Iclas - Instituto de Culturas Lusófonas
Antonio Borges Sampaio


01-04-2009

Guiné Bissau e a hora da verdade por Paulo Martins e Didinho


Entrevista com… Fernando Casimiro (Didinho)


“A vida só tem sentido se, para além de nós,
outros também puderem viver”


GUINÉ-BISSAU E A HORA DA VERDADE!...
Paulo M. A. Martins (*)
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Antes da Revolução dos Cravos – 25 de Abril de 1974, em Portugal, a 24 de Setembro de 1973, o PAIGC – Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde, fundado por Amílcar Cabral, declarou, unilateralmente, a independência da Guiné-Bissau, nas matas de Madina do Boé. Mas, a 20 de Janeiro de 1973 - Amílcar Cabral, havia sido assassinado em Conacri, vítima de um ajuste de contas que não merecia.

Anos depois, a 14 de Novembro de 1980, João Bernardo “Nino” Vieira, através de um golpe de Estado, arrasou o grande sonho de Amílcar Cabral de fazer da Guiné-Bissau e de Cabo Verde um país único, ou, pelo menos, uma união de Estados capaz de se impor aos desígnios hegemónicos dos governos de Dacar e Conacri, assim como desmembrou o PAIGC por ele fundado, o que se traduziu na sua segunda morte… os passados dias 1 e 2 de Março a paz, já bastante debilitada na Guiné-Bissau, foi ensombrada pelos trágicos e bárbaros assassinatos do Presidente da República, João Bernardo “Nino” Vieira, e do CEMGFA - Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas, Major-General Baptista Tagmé Na Waie.

No dia imediato, terça-feira, 3 de Março, Raimundo Pereira que presidia à ANP – Assembleia Nacional Popular, assumiu interinamente a chefia de Estado e prestou juramento perante os deputados, pelo que, nos termos constitucionais, o novo presidente da República da Guiné-Bissau será eleito no prazo de 60 dias.


Para nos falar sobre a actual conjuntura política e social que, actualmente, se vive na Guiné-Bissau, o papel da CPLP – Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, o regresso de guineenses na diáspora à mãe-pátria, o Estado de Direito Democrático e as próximas eleições presidenciais, convidámos Fernando Casimiro (Didinho), em Lisboa (Portugal), também na diáspora, é um elemento privilegiado nas relações com a sociedade guineense e produtor responsável pelo do Projecto Guiné-Bissau – CONTRIBUTO e o site “www.didinho.org”.

A entrevista…

O POVO - Decorridos cerca de 36 anos, sobre a independência da República da Guiné-Bissau, qual o balanço que lhe merece a evolução do país sob o ponto de vista político, económico, social e cultural?
Fernando Casimiro - Um balanço que se situa entre a desilusão e a esperança num percurso educativo de um país que urge refundar.

O POVO - Em ordem à consolidação institucional da Guiné- Bissau, enquanto Estado livre e soberano, quais as grandes dificuldades enfrentadas pelo sistema político guineense e como superá-las?
Fernando Casimiro – A principal dificuldade reside na incapacidade de interpretação, bem como, no desrespeito pela Constituição da República da Guiné-Bissau. Basta seguir as directrizes estabelecidas na Constituição, que, em boa verdade, carece de revisões profundas, para que haja equilíbrio e funcionalidade institucional.

O POVO - Em sua opinião, quais (presumíveis) autores dos atentados ocorridos e as razões que estiveram subjacentes a estes trágicos acontecimentos, que acabaram por lançar a Guiné-Bissau na instabilidade política e social?
Fernando Casimiro - A instabilidade política e social tem sido uma constante na Guiné-Bissau e, quer uma, quer a outra figura, ora desaparecidas, contribuíram sobremaneira para que assim fosse. Ambos estruturaram e sustentaram grupos de terror camuflados em militares republicanos, mas que nunca deixaram de ser apenas grupos ao serviço de ambos e não da República. Ambos foram mortos por acções militares, num ajuste de contas que se fundamenta, essencialmente, nas ligações cruzadas de ambos com o narcotráfico.

