08-04-2006 Correspondentes em Portugal de mídia africanas
O jornalismo da pacificação contra as notícias distorcidas JOÃO PACHECO Os três jornalistas dos PALOP em Portugal são unânimes na crítica à forma como África e os seus imigrantes são retratados pelos média portugueses. Hoje Marco Rocha será uma das caras mais reconhecidas pelos telespectadores cabo-verdianos. Ele que chegou a ser olhado com a desconfiança dedicada aos polícias à paisana, quando tentava apenas falar sobre pratos tradicionais da Consoada com membros da comunidade cabo-verdiana residentes num bairro degradado da Amadora. Foi durante a sua primeira reportagem como correspondente em Portugal da Rádio Televisão de Cabo Verde (RTV). Era Novembro e Rocha pensou em contar como a comunidade cabo-verdiana radicada em Lisboa planeava passar o Natal. Foi até ao bairro da Azinhaga dos Besouros e começou a tentar falar com imigrantes cabo-verdianos. "Cheguei ao bairro às quatro da tarde e a primeira pessoa falou comigo às sete ou às oito", conta o jornalista, achando piada à sua ingenuidade de há quase dez anos. Além de ter a pele mais branca que negra, Marco chegou vestido de gravata e a falar português. "Ficaram alarmados, pensaram logo: Este não é cabo-verdiano, é português." O jornalista não correspondia mesmo ao modelo de operário da construção civil, considerado no bairro como sinónimo de "imigrante cabo-verdiano". Aliás - para lá de auto-retratos redutores - a imagem dos imigrantes é distorcida também pelos média portugueses, considera Marco Rocha. E defende que os média deviam ter"outra postura" em relação às comunidades imigrantes: "Tens notícia de primeira página quando um imigrante matou alguém. Não tens primeira página quando o filho de um imigrante ganhou uma medalha de ouro." Os imigrantes são "um bocado esquecidos [pelos média], só são lembrados quando há alguma desgraça". A partir dessa primeira experiência na Azinhaga dos Besouros, o único correspondente a tempo inteiro da RTV e da agência noticiosa estatal Inforpress passou a falar sobretudo crioulo de Cabo Verde com os seus entrevistados da diáspora. Cabe-lhe fazer a cobertura noticiosa dos assuntos relacionados com as comunidades cabo-verdianas de quase todo o mundo e está sediado em Lisboa. Por vezes trabalha em outros países, mas a base é este pequeno escritório lisboeta na sede da agência Lusa. Um espaço cedido pela Lusa, graças a um protocolo de cooperação entre a agência de notícias portuguesa e as suas congéneres de países africanos de língua oficial portuguesa (PALOP). No caso do jornalista da RTV a cooperação estende-se ainda à RTP, que lhe cede equipa de filmagem e transporte. E com quem Marco Rocha colabora há sete anos, fazendo trabalhos transmitidos sobretudo pela RTP África. Actualmente haverá em Portugal correspondentes a tempo inteiro de meios de comunicação de três PALOP: Cabo Verde, Angola e Moçambique. E esses três jornalistas são os que restam de equipas um pouco maiores que foram reduzidas nos últimos anos. Mesmo tendo em conta a tendência de desinvestimento em correspondentes, os média espanhóis têm 13 correspondentes em Portugal e os meios de comunicação do Brasil contam com cinco jornalistas. Isto contando apenas com os membros da Associação da Imprensa Estrangeira em Portugal. O trio de correspondentes de média dos PALOP faz de Lisboa a sua base de trabalho. São eles o angolano Jorge da Conceição e o moçambicano Sérgio Ngoca, além do já referido Marco Rocha. Até onde der o passe LI Comparados com as condições de trabalho do jornalista da televisão cabo-verdiana, os meios ao dispor de Sérgio Ngoca são muito modestos. Nada que deixe desanimado o correspondente em Portugal da Agência de Informação de Moçambique (AIM), tendo em conta que é funcionário da agência estatal de "um país catalogado como o mais pobre do mundo", mas que tem delegação em Portugal desde os anos setenta. As condições de trabalho são "muito difíceis". Ou seja, "as possíveis", vai dizendo com o seu sorriso fácil. O que significa restringir muitas das deslocações ao perímetro coberto pelo passe social LI, algumas corridas de táxi e boleias oferecidas por outros correspondentes. O correspondente da AM fala sentado à secretária do seu pequeno gabinete alugado pela Lusa no centro de Lisboa. De ambos os lados há fotografias emolduradas em que aparece a entrevistar Mário Soares e António Guterres. E na parede atrás de si está pendurado um mapa político de África em mau estado. Apesar das suas condições de trabalho, Ngoca não tem dúvidas em dizer que "as grandes apostas - dizem os entendedores - estão viradas para África. A Europa já deu o que tinha a dar". E por falar em economia, pega num jornal diário dedicado à actualidade económica, aproveitando para dar um exemplo dos "deslizes" recorrentes dos média portugueses no tratamento de assuntos relacionados com África. "Este colega nem leu o memorando...", lamenta Ngoca, referindo-se