Iclas - Instituto de Culturas Lusófonas
Antonio Borges Sampaio


06-11-2017

Mosteiro de São Bento lança site com acesso grátis a 60 obras raras digitalizadas


   
 

Mosteiro de São Bento lança site com acesso grátis a 60 obras raras digi...

Monique Lôbo

Segunda maior biblioteca de obras raras do país guarda títulos importantes de várias áreas do conhecimento

 

 

Segunda maior biblioteca de obras raras do país guarda títulos importantes de várias áreas do conhecimento

Dom Emanuel d'Able (Foto: Marina Silva)

Em 1582, monges beneditinos portugueses fundaram o Mosteiro de São Bento da Bahia, o primeiro da nova colônia e um dos primeiros fora da Europa. Durante a imigração, os monges trouxeram manuscritos, iluminuras, livros, documentos históricos, cartas, testamentos, mapas, partituras musicais, desenhos e plantas de arquitetura que hoje compõem o acervo da Biblioteca do Mosteiro de São Bento.

Algumas dessas preciosidades agora estão disponíveis para o público geral. Depois de um processo de restauração, o mosteiro lançou, ontem, o portal Livros Raros, que disponibiliza uma valiosa coleção com 60 obras raras da biblioteca digitalizadas e que podem ser acessadas gratuitamente através do site www.saobento.org/livrosraros

O projeto de recuperação, que durou cerca de dois anos, contemplou obras dos séculos XVI ao XIX que tratam não só de teologia como também de medicina, homeopatia, história, sociologia e literatura. Além de português, há textos em latim, francês, galego, es panhol, italiano e árabe - muitos não identificados em nenhuma outra biblioteca do mundo. 

Publicações como Comentario as Sentenças de Duns Scoto, do Fr. Nicolau de Orbellis, de 1503; e Suma Theologica Secundae, de São Tomas de Aquino, de 1534 - os textos digitalizados mais antigos -, além da coleção Obras Completas de Luiz de Camões, de 1873; o compêndio Cartas Selectas, de Padre Antônio Vieira, de 1856; o Index Librorum Prohibitorum, do Papa Bento XIV, de 1764; e a Historia dos Judeos, de Flavio José, de 1793, podem ser lidas com apenas alguns cliques. 

“Essa ação iniciou em 2006, com a seleção de algumas obras para pequenos projetos. Depois, percebemos a necessidade de uma maior abrangência. Para isso, chamamos uma empresa de São Paulo que usou tecnologias que nunca haviam sido usadas aqui”, conta a filóloga e coordenadora geral do Centro de Pesquisa e Documentação do Livro Raro do Mosteiro, Alícia Duhá Lose.

Desinfecção
 A tecnologia, chamada “desinfestação por atmosfera anóxia”, parece coisa de filme de ficção. O livro é colocado dentro de uma bolha com um gerador de nitrogênio. O processo retira todo o oxigênio dos livros e extermina as pragas por asfixia. Enquanto algumas peças precisaram apenas de higienização, outras não tinham condições de sequer serem manuseadas e passaram por um processo de restauração ainda mais rigoroso.

Mônica Pedreira de Souza, uma das restauradoras da equipe do mosteiro, explica que cada livro levou entre um e três meses para ser reparado. “O tempo de restauração depende do tamanho do livro e do estado em que se encontra, se está mais destruído, corroído por inseto, mofo”, completa. Mônica revela que, depois de diagnosticar a condição da obra, é feita a higienização e depois um teste de acidez, para atestar se o livro vai passar por um banho de desacidificação ou a velatura, uma técnica que utiliza cola carboximetilcelulose e papel japonês. 

“Depois, o livro recebe um banho de água morna para retirar a sujidade e depois um banho para estabilizar o PH com hidróxido de cálcio”, detalha. O livro ainda passa pela máquina de obturação de papel, a secadora e, por fim, a prensa para planificar. “A única coisa que não recuperamos é a capa, porque ainda não fazemos restauração em couro”, diz Mônica.

 

Democracia 

O arquiabade do mosteiro, dom Emanuel d’Able do Amaral, revela que a ideia que culminou nesse projeto nasceu em 1996, quando a biblioteca ganhou um novo espaço. “Essa foi a primeira etapa do que estamos vendo hoje. A segunda foi quando criamos o laboratório de restauração, que era raro no Nordeste. E a terceira etapa do processo começou com o trabalho do grupo de pesquisa da Faculdade São Bento e de outras instituições que tiveram acesso ao material”, afirma.

Para dom Emanuel, o objetivo principal da biblioteca - a segunda maior em acervo de obras raras do país - é democratizar a informação e, principalmente, a cultura. “Não tem sentido ter um acervo se ele ficar trancado e ninguém ver. Um livro que não é lido perde sua finalidade. Em nosso país falta não só a partilha dos bens materiais, como também dos bens culturais. E é isso que queremos: a democracia cultural”, afirma.

A coordenadora do Centro de Pesquisa do mosteiro, Alícia Lose, também celebra a iniciativa, pouco comum para instituições religiosas. “É uma raridade estar vivendo esse momento. Acervos eclesiásticos são privados, mas são de interesse público. Aqui temos livros que remontam o século XVI, que vieram com os monges e ficaram mais de 400 anos trancados”, analisa. 

O interesse de pesquisadores e estudantes foi fundamental para que o projeto se consolidasse. “Foram 43 pessoas envolvidas diretamente, fora os muitos funcionários do mosteiro que nos ajudaram e isso partiu da demanda. As pessoas pediam as obras e, para dar acesso, digitalizamos. É assim que é feita a seleção. E depois disponibilizamos no site”, diz Alícia. 

“Esse é um trabalho feito para a comunidade. Os livros continuam no setor de obras raras, preservados, mas podem ser acessados por qualquer um e a qualquer hora. Pense que se um livro tivesse alma, estaria chorando por estar preso sem poder ser lido. Mas agora ele não vai mais chorar”, brinca o arquiabade dom Emanuel.

Acervo Geral 
Acesso livre para consulta, de segunda a sexta, das 8h às 18h, e sábado, das 8h às 13h. Para empréstimo, somente para alunos da Faculdade São Bento da Bahia.

Acervo Obras Raras 
Acesso para pesquisadores com a presença de funcionários da biblioteca. Acesso livre e gratuito no site www.saobento.org/livrosraros.

Arquivo Acesso apenas mediante a autorização prévia. O arquivo conta com documentos importantes denominados de Memória do Mundo da Unesco

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