Iclas - Instituto de Culturas Lusófonas
Antonio Borges Sampaio


28-10-2005

Anil Counto de Goa: empresário de sucesso e amigo de Portugal


Nesta nova crónia, Fernando do Rego leva-nos a conhecer Anil Countó, gestor da empresa Alcon que se tem vindo a destacar no sector da construção e da hotelaria em Goa. Fique a saber mais sobre a sua história de sucesso e as suas opiniões acerca da economia, do ambiente... e da cultura portuguesa em Goa.


Algum tempo atrás, um “habitué” brasileiro da “Supergoa. com” escreveu-me: "Você já parou as suas “Crónicas das Fontainhas?”. Bem, não foi isso, mas devido a várias actividades e mais os seus estudos na “Universidade Jawaharlal Nehru” em Nova Delhi, o Dr, Constantino Xavier não teve possibilidade de estar em Goa para uma entrevista já fixada com o Sr. Eng. Anil Countó, uma das mais distintas personalidades no mundo da construção civil, hotelaria, etc. em Goa.
Assim, aproveitando da sua recente visita à terra dos seus antepassados, fui junto com ele para gravar esta entrevista que ides ler. Naturalmente, uma das perguntas que lhe fiz, foi se nas suas muitas viagens pelo estrangeiro, teria visitado Portugal . Tinha! Ele está também envolvido na Associação de Amizade Indo-Portuguesa (
www.goacom.com/ipfs) que visiona a manutenção, diria mesmo a ressurreição, da cultura portuguesa em Goa.
E há mais um aspecto que devo sublinhar: no decorrer destes meses tive o prazer de entrevistar várias individualidades, todas elas sucederam ser católicas. Anil Countó é o primeiro Hindu.
Fernando do Rego: É um prazer para mim e para o Supergoa.com ter esta entrevista consigo, especialmente sendo o senhor uma das pessoas mais conhecidas no sector da construção em Goa. Poderia dar-nos algumas luzes sobre o seu passado e sobre as razões pelas quais escolheu seguir a via da engenharia?
Sou um engenheiro civil formado em Bombaim em 1966. Basicamente a minha família esteve sempre no sector dos negócios. Há muitas gerações que estamos sediados como negociantes em Panjim e Goa. A minha educação primária foi em marata e depois segui completei o secundário na Peoples High School em 1967.
Depois segui para a minha formação superior em Bombaim, onde completei o curso em engenharia civil. Depois fui ganhando experiência diversa. Primeiro trabalhei com Caculo, depois estive dois anos com as obras públicas estaduais, passei também por uma companhia mineira e finalmente fundei a minha própria empresa em 1971.
O que acontecia nesse tempo é que por tradição eram os católicos os mais activos no sector da construção. Com o meu colega e meu amigo Albuquerque, que também trabalhava como engenheiro na empresa de obras públicas, começou então a Alcon em 1973, a empresa de construção privada que hoje lidero. Mas não posso deixar de sublinhar que trabalhar cinco anos por conta de outrém foi uma experiência muito enriquecedora.
Não havia riscos em fundar assim uma empresa do nada?
Naquela altura não havia grandes riscos. Era em jeito de contrato. O pagamento era a pronto e isso facilitava o negócio. O investimento era significativo, claro, mas o risco era pequeno, porque uma vez a obra completa recebíamos logo o pagamento e tínhamos capital para avançar para obras maiores.