a um documento assinado pelos Governos moçambicano e português. "Eu recorto isto e guardo para ver como não aprendi nada." Em geral África é "mal vista" pelos média portugueses, diz Ngoca. "Só se fala em corrupção, doenças, guerras... E não vêem que também há coisas que estão a ser feitas para eliminar a corrupção, curar as doenças, acabar com as guerras." O jornalista angolano Jorge da Conceição concorda nas críticas aos média portugueses: "Aqui politiza-se muito a coisa", diz este jornalista especializado em política mas que - como correspondente da agência estatal Angop - trata todo o tipo de assuntos. "O jornalismo é responsabilidade e muitas vezes é pacificação", defende Conceição. "Há algum exagero da nossa liberdade, às vezes: uma notícia mal dada pode ser conflituosa depois." Além de professor de Jornalismo, o jornalista foi assessor de imprensa do Ministério do Interior de Luanda e considera que a liberdade de imprensa "começa a dar os primeiros passos em Angola: os jornais privados às vezes até exageram". Ao correspondente em Portugal da Angop cabe fazer "a cobertura de tudo o que tem a ver com a comunidade angolana", desde política a futebol. Além de escrever sobre todo o tipo de assuntos, Conceição faz as vezes de repórter fotográfico. Não tem "tempo para ir muito para zonas mais degradadas" onde vive parte da comunidade angolana. Prefere falar de razões para ter orgulho em ser angolano. Como do futebolista Pedro Mantorras, que ainda ontem entrevistou. Três percursos africanos Marco Rocha O mítico dia em que descobriu Cabo Verde no B-leza. Quando chegou a Portugal, Marco Rocha teve um "grande choque". É que quando o imigrante cabo-verdiano volta para casa aparece com jóias de ouro e gravata, conta o correspondente em Portugal da RTV e da Inforpress. Já em Lisboa, Rocha ficou a conhecer as condições reais em que vive parte da comunidade cabo-verdiana. Em Cabo Verde já trabalhava na televisão e chegou a Lisboa em 1997 para integrara delegação da RTV como jornalista. Entretanto passou a ser o único membro da delegação e colabora há sete anos com a RTP, sobretudo com a RTP África. Licenciou-se em Ciências da Comunicação entre Lisboa e Porto, ao mesmo tempo que trabalhava como jornalista. Em Lisboa, Marco sente-se em casa e fala da sua primeira ida à discoteca B-Leza como um dia mítico. "Como dizia o outro, Lisboa é a 11a ilha de Cabo Verde." Jorge da Conceição Huambo, Moscovo, Luanda, Zâmbia e Lisboa Antes de ser nomeado correspondente da Angop em Portugal em 2001, Jorge da Conceição esteve um ano na Zâmbia, a acompanhar o processo de paz angolano. Foi professor de Jornalismo em Luanda, intérprete de castelhano e assessor de imprensa do Ministério do Interior. É jornalista da Angop há 22 anos e foi editor de um programa de rádio das Forças Armadas angolanas, com o objectivo de desmobilizar as forças da UNITA. Antes, estudara dois anos de Agronomia no Huambo e Jornalismo em Moscovo, onde foi jogador de basquetebol nas horas vagas. Agora trabalha como jornalista da Angop e gere a imagem de um piloto de Fórmula 3 que corre com as cores de Angola. Além de automobilismo e basquetebol, Conceição gosta de futebol: "Sou benfiquista há muitos anos e sinto quando o Benfica não ganha. O Mantorras precisa de mais oportunidades, mais horas de jogo." Sérgio Ngoca Um moçambicano num dos cantos do mundo A música / Fell Good do telemóvel corta o discurso do jornalista moçambicano Sérgio Ngoca. Estava a dizer que "há uma subtileza no racismo português, com algum paternalismo". Concluirá que o racismo "continua a ser a tal grande estupidez que anda no mundo". Ngoca tem 45 anos e um curso médio de Jornalismo trazido de Moçambique, onde já trabalhava para a Agência de Informação de Moçambique desde os 23. Veio para Lisboa em 1997 já como correspondente da AIM e licenciou-se em Direito. Neste momento está a fazer um mestrado em Estudos Africanos no ISCTE e colabora esporadicamente com o jornal moçambicano Notícias. Pelo meio de opiniões sobre média, política internacional e outros assuntos sérios como a importância do estudo, Ngoca vai falando das suas dificuldades logísticas. Uma delas é o transporte. "Aqui não há essa coisa de esticar o dedo [boleia]. Se calhar por não ser tão clarinho ninguém pára, aceleram ainda mais. Isto é um pouco de humor..." Terá que ir embora já a seguir porque tem uma reunião marcada na Embaixada de Moçambique. O mais provável é ir a pé ou de transportes públicos: "O meu selo [de passe social] é o L1: aí sei que encontro a comunidade." Ou como dissera há pouco, "a minha comunidade". Mesmo com as condições mínimas, Sérgio Ngoca considera que "seria bom se em cada canto do mundo houvesse alguém de Moçambique a reportar. Em cada canto do mundo que decide sobre o outro mundo". PUBLICO - 08.04.2006
http://macua.blogs.com/moambique_para_todos/2006/04/correspondentes.html
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