Iclas - Instituto de Culturas Lusófonas
Antonio Borges Sampaio


08-01-2022

Carlos Fino publica em livro tese defendida na Universidade do Minho


O jornalista Carlos Fino, que foi correspondente da RTP em Moscovo, Bruxelas e Washington, acaba de lançar o livro “Portugal-Brasil: Raízes do Estranhamento”. Editada pela Lisbon Press, a obra de 500 páginas é fruto da sua tese de doutoramento em Ciências da Comunicação na Universidade do Minho, em conjunto com a Universidade de Brasília.

 

Apesar do reiterado discurso político-diplomático sobre os "laços de sangue e de amizade", Carlos Fino – na sequência de outros autores que se debruçaram sobre o relacionamento bilateral – considera  haver “um estranhamento” mútuo, impedindo o aprofundamento das relações: os portugueses tendem a subvalorizar o Brasil, enquanto o Brasil alimenta, desde a independência há 200 anos, um antilusitanismo que se prolonga até hoje nos livros didáticos e nos média. Um sentimento que, diz, de tão repetido se naturalizou, a ponto de muitas vezes não ser sequer consciente.

 

De acordo com o autor, tal faz parte do próprio DNA da nacionalidade brasileira, que, para se formar, teve que se contrapor à portuguesa. Esse antiportuguesismo de caráter histórico não se estende, é certo, ao Portugal contemporâneo, que muitos brasileiros apreciam, onde milhares trabalham e muitos adquirem casa, em busca de melhor nível de vida e segurança; mas isso não apaga o preconceito enraizado contra a herança lusitana, vista pela corrente lusófoba dominante como a origem de todos os males do Brasil, refere.

 

Exemplo flagrante desse antilusitanismo – que começou ainda no século XIX, com os liberais do Império, se acentuou na República com os jacobinos e se prolongou, a partir dos anos 50 do século XX, na intelectualidade de inspiração marxista – é o facto de o Brasil não celebrar sequer a chegada de Pedro Álvares Cabral, claro sinal de rejeição do ato fundador, como já notara Eduardo Lourenço.

  

Carlos Fino realça que o aumento das trocas e dos fluxos humanos a que assistimos nos últimos anos não chega para reduzir o estranhamento instalado. Para o investigador, Portugal “tem, por um lado, que debater o lado maldito da sua herança colonial”, ainda marcada pela exaltação salazarista de feitos como os Descobrimentos, e por outro “garantir presença mediática muito mais visível e persistente no Brasil, designadamente através da agência Lusa e da RTP, "que desde os anos 90 tem uma RTP-África, mas inexplicavelmente nunca criou uma RTP-Brasil". 

 

Nota biográfica

 

De fortes raízes familiares na vila de Fronteira, no Alto Alentejo, Carlos Fino nasceu há 73 anos em Lisboa. Foi perseguido pela PIDE por se opor ao Estado Novo e fugiu para Paris, tendo atravessado a fronteira a salto. Cursou Direito na ULB - Université Libre de Bruxelles até ser convidado para locutor e tradutor em Moscovo. Regressou a Portugal a seguir ao 25 de Abril, tendo trabalhado na agência Nóvosti, em jornais e na antiga Emissora Nacional, que pouco depois o nomeou seu correspondente na ex-URSS.

 

Foram dele reportagens marcantes sobre o colapso da URSS e do comunismo no Leste europeu, a primeira guerra da Chechénia, a entrada dos mujahidin em Cabul, a reocupação israelita dos territórios palestinos, o ataque dos EUA contra os taliban e a guerra do Iraque, anunciando em direto o primeiro bombardeamento de Bagdade, em 2003. Esse momento impactou o Brasil, que Carlos Fino foi convidado a visitar a seguir ao conflito e onde foi recebido pelo então Presidente Lula da Silva, deu palestras em universidades e foi depois conselheiro de imprensa da Embaixada de Portugal (2004-12). Ao longo de quase quatro décadas como comunicador, foi distinguido com diversos prémios, entre os quais o Grande Prémio de Jornalismo do Club Português de Imprensa, o Troféu Gazeta de Mérito do Clube de Jornalistas e um Reconhecimento pela National Academy of Television Arts & Sciences (EUA).

 

Em 2019, perante um júri universitário luso-brasileiro, defendeu na UMinho, em Braga, a tese de doutoramento em Ciências da Comunicação "Portugal-Brasil: Raízes do Estranhamento e da (In)comunicação", que serviu de base ao livro agora publicado, em simultâneo em Portugal e no Brasil.