Iclas - Instituto de Culturas Lusófonas
Antonio Borges Sampaio


05-04-2017

ANGOLA Histórias da sua História - Francisco G Amorim


Há 562 anos, nas suas digressões pelo Atlântico Sul, para o seu estudo e à procura da passagem para a Índia, o grande navegador Diogo Cão percorreu a costa de Angola,onde foi deixando a sua marca com os padrões em pedra: o Padrão de Santa Maria no cabo que parece ter começado por se chamar Cabo do Lobo, e hoje tem o nome do padrão, a cerca de 100 milhas náuticas para sul de Benguela, outras 100 milhas mais a sul, o de São Jorge no Cabo Negro, um pouco a Norte do que foi Porto Alexandre e agora é Tombua, e ainda um mais 400 milhas para sul, o Padrão da Cruz que deu nome ao cabo, Cape Cross.

Para vergonha de Portugal, na Namíbia, quando ainda colónia alemã, o grande chanceler Bismark, retirou o padrão original, que hoje se exibe, lindo, no Institut fur Deutsche Geschichte, Berlim e para o substituir mandou um outro, com dizeres ligeiramente diferentes, em alemão dizendo mais ou menos:“que por este meio D. João II de Portugal tomava posse daquela região africana”...

Hoje em Cape Cross estão duas cópias do padrão original português. A segunda com uma pedra grande ao lado, lavrada em inglês, foi mandada colocar ainda pelo governo sul africano, administrador daquele país em 1986, nos 500 anos da colocação do original, ambos muito bem conservados, sendo hoje lugar de visitação turística, e ali se faz com que a história não se apague.

 

Cape Cross – Namíbia

 

Os de Angola, Santa Maria e São Jorge, em 1892 a Sociedade de Geografia de Lisboa, imitando Bismark, levou os originais para Portugal, parece tê-los substituído por cópias, que teriam sido colocadas nos respectivos locais, e hoje não sobram nem vestígios deles! 

O padrão (cópia) de São Jorge no Cabo Negro

desaparecido depois de 1975

 

Em 1787 o naturalista Joaquim José da Silva que fazia parte de uma expedição ao sul e visitou Cabo Negro, encontrou ainda o padrão original tombado e fê-lo erguer.

No Cabo de Santa Maria foi colocado outro igual. Mas só sobra um triste farol... ainda com as quinas:

 

 

Deixemos os padrões onde quer que estejam e voltemos a Porto Alexandre, porque assim se chamava quando se passou o que vamos contar.

Em 1839 Pedro Alexandrino da Cunha fundeou num local conhecido por Porto Pinda, explorou os arredores e disse ter encontrado nas margens do rio Curoca arimos onde os nativos já exploravam feijão, milho e abóbora, e este seu relatório incentivou a ocupação das terras do sul.

O lugar chamou-se Angra das Aldeias, Porto Pinta, Porto Alexandre  e hoje é Tombua! Uma baía muito bem abrigada do mar, em pleno deserto do Namibe, mas com um mar riquíssimo em peixe e marisco. Bom de mais!!!

Durante muitos anos não foi possível construir nada em “pedra e cal”. Tudo era de “pau a pique” e os seus habitantes praticamente se alimentavam só do mar, e a água potável iam buscá-la ao rio, a cerca de 15 quilómetros para norte.

Um dia decidiram escolher o próprio chefe que os orientasse quando necessário, e a escolha caiu em Cruz Roldão, algarvio, que parece teria ali chegado em 1860 no caíque “D. Ana”. Homem simples, não viveu muito mais e quem assumiu a “chefia” foi a viúva, Maria da Cruz Roldão. Ela sabia ler e escrever, tinha alguma cultura, e era uma mulher de coragem e forte decisão. Por várias vezes, Maria da Cruz tomou decisões impor­tantíssimas para a comunidade que chefiava. Em dada altura, os hotentotes, vindos do Sudoeste, acossados pelos alemães, passaram para norte do Cunene e dedicavam-se à pilhagem e ao massacre. A povoação de Porto Alexandre estava nesta contingência. Porém, a regedora procurou estabelecer contato com os chefes daquela gente, o que conseguiu, e teve com eles uma conferência, no local conhecido por Arco do Carvalhão*, a uns trinta e cinco quilómetros para Leste do aglomerado populacional, e a povoação foi salva. Igualmente, em data que não ficou registada (mas deste facto nos fala o almirante Augusto Casti­lho), fundeou um navio de guerra inglês na baía, em frente à habitação de Maria da Cruz. Pouco depois, os súbditos de Sua Majestade, esquecendo-se de que estavam em terri­tório de outra nação que lhes devia merecer respeito, iniciaram exercícios de tiro para a restinga que forma a baía. Muitos dos projéteis iam cair do outro lado, no mar, onde andavam os nos­sos pescadores nas suas atividades. Este ato arrogante levantou protestos das mulheres e crianças que estavam em terra e que traziam no mar os maridos, pais e irmãos. Em pranto, dirigiram-se a casa da regedora e pediram-lhe que acabasse com aquele abuso do navio estran­geiro. Maria da Cruz mandou içar a Bandeira Nacional num tosco mastro que tinha à sua porta, meteu-se num bote, e dirigiu-se para bordo do navio britânico. Saias arregaçadas, punhos cerrados, gesticulando e no seu fra­seado de gente do mar, intimou o comandante inglês, a acabar imediatamente com a perigosa brincadeira. Aquele, que apenas deve ter compreendido a indignação e o desas­sombro duma verdadeira mulher de armas, fez suspender o fogo, abandonando o fundeadouro no dia seguinte.

Mas a Maria da Cruz sendo uma mulher humilde e de cultura limitada, evidenciou sempre grande coragem, valentia e decisão pouco vulgares, que devem ser apontadas como exemplo. Por outro lado, a dura têmpera desta mulher do povo deve ser o orgulho das mulheres portuguesas... e de todas as as mulheres do mundo!

* - O “Arco do Carvalhão” que os navegantes do Mussulo I, visitaram em 04 de Janeiro de 1906.

O lago é formado pela retenção das águas do rio Curoca.

 

Nota: a história desta valente Maria da Cruz foi encontrada no livro de Cecílio Moreira “Entre Dunas e Mar”, impresso em Luanda talvez em 1968 a 1970.

Nota final:

Não poderia Portugal oferecer novos padrões a Angola, e ir lá, solenemente, colocá-los?

É por eles que começa a história “moderna”, de Angola.

 

f.g.amorim

 

   
 

f.g.amorim

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