Ao longo da sua carreira, como consegui desenvolver os seus vários projectos?
Eu poria as coisas desta maneira. Eu hoje estou num nível diferente, trabalho numa divisão superior do que naquela altura. Estou a trabalhar em termos maiores. Tenho cerca de três a quatro milhões de metros quadrados que as pessoas entregam-me a mim para desenvolver, explorar ou vender. Recebo as propriedades, trato das questões legais de demarcação etc, mando aprovar os planos de construção e construo os acessos, forneço o saneamento básico, electricidade etc. É esse o nosso objectivo principal, sob a Alcon Development.
Para além disso, temos a Alcon Constructions Goa Prvt. Ltd. com que construímos prédios, casas etc, incluindo vários hotéis e restaurantes. Temos o Ronil Hotel, o Coqueiro, La Alegria, Aldeia Galé.
A sua última aquisição é o mítico restaurante O Coqueiro, em Porvorim. O que o levou a esta compra?
Eu sempre tive um lado fraco pelo restaurante. Costumava lá ir com a minha namorada em finais dos anos 70 e passava lá muitos bons tempos de infância e juventude. E o proprietário também era um bom amigo meu. Ele sempre me convidava e me tratava como um parceiro, sem pedir qualquer investimento meu. Só me pedia para tratar dos negócios dele e depois da morte dele fiz as devidas compensações e comprei o restaurante.
Ao mesmo tempo você avançou com uma indústria de cimento. Como é que conseguiu desenvolver isso?
Ninguém acreditava ser possível produzir cimento em Goa. Eu sempre entro em algo novo. Até O Coqueiro foi renovado e gosto de dar aos meus projectos um cunho inovador. Até em termos dos negócios de propriedades, o meu estilo é novo em Goa. Do preço total, entrego 60% ao proprietário e mantenho para mim 40% para desenvolver e rentabilizar a propriedade.
Em termos de cimento também inovei. Os vários ingredientes vêm de diversos fornecedores, incluindo Sesa Goa e de Bombaim, e em Goa limitamo-nos a proceder à mistura. Em Bicholim misturamos presentemente cerca de 10 000 sacos de cimento por dia.
Que outras fábricas tem em Goa?
Sim, para além do cimento, nós oferecemos a mistura pronta, o betão para utilização imediata nas obras. Isto tem sido uma grande novidade em Goa, porque reduz drasticamente a poluição ambiental. Só em Panjim evita-se a entrada de centenas de camiões por dia com os vários ingredientes industriais, areia etc. e com isso o pó que se alastra pela cidade. Oferecemos aos engenheiros tudo pronto, tendo em conta a medida, os componentes e todas as especificidades desejadas.
Outro ponto importante é o da mão de obra, que é maioritariamente não-goesa. São de Karnataka, Andhra Pradexe etc. Com esta indústria temos conseguido reduzir a entrada de migrantes não-goeses e ao mesmo tempo recrutar especialistas e engenheiros goeses, mão-de-obra qualificada.
Antes era tudo feito no local. Diariamente há uma capacidade média de fazer 50 a 60 metros cúbicos de betão pela via manual. Com a nossa bomba e serviços automatizados – devem ter visto os grandes camiões vermelhos e amarelos que circulam por aí – é possível entregar 30 metros cúbicos numa hora só.
O Governo devia dar-nos crédito por isto, porque grande parte das obras em Panjim, especialmente para o festival internacional de cinema (2004) ter sido concluído a tempo muito devido ao nosso serviço. O mesmo quanto às obras públicas em Margão. Por enquanto, desde 2003, temos o monopólio, mas há já uma concorrente a ser estabelecida.
Constantino Xavier: A sua actividade no sector da construção tem certamente um forte impacto no plano ambiental. Seja em termos de construção de hoteis na linha costeira ou na produção de cimento no interior. Como é que respeita as condições e necessidades ambientais?
O problema ambiental tem-se agravado, mas também exagerado. Nos países europeus, por exemplo, os hoteis são construídos directamente sob a praia, sem qualquer problema. Na Rep. Dominicana etc. Agora, há um limite de cem metros. Mas como é que há excepções? Veja o Tax Exotica, ali encravado na costa. Os regulamentos nacionais não se podem aplicar a Goa. Há propriedades a vinte, trinta metros da praia e não podem ser exploradas, o que não faz sentido.

