20-03-2019O que é que correu mal? Francisco S CostaTenho na prateleira um livro sobre a civilização árabe que tem o título deste artigo. Lembrei-me dele ao ver, há pouco, nas televisões, a imagem da conferência conjunta de Donald Trump e de Jair Bolsonaro. "Isso não significa que não seja natural continuar a lutar por aquilo em que se acredita, mesmo que isso implique ficar numa posição minoritária e desconfortável."
Se, há meia dúzia de anos, alguém me dissesse que este cenário na Casa Branca era possível, teria dado uma gargalhada e, do alto da minha "ciência", argumentaria, por A mais B, que a ascensão de um milionário megalómano e vaidoso à chefia dos EUA seria sempre travada pelo "establishment" do Partido Republicano e que, no caso da figura brasileira, se tratava de uma personalidade caricatural e risível, alguém cujo primarismo o Brasil nunca iria levar a sério. Depois, foi o que foi. O que é que aconteceu? Aconteceu que, por mais previdentes e "conhecedores" que sejamos, nunca conseguimos evitar que os nossos raciocínios acabem por ser conduzidos pelo quadro mental que se nos tornou confortável e que, no fundo, também padece daquilo que, na língua inglesa, se chama "wishful thinking", que pode ser traduzido por um pensamento marcado por aquilo que, no fundo, desejamos. Tudo o que contrarie as ideias feitas é posto de lado ou tido como de escassa probabilidade.. Tal como no Brexit e nas eleições italianas, nos EUA e no Brasil houve fatores influenciadores do eleitorado que não vimos chegar. Deixámo-nos assim levar pela ideia de que havia uma "impossibilidade" objetiva de ocorrência de certos cenários, porque eles entravam em rotura com aquilo que pensávamos plausível. Alguns dirão que foram situações excecionais, manipulações comunicacionais, medos induzidos e outros fatores anómalos e conjunturais que produziram esse resultado. Até pode ser verdade, mas o que verdadeiramente aconteceu foi uma expressão democrática de vontades, que teve a consequência que teve. A prática da democracia não aponta sempre num sentido democrático, como a História nos ensinou. Mas, para os democratas, a resultante do voto deve permanecer sagrada, salvo se vier a afetar o funcionamento do próprio sistema democrático.. Isso não significa que não seja natural continuar a lutar por aquilo em que se acredita, mesmo que isso implique ficar numa posição minoritária e desconfortável. Trump e Bolsonaro lá estão, graças ao voto popular. Quem deles não gosta deve colocar-se a questão: "O que é que correu mal?" E, se os quiser combater (a eles e aos outros de idêntico jaez), deve começar por "desconstruir" as razões do seu sucesso, refletir sobre os erros cometidos que tornaram possível a sua ascensão. *Embaixador
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