26-03-2004Projeto tenta salvar língua brasileirawww.bbc.co.uk/portuguese/index.shtml O Trumai, uma das cerca de 180 línguas vivas faladas no Brasil além do português, corre o risco de desaparecer. Hoje em dia, existem menos de cem pessoas falando a língua. Para evitar que o Trumai e outras línguas desapareçam, foi inaugurado nesta semana o Projeto Acadêmico de Línguas Ameaçadas, na Escola de Estudos Orientais e Africanos da Universidade de Londres. O objetivo do projeto é tentar impedir que metade das 6,5 mil línguas faladas hoje no mundo deixe de ser pronunciada ao longo deste século, ou seja, tentar evitar que, em duas ou três gerações, elas sejam esquecidas. O Brasil faz parte desse projeto com o Trumai, que é considerada uma língua viva porque as pessoas ainda a utilizam no dia-a-dia. Porém, de acordo com a Unesco, para passar de uma geração para outra, uma língua precisa ser falada por pelo menos 100 mil nativos. Segundo a pesquisadora Raquel Guirardello-Damian, que estuda o Trumai desde 1989, o desaparecimento das línguas indígenas tem geralmente a mesma explicação. "O primeiro problema dos Trumai foi o contato com outros povos indígenas, o que gerou conflitos e acabou matando muita gente. Em seguida, veio o contato com os brancos, e eles acabaram adquirindo várias doenças, como sarampo, gripe e diarréia, que se transformaram em epidemias e mataram famílias inteiras." Extinção Os Trumai, que vivem no parque indígena do Xingu, na região central do Brasil, acabaram se mudando para as proximidades de um posto de atendimento médico, onde o contato com os brancos - e conseqüentemente com o português - se intensificou. "O português é uma língua que tem muito prestígio, porque é a língua oficial do Brasil, é a língua que eles usam para fazer contatos ou negócios com os brancos, então, aos poucos, o português foi se infiltrando na comunidade Trumai", diz Raquel. Segundo ela, houve uma época em que as duas línguas coexistiam, mas, atualmente, apenas os adultos são bilingües. "As crianças entendem o Trumai, mas só se comunicam em português." Para evitar com que línguas em extinção desapareçam, o Projeto Acadêmico de Línguas Ameaçadas faz a documentação digital da cultura desses povos ameaçados. O trabalho realizado com a minúscula população que fala Karaim é um exemplo disso: foi criado um CD com textos sobre a origem da língua e do povo Karaim, além de poemas, canções e fotos. Assim, existe uma esperança de, no futuro, a cultura Karaim não ficar restrita às 60 pessoas na Lituânia e na Polônia que hoje falam o idioma. Segundo o diretor do trabalho, Peter Austin, cada língua tem sua forma de expressar o mundo. "A língua carrega a cultura da comunidade, assim como a literatura oral, as estórias, a história, os mitos, as músicas." Austin ressalta que as experiências individuais de gerações são passadas adiante por meio da língua e, quando ela morre, toda uma herança é perdida. Língua nativa Outra iniciativa do projeto é treinar pessoas da comunidade para reintroduzir a língua nativa em seu meio. O estudante senegalês Serge Sagna está sendo habilitado para escrever um livro de gramática de sua língua nativa, o Joola Iegima, e, no futuro, deve preparar também um dicionário. Diferentemente dele, a maioria de seus amigos substituiu a língua nativa pela oficial, que é o francês. Atualmente, menos de 9 mil pessoas falam o Joola Iegima. "Minha língua agrega minha identidade e minha cultura, portanto, não há por que trocá-la por outra." Segundo Sagna, se ele estiver procurando um emprego, por exemplo, ele pode estudar inglês ou francês para consegui-lo. "Na minha língua eu vejo o mundo de uma forma que eu não encontro em nenhuma outra", diz o estudante. Sagna pretende voltar ao Senegal para ensinar a língua a crianças em escolas de ensino básico, juntamente com a língua francesa. O vazio deixado pelas línguas que morrem vai sendo ocupado por uma quantidade pequena de idiomas. Segundo o professor Peter Austin, 96% da população fala apenas 4% das línguas existentes no mundo. "O inglês, o chinês, o hindi, o espanhol e o português estão se espalhando em detrimento das línguas pequenas, que às vezes, de tão pequenas, são faladas apenas por uma ou duas pessoas." |