15-08-2005Um encontro com CristoFrancisco G. de Amorim Um encontro com Cristo Já, tantas vezes, nos foi dito que Cristo anda por aí, neste mundo, disfarçado, em cada um dos nossos semelhantes, sobretudo naqueles a quem a sorte menos favoreceu, ou no princípio, ou no meio, ou no fim da vida. “Aquilo que fizerdes a cada um dos mais pequeninos...” Apesar de ver os anos a carcomerem-me o físico, um desafio irrecusável, feito há dias por um sobrinho do coração, filho dum enorme amigo, infelizmente já fora desta terra, veio reacender a esperança de ver realizado um sonho que, talvez infantilmente, fui acalentando desde a mais tenra mocidade: sair um dia, à vela, atravessar esse “mar salgado que é português”, sondar o insondável, e sentir o que os nossos avós sentiram quando se aventuraram ao desconhecido, a unir povos, o mundo, que apesar de tanta aproximação, muitos teimam em querer manter afastados. O desafio, para um “jovem” da minha idade: acompanhá-lo numa ida de barco à vela, entre o Rio de Janeiro e Luanda, e com a ajuda da Senhora dos Navegantes, regressar! Meu Deus! Que sensação fantástica! Como o físico não dá já para grandes esforços fui “designado” cozinheiro, navegador e contador da história! P orque esta história tem que ser contada. P reparativos, estudos de marés, correntes, ventos, navegação astronômica, apesar de obsoleta, aprendida há mais de trinta anos e quase toda esquecida, esmiuçar a necessária segurança, mantimentos, primeiros socorros, distração a bordo, etc.. Uma tarefa grande que deve ser precisa e meticulosa. Entre os afazeres, encontrar uma bandeira de Angola, para envergar, como cumprimento e cortesia ao entrar em águas territoriais daquele saudoso país. A bandeira de Angola, há anos que estará para ser alterada, mas as discussões sobre o assunto não acabaram ainda. P ara me certificar de que não encomendaria a bandeira errada, e obter informações sobre o visto de entrada, fui ao Consulado de Angola, no Rio de Janeiro, e encaminharam-me ao Adido Cultural. Jovem - da idade dos meus filhos - filho de muxiluandos, foi dizendo que tinha sido educado na Casa dos Rapazes de Luanda! Um tremendo baque me atingiu! Há quase quarenta anos o acaso me levou a visitar aquela instituição, que albergava cento e sessenta rapazes, a maioria dos quais não tinha família. Dediquei algumas horas e dias do meu tempo livre a colaborar para alegrar um pouco a vida daquelas crianças, sempre levando junto os meus filhos para que com eles brincassem e sentissem os seus problemas. P or uma brincadeira (que descrevi no meu livro “Contos P eregrinos a P reto e Branco” de 1998) fiquei conhecido no meio da garotada pelo apelido de “O caçador”! Atrevi-me a perguntar ao Adido se ele se lembrava de ter ouvido falar num indivíduo a quem tinham posto este nome! Lembrava, sim. “ P arece-me que tinha um Volvo... e morava ali... perto da Igreja da Sagrada Família!” Fiquei sem fala; e as lágrimas não puderam deixar de aflorar. Naquele tempo rapazinho de talvez oito ou dez anos, lembrava-se de tudo, e até de ter estado em minha casa, para onde às vezes eu levava alguns daqueles rapazes a almoçar conosco! Quando lhe disse que “o caçador” era eu, foi a vez dele se emocionar! Num abraço muito forte, muito amigo, senti que estava a abraçar o próprio Cristo, já não num menino, mas num homem a quem a vida acabara transformando num homem consciente e orgulhosamente reconhecido à Obra que o ajudou a crescer! Um orgulho humilde! Que belo começo da nossa, em breve, navegação. |