Iclas - Instituto de Culturas Lusófonas
Antonio Borges Sampaio


27-08-2008

Euclides e Machado - unidos pela arte - Olívia G Arruda


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EUCLIDES E MACHADO – UNIDOS PELA ARTE

 

Maria Olívia Garcia Ribeiro de Arruda

 

A correspondência entre os intelectuais é um assunto que sempre me fascinou, pois geralmente descubro nelas mais informações do que na fortuna crítica dos autores que estudo. E a correspondência entre Euclides da Cunha e Machado de Assis não é para se desprezar, pois revela como era feita a articulação para a eleição dos candidatos à Academia Brasileira de Letras, além de mostrar a amizade entre esses dois grandes homens escritores.

Na correspondência reunida por Walnice Nogueira Galvão e Oswaldo Galotti, a primeira carta enviada a Machado por Euclides data de 21 de junho de 1903, solicitando a inclusão de seu nome entre os concorrentes à vaga aberta para a ABL, com a morte de Valentim Magalhães.

Euclides escreve que por si só o título já lhe valeria “como o melhor dos títulos”, o que revela o desejo de reconhecimento como escritor.

Em quatro de julho, o engenheiro já havia recebido o apoio de João Ribeiro,  conforme escreve a José Veríssimo, através do qual pede o apoio de outros acadêmicos, pedindo compreensão pela sua “situação de engenheiro errante, preso pelos empreiteiros e absorvido em orçamentos”, quase sem tempo para cuidar de seus próprios interesses, enquanto “os outros candidatos, mais folgados e num outro meio”, tinham “elementos práticos de sucesso” que ele não podia ter. Muito sutilmente acrescenta: “Aqui, em São Paulo, ninguém acredita que eles triunfem”, mas ele estava “convencido do contrário”, se fosse desamparado pelos “bons amigos” com quem contava.

Em 6 de julho solicitou o apoio de Artur Azevedo, agradecendo também pelo juízo crítico feito por aquele escritor a “Os sertões”. No dia 7, é a Afonso Celso Jr. que solicita o voto, por considerá-lo “entre os que maior brilho” dariam à sua candidatura; no dia 9, o mesmo pedido é feito a Oliveira Lima e ao Barão do Rio Branco.

No dia 10, volta a escrever a Machado, agradecendo a inclusão de seu nome como candidato, recordando-se das “animadoras palavras” que lhe foram dispensadas pelo acadêmico, que foram para Euclides “grande honra e grande estímulo”. Aproveita para solicitar-lhe o voto em prol da sua candidatura.

A Salvador de Mendonça pede o voto em 10 de julho. Agradece ao Barão do Rio Branco o apoio prometido, em 17 de julho e, no mesmo dia, agradece a Afonso Celso; a 24 de julho, a Artur Azevedo.

Em 24 de julho, escreve ao amigo Escobar, contando como certo o apoio de Rio Branco, Machado, Artur Azevedo, João Ribeiro, Veríssimo, Lúcio de Mendonça, Afonso Celso, Coelho Neto, Filinto, Araripe, Raimundo Correia, Garcia Redondo e provavelmente Oliveira Lima e Laet. Arinos e Augusto de Lima, votos certos, ainda não haviam tomado posse na ABL.

Em 26 de julho, agradece o apoio de Machado e fala da “incomparável bondade e a rara superioridade de coração”. Em 10 de setembro, escreve a Afonso Arinos, dizendo que lera a respeito da data de posse dele na ABL, então lhe pede que o “ajude a levar adiante” a levar a candidatura para a vaga da Academia. A 21 de setembro Euclides é, enfim, eleito para a cadeira vaga da ABL.

Agradece a Machado em 22 de setembro, pelo telegrama que lhe dera “a agradável das notícias” e que teria sempre “uma boa vontade sem limites para obedecer à lúcida direção” que Machado estava imprimindo ao movimento intelectual da pátria.

Um cartão postal é enviado a Machado, em 26 de dezembro, trazendo no reverso: “Onde o estudante e a serenata acordam / morenas, filhas do país do Sul!” No anverso, um panorama de São Paulo antigo.

A 16 de janeiro de 1904, comunica, por cartão postal, a Machado de Assis, o novo endereço em que Euclides passara a residir, em Santos, aonde foi dirigir uma das seções do Saneamento. Coloca, então, a residência à disposição do “distinto mestre e amigo.”

“Meu eminente mestre. O senhor está numa cidade que eu vi na mais remota juventude, e bem perto do pequeníssimo vilarejo onde nasci – Santa Rita do Rio Negro”. Este é o início da carta enviada a Machado, em 15 de fevereiro de 2004, em que fala da emoção sentida ao receber a carta de Machado, que estava em Nova Friburgo. Essa correspondência chegara quando o engenheiro se encontrava “em plena faina” do seu “triste ofício”- conforme Euclides – que foi “logo olvidando [...] requerimentos e reclamações”, para “vadiar galhardamente no passado”, o que lhe serviu de consolo, pois assim se sentiu um pouco fora daquela “agitação dispersiva”.