O POVO - Nos últimos anos, a Guiné-Bissau tem vindo a ser apontada como uma importante placa giratória do narcotráfico internacional. O que se lhe afigura pertinente dizer sobre esta gravíssima situação? Como erradicá-la?
Fernando Casimiro - O narcotráfico não foi imposto à Guiné- Bissau, mas sim, “adoptado” pelas esferas mais altas da estrutura do poder, o que por si só explica a sua sustentação, ramificação e impunidade no país. Acabar com o narcotráfico de Estado no caso da Guiné-Bissau, implica agir contra governantes e militares envolvidos. Implica o assumir de compromissos e responsabilidades do poder judiciário. Implica o respeito pela Constituição, no que tange à separação de poderes entre o executivo e o judiciário. Implica, igualmente, o apoio da Comunidade Internacional, pois a Guiné-Bissau não tem meios materiais para um combate directo a uma praga que está enraizada em muitos países da África ocidental.

O POVO - Atento o quadro de a Guiné-Bissau se reclamar e considerar um Estado de Direito Democrático, como avalia a sua evolução? O quadro actual, tal como funciona, dá resposta plena às dificuldades e carências do País e dos guineenses?
Fernando Casimiro - A Guiné-Bissau considera-se um Estado de ireito Democrático por mera formalidade, pois as respostas práticas perante as constatações reais demonstram que o país tem sido dirigido ao longo dos anos por ditaduras camufladas, que obviamente, condicionam as liberdades dos cidadãos e, consequentemente, impedem a participação activa de mais-valias nacionais, no processo construtivo da Paz, Estabilidade e Desenvolvimento do país

O POVO – No dia 17 de Julho de 1996, foi assinada, em Lisboa, a Declaração Constitutiva da CPLP – Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, assumindo-se como o foro multilateral privilegiado para o aprofundamento da amizade mútua, da concertação político-diplomática e da cooperação entre os seus membros, com o objectivo de promover a cooperação económica, social, cultural, jurídica, técnico-científica e difusão da língua portuguesa. Decorridos cerca de 13 anos de existência, qual o balanço que lhe merece a sua acção interventiva, atentos os objectivos que a caracterizam? Como preconiza o seu funcionamento e articulação com os países que integram a CPLP, particularmente com a Guiné- Bissau?
Fernando Casimiro - A CPLP não tem correspondido aos objectivos para que fora criada, porquanto continuar a resumir-se a uma Comunidade de Governantes e não dos povos falantes da língua portuguesa. É preciso abrir a CPLP aos nossos povos. É preciso que os nossos povos saibam o que é a CPLP, por que foi criada e para que serve. É preciso fazer com que a CPLP seja, de facto, um elo de ligação entre todos os povos lusófonos, sem paternalismos nem hipocrisias na forma de relacionamento, que deve ser na base do respeito e da cordialidade, em suma, da fraternidade.

O POVO - No actual quadro de situação da Guiné-Bissau, vão ser realizadas, dentro de dois meses, eleições presidenciais. Como perspectiva esse período e o após eleições?
Fernando Casimiro - As eleições num prazo de 60 dias obedecem ao estipulado na Constituição da República perante o contexto actual.
Dadas as fragilidades institucionais, cabe ao Presidente da República interino e ao Governo a tarefa de sensibilização da moral pública guineense, apelando à Unidade Nacional e ao compromisso dos guineenses para com a República. Os guineenses devem acreditar nas potencialidades do país e, por isso, devem votar, escolhendo o candidato que melhores garantias oferecer com base na Paz, Estabilidade e Desenvolvimento. O povo guineense deve repudiar daqui em diante todas as tentativas posteriores de alterar pela força, ou por estratégias ilegais, o seu voto nas urnas. O país deve optar pela via pacífica e democrática na resolução dos problemas políticos e sociais

