15-08-2005Contos sobre a minha terra: AçoresEduarda Fagundes * Viaturas públicas, populares, não havia no Faial daquele tempo. Só duas ou três pessoas, os maiorais da Ilha, possuíam carros particulares. O restante da população usava o meio mais primitivo e eficaz de deslocamento, os próprios pés, embora houvesse carros de aluguel na cidade, carros de bois no campo e bicicletas para boa parte dos rapazes. Mas para mim, uma criança de 7 anos, que aventura era caminhar, à noite, pelas estradas do Faial! Meu coraçãozinho infantil disparava de euforia antecipada quando papai, após o jantar, resolvia ir até a P raia do Almoxarife, onde moravam alguns dos nossos parentes. Não era a visita que me deixava agitada e sim a possibilidade do passeio noturno. O caminho era uma longa e larga ladeira calçada de paralelepípedos que se deitava sobre uma colina e que terminava se espairando numa extensa área de areia escura, basáltica, à beira mar. Ladeando o caminho muros de pedra vulcânica, casas brancas com jardins de hortênsias e silvados de amoras deitavam sombras no caminho. Agasalhados com espessos sobretudos de lã, saíamos sob a luz argêntea do luar. O ar úmido e frio que soprava do lado do mar fazia o sangue correr mais rápido nas veias e deixava as nossas faces geladas e vermelhas. A respiração saía como vapor das narinas e bocas. Cadenciados, nossos passos ressoavam na noite anunciando aos moradores da beira do caminho que pessoas passavam. Mamãe, uma bonita jovem de 26 anos, laçava o braço de meu pai e dava a outra mão à minha irmã, enquanto eu, mais velha, ia à frente deles, saltitante, abrindo alas, desbravando o caminho. Sentíamos como se fossemos verdadeiros aventureiros da noite. Lembrávamos histórias antigas de bruxas e assombrações que fantasiavam e excitavam a imaginação. P ara afastar o medo, cantávamos. De vez enquanto eu fechava os olhos, escutava os sons da noite, sentia o vento no rosto, caminhava adivinhando o trajeto da ladeira tantas vezes percorrido .Às vezes, percebendo-me adiantada, receosa, retrocedia a eles, procurando ansiosa a mão segura e protetora de meu pai, que, então, benevolente, sorria. Era um tempo de infância e alegria em que se podia andar pelos caminhos de pedra dos Açores, quando só as sombras da noite e as histórias antigas de assombrações nos amedrontavam. * Maria Eduarda Fagundes , Uberaba MG,Brasil |