Reclama por não ter nem “um quarto de hora” para se dedicar “aos assuntos queridos nem aos livros prediletos”. E acrescenta: “Estou inteiramente embaraçado e preso numa rede... de esgotos!” “Mesmo na “ordem intelectual”, a sua “leitura exclusiva” era somente “nuns pesados calhamaços, onde cada página fazia o efeito “de uma estrapada inquisitorial, no deslocar o espírito  em sucessivas quedas. Durand-Clayde, Bechmann, Arnold (como estamos longe de Taine, Buckle, Comte, Renan...) estes bárbaros anônimos são os familiares deste Mau-Ofício.”

Fala ainda que aprendera “algumas formulazinhas entre as mil que ensinam”, então ficaria livre “dos grandes charlatas, que a ciência brutalmente utilitária transformou em beneméritos curandeiros de cidades, - julgo que poderei em breve dedicar-me à minha profissão real.” Pede a Machado que informe a data definitiva para a posse (de Euclides) na ABL, preferindo que fosse na prmeira quinzena de maio, porém coloca-se na posição de subordinado ao parecer do Presidente da ABL.

Em 5 de março, novamente escreve ao “ilustre mestre e amigo”, pedindo novamente que lhe informasse a data da posse, porque necessitava “ir desde já dispondo as coisas”, para que pudesse estar no Rio de Janeiro na data marcada. “Continuo na mesma vida fatigada de sempre”, reclama. Mas sempre encontrava “algumas horas de folga para os estudos prediletos.”

É possível perceber, nas cartas dessa época, a enorme ansiedade e preocupação de Euclides em saber com antecedência a data da posse na Academia, pois para ele seria imprescindível organizar-se antes.

Em dezembro de 1904, com dia não identificado no manuscrito, envia um ofício ao “Presidente da ABL”, alegando que, “impossibilitado de tomar posse, em sessão solene”, então o fazia “de acordo com o artigo 22 do Regimento Interno”, por meio daquele ofício. E assina: “Confrade atº obrdº e admor “.

O impedimento da ida de Euclides à posse solene foram os preparativos para a viagem ao Acre, cuja partida estava já atrasada em dois meses, o que irritava de sobremaneira Euclides. Nesse ínterim, o engenheiro recebe de Vicente de Carvalho uma carta, cuja resposta é redigida por Euclides a 9 de setembro de 1904, com orientações sobre o que fazer para concorrer a uma vaga na ABL e essa carta mostra a visão de estrategista de Euclides. “É preciso agir”, fala a Carvalho, pois as inscrições terminariam no final daquele mês e a eleição ocorreria em fevereiro de 1905, portanto, conforme o engenheiro, o amigo teria tempo para terminar um livro em prosa que havia começado e que lhe daria mais chances de ser eleito.

“Que ele se publique em janeiro.” “Será a espada de Breno lançada no último momento, num dos pratos da balança.” E encoraja energicamente o amigo: “Arma-te, pois, de uma forte decisão!” Orienta-o a aproveitar o resto daquele mês para acabar o livro e conseguir o editor. “Restarão outubro e novembro para a impressão. Em dezembro o livro poderia aparecer. “É indispensável  este esforço”, reforça ele. “Tens pela frente adversários de há muito bem aconchegados nas côteries parciais que os aninham e a aviventam.”

“Alguns sem grande valor, mas práticos, sujeitos que fizeram um nome como os usuários fazem a fortuna, vagarosamente, ajuntando todos os vintenzinhos dos aplausos frívolos e todos os mulambos de uma idéias esmirradas.” Mas esses lá estavam, como se fossem “grandes coisas.” Não te resistirão no dia em que puseres ao lado do lírico da “Rosa do Amor” a rija envergadura do atleta magnífico da prosa.” “[...] Assim – não vaciles; não vaciles absolutamente! Considera-te numa batalha em que o triunfo só possa surgir nos deslumbramentos de um movimento inesperado.”

Por isso a publicação desse livro em prosa era indispensável. “Traço-te um programa que deve ser estritamente cumprido”, afirma Euclides: ir São Paulo, reunir as melhores publicações dispersas que Vicente produzira, “contratar logo editor e a impressão - e anunciar desde já o livro, com o título competente. Não há tempo a perder. Não deves perder um dia.”  Solicita ao amigo que lhe envie rapidamente a resposta de sua decisão, então deveria enviar carta apresentando-se à concorrência depois do dia 20, dirigida ao Presidente da Academia, e passa-lhe até o endereço: “rua Cosme Velho, 198, Laranjeiras” e depois deveria enviar o “pedido especial a cada um dos acadêmicos”.