Fernando do Rego: Que novos projectos tem para o futuro?
Sim, estou no processo de estabelecer um novo hotel no sul de Goa. Já foi aprovado pela panchayat (autoridade local) e pelo Governo central e que pretendo pôr a funcionar já em 2006. Será um hotel com três estrelas.
Porquê no sul de Goa?
Porque já tenho todas as minhas unidades hoteleiras no norte de Goa. O sul ainda está pouco explorado. Muitos têm medo em investir nessa zona, mas acho que tem grande potencial. Tem 50 km de praia. O norte é bem mais vibrante. E há uma terceira área em expansão na taluka de Pernem (extremo norte costeiro de Goa), Arambol etc.
Tenho uma propriedade de 200 000 metros quadrados em Querim, na ponta norte de Goa, entre a praia e o rio Tiracol. Mantenho-a pendente, porque quando construírem o aeroporto de Mopa porei algo grande por lá. Inclui 800 metros de praia, frente à costa do Mar Árabico. Tudo o que se pode ver do forte, do lado sul, é meu, toda a praia é minha.
Constantino Xavier: Concorda então com a construção de um novo aeroporto internacional em Mopa?
Sim. Há todos os sinais positivos para construir o aeroporto por lá, embora seja uma questão política. Quando o BJP estava no Governo tudo apontava para isso, mas o Congresso e o deputado pelo Sul, Churchill Alemao, estão contra. Mas está tudo aprovado por empresas de consultoria canadianas e francesas, apontadas pelo Governo. Depende tudo da decisão política. Mas a terra não se desvaloriza. Pode esperar cinco, dez anos, várias gerações.
Fernando do Rego: Tem outras ideias, projectos?
As pessoas em Goa não gostam de trabalho, trabalho dedicado. Mas ao mesmo tempo há pessoas com ideias. Eu estou no sector da construção e propriedades e acho que se deve pensar em escalas maiores. Gostaria que mais engenheiros pensassem na seguinte ideia: As propriedades para uso agrícola permitem a construção de 5% de uma habitação para uso pessoa.
Assim, se eu tenho em minha posse, por exemplo, 2000 metros quadrados de propriedade, posso desenvolver três casas em cem metros quadrados, com três quartos cada e dois pisos. Nos restantes 1900 metros quadrados pode-se desenvolver uma grande variedade de árvores e desenvolver a fruticultura. As pessoas mais idosas poderiam viver nas casas e trabalhar os campos – mesmo com ajuda dos mais novos.
Hoje reforma-se muitas vezes na casa dos cinquenta – mas essa é uma idade em que as pessoas ainda têm muita energia e há que explorar isso, dar-lhes actividades. Podem vender depois a fruta e fazer dinheiro com isso. Já estou a trabalhar num modelo, em Margão.
Falamos muito das suas capacidades técnicas e dos seus projectos empresarias. Mas você é também o Vice-Presidente da Socidade de Amizade Indo-Portuguesa (Indo-Portuguese Friendship Society). Quais são os objectos, e porquê o seu envolvimento?
Eu gostaria de encorajar esta associação por toda a Goa, especialmente por causa da língua. A nossa identidade, a nossa maneira calma e sossegada de viver deve-se à influência portuguesa. Os portugueses são um povo educado, simpático. Mas hoje em dia temos tantos documentos históricos em português e é tão difícil conseguir tradutores.
Eu tenho tentado, como mentor da associação, encorajar o português – e não o francês – como língua opcional.  Juntei-me à associação e todo o apoio que recebemos de Portugal tentamos conduzir para as escolas que ensinam o português. É essa uma das principais razões pelas quais em me associei a esse grupo.
Acredita no potencial e futuro das relações entre Portugal e a Índia?
Claro que sim. Já estão a ser exploradas. Se explicar às pessoas como eu lhe expliquei a si a razão para encorajarmos o português, 90% perceberão e apoiarão o português. Há claro uma minoria – que não compreendo – que gosta de se opor.
