30-11-2017Timor-Leste: o retorno da “democracia beligerante”?Com o escalar da retórica, a “democracia consensual” que se havia anunciado volta a dar lugar a uma “democracia beligerante”. Em finais de 2014, vésperas do anúncio do VI Governo Constitucional que ficaria conhecido como “Governo de Inclusão Nacional”, o ministro Ágio Pereira, braço direito de Xanana Gusmão e homem sempre presente nos bastidores da política timorense, reflectiu publicamente sobre o que se anunciava e que já vinha a ganhar contornos desde as eleições legislativas de 2012, materializado na aprovação por unanimidade de sucessivos Orçamentos de Estado: Timor-Leste estaria a assistir à substituição de uma “democracia beligerante” por uma “democracia de consenso”. O novo governo foi liderado por Rui Maria de Araújo, um importante quadro da Fretilin, que aceitou esse encargo “enquanto cidadão” uma vez que não foi assinado nenhum pacto entre os quatro partidos com assento parlamentar que passaram a ter quadros seus no governo. Essa “democracia consensual” sobreviveu dois anos e meio, até à ronda eleitoral de 2017.
No início deste ano, pareciam estar criadas condições para que o entendimento entre os dois principais partidos timorenses — Fretilin e CNRT — tivesse continuidade. Uma sondagem encomendada pela Asia Foundation revelou que 58% dos timorenses entendiam que o país estava a caminhar na direcção certa, e outros tantos declaravam que o comportamento dos líderes políticos na luta de resistência era o principal motivo das suas escolhas. Apenas uma nuvem parecia pairar no horizonte: o Presidente da República de então, Taur Matan Ruak — que muitos acreditam ter tido um papel importante na pacificação das relações entre os partidos parlamentares e na formação do VI Governo —, passou a distanciar-se e mesmo a criticar ferozmente as orientações estratégicas do governo, formou um partido próprio (Partido da Libertação do Povo) e prescindiu de se recandidatar em nome da disputa das eleições legislativas. Contrariamente ao que se verificara em 2007 e 2012 e é normal em eleições presidenciais a duas voltas que permitem aos partidos e aos cidadãos em geral apresentar uma grande variedade de candidatos para suscitar o “voto do coração” antes de se formarem coligações mais ou menos formais em torno dos dois mais votados para apelar ao “voto da razão”, em 2017 houve um entendimento prévio entre Fretilin e CNRT em torno da figura de Francisco Guterres Lu Olo, presidente do primeiro destes partidos. Sem surpresa, Lu Olo ganhou folgadamente as eleições de Março, passando a ser o primeiro Presidente timorense formalmente ligado a um partido político, uma vez que os três antecessores sempre tinham reivindicado para si o estatuto de “independentes” sem filiação partidária. Parecia que a continuidade da fórmula governativa de “inclusão nacional” dera um primeiro passo para se renovar.
Opinião. Timor-Leste: o retorno da “democracia beligerante”?
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