02-07-2018 O olhar de um angolano na história das relações entre o Brasil e Angola - Filipe Zau
O olhar de um angolano na história das relações entre o Brasil e Angola
África nas aproximações e afastamentos do Brasil
1 de Maio, 2018
Filipe Zau*
As mais recentes redescobertas de África por parte do Itamaraty (Ministério dos Negócios Estrangeiros no Brasil) começaram, em 1961, no efémero Governo do Presidente Jânio Quadros, quando a sua Política Externa Independente (PEI) contrariou o apoio anteriormente proporcionado a Portugal pelos seus antecessores, ao oferecer asilo político aos promotores do assalto ao paquete “Santa Maria”, comandados pelo capitão Henrique Galvão, quase logo a seguir à sua tomada de posse.
Galvão encontrava-se exilado na Venezuela e, após ter embarcado clandestinamente em Coraçau, apossou-se do paquete, desviou a sua rota e procurou chegar a Angola com um grupo de cerca de 18 portugueses e espanhóis ligados ao DRIL (Directório Revolucionário Ibérico de Libertação) para iniciar uma rebelião contra o governo fascista de Salazar.
A PEI de Jânio Quadros, segundo Jerry Dávila, no seu livro «Hotel Trópico; o Brasil e o desafio da descolonização africana, 1950-1980», se opôs à anterior política de Juscelino Kubitschek, o fundador da cidade de Brasília, distanciou o Brasil do automático alinhamento com os EUA e com Portugal e procurou também satisfazer as aspirações brasileiras de se tornar uma potência mundial. Jânio abriu representações diplomáticas no Ghana, na Nigéria e no Senegal, procurando dar sentido à invocação repentina de que o Brasil se havia tornado em uma democracia racial, o que também significava manifestar o apoio à descolonização das colónias portuguesas em África e estabelecer conexões com os novos países deste continente. A PEI foi arquitectada por Afonso Arinos – autor da lei que, em 1954, proibiu a discriminação racial no Brasil (vulgo, “Lei Afonso Arinos”) – foi seguida pelo seu sucessor João Goulart, até o mesmo ser deposto por um golpe militar, em 1964. Entretanto, já decorria o processo para a independência de Angola e, desde o início da década de 60, as grandes mutações em prol das autonomizações políticas na África sub-sahariana.
O governo de Castelo Branco retrocedeu o sentido da política externa brasileira e, em estreita colaboração com a PIDE, aprisionou os apoiantes dos movimentos de libertação das colónias portuguesas e restabeleceu as anteriores ligações com os EUA e Portugal. O novo ministro das Relações Exteriores do Brasil, Juracy Magalhães, declarou que “tudo o que é bom para os Estados Unidos também é bom para o Brasil”. Na mesma linha, entrevistado por um jornalista português do já extinto Diário Popular, no dia 24 de Agosto de 1966, complementou esse seu sentimento: “Tudo o que acontece de bom para Portugal é recebido com imenso agrado pelo Brasil”.
No período de 1969 a 1974, com o crescimento de uma taxa média anual de mais de 11 por cento na economia brasileira, a necessidade de promover as exportações reencontram o caminho de África e o ministro das Relações Exteriores do Brasil, Mário Gibson Barboza volta à política de cooperação, arrefecida, desde 1964, com os países africanos e procura intermediar negociações com Portugal. Iniciou, em Outubro de 1972, uma visita a oito países da África Ocidental para superar o “ressentimento africano” e procurou abrir portas às exportações brasileiras, o que não foi bem aceite pelo governo português de Marcelo Caetano. “Paralelamente, quando, em Outubro de 1973, os EUA enviaram aviões com material militar para Israel, durante a Guerra do Yom Kipur, (também conhecida por “quarta guerra árabe-israelita”, “Guerra do Ramadão”, “Guerra de Outubro” ou “Guerra Árabe-Israelita” de 1973”), os países árabes responderam com um bloqueio de petróleo, ao qual os países africanos também aderiram.
O Brasil importava mais de metade do petróleo para as suas necessidades, escapou por pouco ao boicote. Mas a sua economia destabilizou-se, devido à subida do preço do petróleo mundial em dez vezes mais. “Para Barboza, as relações com Portugal eram uma ‘hipoteca’ que o Brasil não podia pagar. O sucessor de Médici, Ernesto Geisel, concordou. Como presidente da Petrobrás durante o bloqueio do petróleo, Geisel tinha percebido os imensos custos económicos da afeição com Portugal. Porém, como presidente, não teve a oportunidade de mudar a política brasileira neste aspecto antes da Revolução dos Cravos, que derrubou a ditadura salazarista em Portugal, em Abril de 1974”.
Desejoso de restaurar a credibilidade do Brasil junto dos países africanos, Geisel fez com que o Brasil fosse a primeira nação a reconhecer o governo independente de Angola, apesar da forte influência socialista que norteava o governo deste país. Uma decisão que se enquadrava numa nova política externa que o regime militar brasileiro apelidou de “pragmatismo responsável”. O governo brasileiro acabou por se distanciar dos EUA, acreditando que o “milagre económico brasileiro” estava em ascensão e os EUA se encontravam em declínio.
* Ph. D em Ciências da Educação e Mestre em Relações Interculturais
Fonte:África nas aproximações e afastamentos do Brasil | Artigos | Opinião | Jornal de Angola - Online
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