Voltando à ordem cronológica dessa correspondência, em 19 de dezembro de 1904 Euclides escreve, já em Recife, a Machado:  “Saudades e lembranças – Sigo hoje Paraíba.” Depois, já em Manaus, envia outro cartão postal a Machado de Assis, em cujo anverso há um casebre com coqueiros e no reverso o poema: Nesta choupana de roça, / de aparência tão tristonha, / mora, às vezes, uma moça / gentilíssima e risonha. / E o incauto viajante / quase sempre não descobre / a moradora galante / de uma choupana tão pobre / e passa na sua lida, / para a remota cidade, / deixando, às vezes, perdida / num ermo, a Felicidade...”. A data é de 5 de fevereiro de 1905.

A 10 de março, escreve a Veríssimo lamentando “o recuo do Vicente” e dando o voto, então, em conformidade com o de Veríssimo, para Sousa Bandeira.  Ainda de Manaus, enquanto esperava ansiosamente e insatisfeito a partida para o Purus, escreve em 14 de março a Machado, enviando-lhe o voto para a eleição da Academia.  No dia 15 envia formalmente à ABL: “Para a vaga de José do Patrocínio voto no Ilmo. Dr. Vicente de Carvalho.” Mas no dia 17, envia o mesmo tipo de correspondência, só que dando o voto para Heráclito Graça.

A carta de 18 de março revela a concordância - que durará até o final da vida – em relação às recomendações de Rio Branco: escreve a Machado que havia enviado, por intermédio de Veríssimo, o voto a Sousa Bandeira, conforme recomendação do Barão, feita por telegrama. Explica o motivo do voto em duplicata e pede para que o Presidente da ABL decida como achar melhor qual dos dois escolher, porém explica a sua amizade e o incentivo dado a Vicente de Carvalho.

Em 4 de maio de 1905,  Euclides já está na Boca do Acre e até janeiro de 1906, quando já escreve do Rio de Janeiro, não há, até o momento,  correspondência enviada ao Presidente da ABL. Em julho Euclides tem uma recaída, sua saúde estava bastante debilitada devido à malária e à tuberculose, então no dia 19 de julho escreve a Machado desculpando-se por não poder comparecer à homenagem a Joaquim Nabuco.

Machado de Assis faleceu em 29 de setembro de 1908. Euclides publica, no dia 30, no Jornal do Commercio, o artigo A última visita. Nele, o escritor conta os últimos momentos do imortal Machado: “Realmente, na fase aguda de sua moléstia, Machado de Assis, se por acaso traía com um gemido e uma contração mais viva o sofrimento, apressava-se a pedir desculpas aos que o assistiam, na ânsia e no apuro gentilíssimo de quem corrige um descuido ou involuntário deslize. Timbrava em sua primeira e última dissimulação: a dissimulação da própria agonia, para não nos magoar com o reflexo da sua dor. A sua infinita delicadeza de pensar, de sentir e de agir, que no trato vulgar dos homens se exteriorizava em timidez embaraçadora e recatado retraimento, transfigurava-se em fortaleza tranqüila e soberana. E gentilissimamente bom durante a vida, ele se tornava gentilmente heróico na morte... Mas aquela placidez aguda despertava na sala principal, onde se reuniam Coelho Neto, Graça Aranha, Mário de Alencar, José Veríssimo, Raimundo Correia e Rodrigo Otávio.”

Espantados com a indiferença da população que aparentemente se esquecera do velho mestre, um fato inusitado, então ocorreu: surge um adolescente desconhecido que vai visitar o moribundo escritor. Levado ao quarto, o jovem ajoelhou-se, tomou a mão de Machado, beijou-a e, em seguida, abraçou o doente. Depois levantou-se e foi embora. Ao sair, pediram-lhe o nome e ele disse, porém decidiram mantê-lo no anonimato. Não sei dizer se o fato é verdadeiro ou se na figura desse jovem está uma projeção do próprio Euclides, que jamais se esquecera de que devia muito de sua aceitação na Academia à acolhida pronta que lhe dera Machado, a quem ele sempre chamava de “velho mestre”...

De qualquer forma, é Euclides que sempre imagino nesse jovem, aquele romântico Euclides dos poemas de “Ondas”, a reverenciar com amor e carinho com gestos que já não lhe eram permitidos como escritor renomado e representante de uma Academia daquelas. Euclides que sofria com a partida daquele amigo e, de certa forma,  protetor de sua trajetória literária. Euclides que, em menos de um ano, ou seja, a 15 de agosto de 1909, iria definitivamente encontrar-se com o amigo de uma  forma bastante trágica, morto (ou assassinado?!) pelo amante de Ana.

Enfim, como Euclides mesmo escreveu, “quem definirá um dia essa Maldade obscura e misteriosa das coisas, que inspirou aos gregos a concepção indecisa da Fatalidade?”

 

BIBLIOGRAFIA

 

GALVÃO, Walnice Nogueira. Correspondência de Euclides da Cunha.  Walnice Nogueira Galvão e Oswaldo Galotti (org.) São Paulo: EDUSP, 1997.

 

MELO FRANCO, Afonso Arinos. Um estadista da República. Vol. 2. Rio de Janeiro: José Olympio Ed., 1055.