01-01-2018 artigo na revista Janus,1998, sobre as relações luso-chinesas Fernando Correia de Oliveira
Fernando Correia de Oliveira (Lisboa, 1954), é jornalista e investigador do Tempo. Licenciado em Direito, esteve 20 anos como quadro da Agência Noticiosa Portuguesa, saindo como Director-Adjunto de Informação para ser o primeiro correspondente da Lusa em Pequim, onde viveu entre 1988 e 1990.
Há 20 anos - artigo na revista Janus sobre as relações luso-chinesas
Padres jesuítas, do Padroado Português do Oriente, vestidos de mandarim, na corte imperial, em Beijing, século XVIII
Artigo na revista Janus 1998
Oriente: primeiros a chegar, últimos a partir, futuro vazio
Fernando Correia de Oliveira* Janus 2004
Em 1498, há 500 anos, Vasco da Gama não só contornou o Cabo da Boa Esperança (repetindo o feito de Bartolomeu Dias, 10 anos antes), como inflectiu mais para leste, atravessando o Oceano Índico e chegando até à região de Goa. Durante o meio século seguinte, os marinheiros portugueses expandiram as suas viagens por todo o Oriente, chegando ao Pacífico e ao Japão. Nesses 50 anos deram-se os hoje tão celebrados "encontros de civilizações" entre o Ocidente e o Oriente.
O arquétipo entretanto criado em Portugal e no Ocidente sobre esse período da História dá aos portugueses e aos outros ocidentais um papel activo e aos indianos, chineses, japoneses e outros povos orientais um papel passivo. O nacionalismo reencontrado após a II Guerra Mundial e a prosperidade económica recente da zona da Ásia-Pacífico têm provocado cada vez mais reacções do Oriente à maneira como a História tem sido contada. Os recentes episódios sobre as comemorações da chegada dos portugueses à Índia são disso um exemplo, mas é mais do que certo que a visão chinesa de como os portugueses se apoderaram de Macau vai ter cada vez menos peso na versão universal do que se terá passado há 450 anos e, com o território a ser entregue em 20 de Dezembro de 1999 de novo à China, Pequim acelerará a sua máquina de propaganda para caracterizar de forma pouco positiva "o colonialismo português", em detrimento da versão mais ou menos romântica que tem vencido, pelo menos no nosso país.
A Europa medieval esteve desde o séc. VII cercada pelo poder do Islão nas suas fronteiras a leste e a sul, enquanto a ocidente ficava o intransponível Oceano Atlântico e a norte a barreira eram os gelos. Aquilo que os navegadores portugueses conseguiram fazer nos séculos XIV e XV foi uma espécie de movimento militar de diversão — apanhar o Islão pelas costas, passando-lhe em volta e concretizando aquilo que séculos de Cruzadas não tinham conseguido.
Em termos económicos, os portugueses abriram a rota das especiarias entre a Europa e as Molucas, um caminho que permitiu um comércio em escala mais maciça e a preços mais baratos, tornando inviáveis as anteriormente usadas pelo Levante e Veneza. Em termos religiosos, essa rota abriu caminho à missionação católica (e depois protestante). Do ponto de vista cultural, com as influências a fazerem-se em ambos os sentidos, com este encontro entre Ocidente e Oriente (enquanto se fazia ao mesmo tempo a descoberta e conquista do continente americano) ocorreu pela primeira vez a ideia de universalidade. E de relatividade política, económica, social, religiosa, cultural. O mundo moderno é o mundo no seu todo.
Portugal, o primeiro a chegar, será formalmente o último a partir, quando Macau for devolvido à China. O que ficou, entretanto, de quase cinco séculos de presença portuguesa na zona? E o que existe hoje em Portugal, restos desse Império a Oriente? Pouco, quase nada. Falando na linguagem fria dos números, Portugal realiza anualmente trocas comerciais que rondam os 5 mil milhões de contos, entre exportações e importações. Desses, apenas 315 milhões de contos dizem respeito à Ásia (cerca de 6,3 por cento). Dos quase 23 milhões de turistas que visitam anualmente Portugal, apenas uns 90 mil são asiáticos (0,4 por cento).
Residuais são também os números respeitantes às comunidades portuguesas na Ásia ou asiáticas em Portugal. A excepção óbvia é Macau, mas os cerca de 100 mil chineses do território portadores de passaporte português não falam português e, a usarem esse título de viagem, só o farão se o processo de integração no continente correr mal, e na esmagadora maioria dos casos utilizando Portugal como sítio de passagem para outros países europeus, Estados Unidos, Canadá ou Austrália. Do ponto de vista social, aquilo que mais tem preocupado as autoridades portuguesas é a possibilidade de o crime organizado chinês (tríades, já presentes em Lisboa, Porto ou Setúbal) alastrar devido à recuperação continental de Hong Kong e Macau. Quanto a refugiados asiáticos em Portugal, tirando o caso de Timor-Leste, eles não têm expressão.
Os fenómenos de "lusitanidade" em Goa, Malaca ou, futuramente, Macau (e Timor?) ir-se-ão perdendo inexoravelmente. Uma segunda língua, na zona, será sempre o inglês. As gerações mais novas não guardam qualquer nostalgia para com um país distante, que não conhecem e que, com poucos recursos, não poderá continuar a firmar aí a sua identidade cultural. Mesmo assim, o Instituto Camões, dependente do Ministério dos Negócios Estrangeiros, inclui na sua rede de leitores de Língua e Cultura portuguesas a China (Cantão, Pequim e Xangai), a Índia (Goa e Nova Deli) e a Malásia (Kuala Lumpur). Não há leitorado no Japão, mas o Renaissance Institute, da jesuíta Sophia University, de Tóquio, mantém uma acção regular na divulgação da cultura portuguesa. Em Portugal, a Fundação Oriente e a Missão de Macau são instituições naturalmente orientadas para as acções de divulgação das culturas orientais e há cursos de chinês ou japonês, não homologados pelo Ministério da Educação.
A criação de uma licenciatura em Estudos Orientais continua a ser falada mas, 500 anos depois do diálogo ter começado, Portugal ainda não conseguiu assumir as responsabilidades do pioneirismo e transformar em tradição (escola) o que se tem traduzido em esporádicas boas-vontades, muita curiosidade e total amadorismo.
Há 20 anos - artigo na revista Janus sobre as relações luso-chinesas
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