Iclas - Instituto de Culturas Lusófonas
Antonio Borges Sampaio


18-08-2017

Viagem à Biblioteca Nacional do Brasil


É a maior biblioteca da América Latina e uma das maiores do mundo segundo a UNESCO.  O Expresso conta-lhe quanto é que o Brasil pagou à  Coroa portuguesa para “comprar a sua história”, mostra-lhe os magníficos interiores deste edifício  centenário no centro do Rio do Janeiro,e volta  a propor-lhe que faça connosco esta viagem que  não vai querer perder

 

Quem foge de um país com medo de ser preso por um exército invasor não se dá ao trabalho de fazer embarcar na bagagem “cerca de 60 mil peças, entre livros, manuscritos, mapas, estampas, moedas e medalhas”, como fez a Corte portuguesa quando partiu para o Brasil a 29 de novembro de 1807.

Ao contrário do que dizem as más línguas, a partida foi estratégia política pura e dura; o plano de contingência que previa a transferência da sede do poder político de Lisboa para o Rio de Janeiro remonta ao período da Restauração, quando Portugal recuperou a independência em 1640, depois de ter estado 60 anos sobre o domínio da coroa de Castela.

Este plano de emergência “várias vezes ensaiado em caso de ameaça militar estrangeira a Lisboa, não deixou de ser executado com algum atabalhoamento”, escreve Rui Cardoso no livro “Invasões Francesas, 200 Anos, 200 Mitos, 200 Histórias e 200 Protagonistas”. Os factos mostram que “Napoleão não conseguiu aprisionar a família real, e os símbolos da independência nacional, nomeadamente a coroa, ficaram fora do seu alcance. Mas com custos não negligenciáveis: um país decapitado e deixado no caos”, acrescenta Rui Cardoso.

A IMPRENSA BRASILEIRA ‘NASCE’ COM A CHEGADA DA CORTE

Com a chegada da Corte portuguesa ao Rio de Janeiro chega também a imprensa. A 10 de setembro de 1808, a “Gazeta do Rio de Janeiro” foi o primeiro jornal impresso no Brasil com máquinas vindas de Inglaterra. Até aí o Brasil – que ainda era uma colónia do império português – não tinha autorização régia para imprimir livros ou jornais.

Dois anos depois, “por decreto de 27 de julho” de 1810, o acervo da biblioteca do rei foi “acomodado nas salas do Hospital da Ordem Terceira do Carmo, na Rua Direita, hoje Rua Primeiro de Março”, lê-se no site da Biblioteca Nacional do Brasil, que foi oficialmente fundada e “aberta aos estudiosos” a 29 de outubro desse mesmo ano.

Em 1812 imprime-se o primeiro livro nas oficinas da imprensa régia; “Marília de Dirceu” escrito pelo poeta luso-brasileiro Tomás António Gonzaga, ainda passou pelo crivo da censura real.

Nos anos seguintes a biblioteca recebeu a doação de grandes espólios e adquiriu vários milhares de livros e manuscritos. “A Real Biblioteca ia se impondo no cotidiano local. E o crescimento foi tal que em 1818 D. João VI ordenou que fosse remetido à Biblioteca Pública de Salvador um exemplar de cada obra em duplicata na Real Biblioteca, desde que não constasse do catálogo daquela biblioteca”, como relata o livro “A Longa Viagem da Biblioteca dos Reis - Do terremoto de Lisboa à Independência do Brasil”.

“O BRASIL COMPROU A SUA HISTÓRIA”

“A 25 de abril de 1821 deixou el-rei D. João o Rio de Janeiro a caminho de Lisboa. Ia profundamente sucumbido, varado de sobressaltos e tristezas, em meio à farandolagem alvoroçada dos padres, dos frades, dos ministros, dos camareiros e outros dourados parasitas da Coroa [...]”, lê-se no citado livro sobre a viagem da biblioteca.

No ano da independência do Brasil (1822), “por determinação do governo imperial, a Biblioteca passou a receber um exemplar de todas as obras, folhas periódicas e volantes impressos na Tipografia Nacional, fato precursor do que hoje é a Lei do Depósito legal”.

Nesse mesmo ano, o “padre Joaquim Dâmaso, primeiro prefeito da Real Biblioteca, volta a Portugal por não concordar com a independência, e leva consigo mais de cinco mil códices dos cerca de seis mil que vieram com a Família Real”. O regresso destes exemplares a Portugal não retiram importância à instituição que passou a chamar-se Biblioteca Imperial e Pública.

A independência do Brasil envolveu um complexo processo de negociações e, em 1825, no acerto geral das contas entre Portugal e a sua antiga colónia, o maior país da América do Sul pagou “800 contos de réis, quantia, então, considerada exorbitante” pela biblioteca. “A compra foi regulamentada pela Convenção Adicional ao Tratado de Paz e Amizade, celebrado entre o Brasil e Portugal, em 29 de agosto”, lê-se no site da instituição.

O Brasil é o “único país novo que começa” o seu caminho de nação independente com uma importante “biblioteca”, diz ao Expresso Renato Lessa que dirigiu a Fundação Biblioteca Nacional entre abril de 2013 e 31 de maio deste ano. Foi assim que “o Brasil comprou a sua história”. A Biblioteca ainda funciona totalmente no edifício no centro do Rio de Janeiro inaugurado em 1910, e tem feito um enorme investimento na digitalização de materiais gráficos (livros, jornais, fotografias). O novo edifício para onde serão transferidos os jornais e outros materiais já está a ser construído na zona do Cais.

Lessa lembra no entanto que “a digitalização não substitui o ato presencial de leitura. O livro no Brasil tem uma presença muito pequena na vida quotidiana. Temos de levar o livro às pessoas”, e por isso pode ser interessante “usar o digital para fomentar o contacto com o livro; é o mesmo que fazem os miúdos quando vão à quinta ecológica: serve para apresentar, para conhecer. Depois é preciso cultivar a relação”.

Este trabalho do Expresso foi inicialmente publicado a 2 de junho de 2016.

Viagem à Biblioteca Nacional do Brasil

 

   
 

Viagem à Biblioteca Nacional do Brasil

É a maior biblioteca da América Latina e uma das maiores do mundo segundo a UNESCO. O Expresso conta-lhe quanto ...