O POVO - No seu entendimento, admitiria a formação de um Governo de Transição, saído de eleições livres e democráticas, que funcionaria, durante o mandato constitucional, sob os auspícios da ONU para, prioritariamente, implementar as reformas em ordem ao estabelecimento da normalidade, da estabilidade, do progresso e da Paz na Guiné-Bissau?
Fernando Casimiro - Teremos apenas eleições presidenciais, sendo que o Governo em funções provém das legislativas de Novembro passado e ainda não fez passar na Assembleia Nacional Popular (por motivos de força maior) quer o seu programa de governação, quer o Orçamento Geral do Estado. Posto isto, o Presidente a ser eleito deverá preocupar-se com as atribuições que lhe são conferidas pela Constituição e seguir atentamente o cumprimento ou incumprimento do Programa do Governo.
Este deve dar seguimento às reformas estabelecidas no seu programa, solicitando apoios internacionais, se necessário, para as suas execuções. Chega de governos de transição ou de unidade nacional. A Guiné- Bissau necessita de Governos constitucionais que cumpram os prazos de mandato estipulados, para que haja tempo para a implementação dos programas.

O POVO - Sob que condições prevê que se possa verificar o regresso dos muitos guineenses, actualmente na diáspora e na resistência, para iniciarem a reorganização e reconstrução do País, em ordem à recuperação de mais de três décadas perdidas, para que o Povo guineense possa, definitivamente, aspirar ao seu bem-estar em liberdade e em democracia?
Fernando Casimiro - O regresso passa, naturalmente, pelo respeito pela liberdade de pensamento e de acção dos que estando fora do país, tendo ideias e opiniões divergentes com os dos diversos regimes até aqui implantados no país, querem também contribuir para uma Guiné-Bissau positiva, sem que isso ponha em causa as suas vidas e as dos seus familiares directos, uma vez regressados ao país. Todos juntos somos poucos para a grandiosa tarefa da reconstrução nacional e, nesta perspectiva, todos os amigos da Guiné-Bissau são bem-vindos!

O POVO - Para concluir, pedir-lhe-ia que dedicasse uma Mensagem aos nossos leitores.
Fernando Casimiro - Caro Leitor, se nos acompanhou até aqui, é sinal de que se interessou ou está a interessar-se pelos problemas da Guiné-Bissau em particular e, da Lusofonia em geral. É desta forma, dando-nos a conhecer, que podemos partilhar as nossas experiências e sucessos na Comunidade dos países e povos de língua portuguesa, fortalecendo-a e pondo-a ao serviço de todos nós! Muito obrigado!

O POVO – Nós é que lhe agradecemos. O nosso Bem Haja, felicidades para si e, sobretudo, boa sorte para os destinos da Guiné-Bissau! Até sempre!

Nota: a entrevista foi concedida a 14 de Março de 2009, ou seja, antes da aprovação do Programa
do Governo


QUEM É QUEM…

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FERNANDO CASIMIRO
(Didinho) nasceu em Bissau a 15 de Agosto de 1961. Desportista polivalente, após concluir o ensino liceal foi professor de Judo, tendo participado algumas manifestações nacionais e internacionais da modalidade.
Em Novembro de 1981, deixou Bissau, rumo a Angola, onde veio a ingressar na marinha mercante grega, tendo em 1984 atingido o posto de oficial maquinista naval. Viajou por mais de 60 países de todo o Mundo. Depois de deixar a marinha em 1988, fixou residência em Portugal, onde trabalha na área de Manutenção Industrial e Metalomecânica.

www.didinho.org

Empenhado no desenvolvimento e promoção do seu país, criou em 2003 o Projecto “Guiné-Bissau: Contributo” com o objectivo de sensibilizar a opinião nacional e internacional para os problemas da Guiné-Bissau e de contribuir para a busca de soluções. O seu site, mais do que uma referência, é o ponto de encontro, obrigatório, com a Guiné-Bissau. É autor de vários artigos, nomeadamente sobre a Guiné-Bissau, e colabora com diversos órgãos de Comunicação Social.

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(*) Jornalista Luso-Brasileiro radicado em Fortaleza (CE) Brasil
Entrevista publicada em 28.03.2009 no jornal O POVO
http://www.opovo.com.br/opovo/internacional/866023.html
Jornalista Paulo M. A. Martins analisa Guiné-Bissau
www.opovo.com.br/conteudoextra