se encontrava desterrado a milhares de quilómetros.
Por isso, para que a memória persista e o país saiba quem na realidade é, na sua experiência traumática dos anos de 1960 e 1970, é bom que existam pessoas como este António Rodrigo, natural da Amadora, licenciado em História por uma Faculdade lisboeta onde existe a estátua de D. Pedro V, que morreu aos 24 anos, sem descendência, como tantos dos jovens que um dia saíram da foz do Tejo, para aquartelamentos distantes.
J.H.
25 de Fevereiro de 2006

Título: À Sombra das Acácias Vermelhas
Autor: António Garcia Barreto
Editor: Roma
Págs.142
Preço: 11€
Jorge Heitor
http://blog.comunidades.net/heitor/index.php?op=arquivo&idtopico=109730