O consulado tem feito um bom trabalho. Até recentemente houve um grupo de portugueses que tem vindo regularmente num intercâmbio de grande amizade e cooperação. Também os alunos dos nossos cursos de português vão em visitas a Portugal e gostam e aprendem muito. Isto deve ser continuado.
Economicamente há muito potencial. Em termos turísticos por exemplo. Há muitos goeses que querem visitar Portugal, e muitos portugueses interessados em Goa. Devia haver uma forma de intercâmbio, e a nossa associação tem tentado isso. Porque não um vôo directo de três em três meses, em que umas 300 pessoas poderiam ter a oportunidade de ir a Portugal e voltar. E o Governo da Índia tem mantido muito boas relações dinâmicas com Portugal. Há muitas sugestões boas  a serem desenvolvidas.
Esteve em Portugal? Gostou de alguma coisa em particular?
Sim, em 1986, por uns dias em Lisboa. Gostei muito. No tempo dos portugueses falava-se muito de Portugal e confirmei muitas das minhas imagens. Em primeiro lugar a arquitectura. Se estiver nas Fontainhas, o bairro tradicional aqui em Panjim, lembra-se muito de Lisboa. A Rua de Natal, a rua que vai dar aos correios etc. Depois as pessoas são muito simpáticas em Portugal e cooperaram muito connosco, foi uma experiência muito boa.
Podemos referir-nos a si como fazendo parte de uma nova geração. Muita coisa aconteceu durante os cinco séculos de colonização, muitos conflitos entre hindus e católicos. Mas os portugueses saíram. Hoje, Portugal tem uma nova face política desde a revolução do 25 de Abril de 1974. Ao mesmo tempo, nós também temos hoje uma nova Goa. Como acha que se desenvolverão as relações entre católicos e hindus em Goa?
Isto é mais um assunto político. Este suposto conflito é artificial. Foi o mesmo durante o movimento de agitação da língua Concani. Para juntar os católicos de um lado e hindus do outro. Foram interesses obscuros que os quiseram manter separados. Mas os laços são tão fortes que essas crises são temporárias.
Com o movimento pelo Concani pensámos em 1987 a mesma coisa, que seria a separação das duas comunidades. Mas isso é sempre temporário, de poucos meses. Os criadores disto, Churchill Alemao e Ravi Naik estavam opostos um ao outro naquela altura e hoje estão no mesmo partido! Os laços estão lá, geralmente. Muitos dos meus amigos íntimos são católicos. E isso aplica-se a tantos casos. É tudo criado para os jogos de poder político, é essa a minha opinião.
Quanto aos trabalhadores de construção que são de fora de Goa, qual o impacto da sua indústria betoneira? E o que acha do futuro da identidade de Goa?
A minha iniciativa é nova e ainda é cedo para ver o impacto, mas talvez tenhamos reduzido o influxo de não-goeses em 5%. Mas quando isto se generalizar haverá um impacto maior. Claro que há um problema para a identidade. Os goeses não gostam de trabalhar manualmente. Assim, é preciso importar a mão-de-obra. Mas isso reduzir-se-á em 10, 15% muito em breve.
Só na renovação e modernização de Panjim os nossos serviços reduziram a entrada de 2000 ou 3000 pessoas. Eu ajudei indirectamente ao estado de Goa reduzir essa mão-de-obra. Trabalham presentemente para mim umas 800 ou 900 pessoas, 90% dos quais goeses.
Gostaria de enviar uma mensagem aos leitores desta crónica, espalhados pelos quatro cantos do mundo?
Sim, gostaria que voltassem para Goa, porque Goa necessita deles. Aquando da libertação de Goa, em 1961, éramos 600 000 pessoas, hoje quase um milhão e meio. Donde é que vieram estas pessoas todas? Uns 40% são não-goeses. Portanto, se os goeses da diáspora não voltarem, em duas ou três gerações os goeses serão basicamente não-goeses, e Goa estará nas mãos de gente de fora. Temos que pensar seriamente nisto, e gostaria que pensassem nisso.
Senhor Anil Counto, estou aqui como representante do Supergoa.com e tenho o prazer de anunciar que você é a primeira personalidade hindu que eu entrevisto na nossa Goa. Agradeço-lhe pessoalmente e em nome do Supergoa.com e dos nossos leitores.

Mais informações em http://www.alcongoa.com