Iclas - Instituto de Culturas Lusófonas
Antonio Borges Sampaio


07-04-2017

A VIDA DE BARTOLOMEU LANDEIRO - João Guedes


joa%cc%83o-guedes_perfil

 

 

 

 

João Guedes*

Os primórdios de Macau são uma espécie de buraco negro da história. Tudo, ou quase tudo, é incerto. Até a data da fundação. Tem-se como consensual o ano de 1557, mas esse é apenas resultado de testemunhos indirectos. Isto porque não se conhece qualquer documento que ateste com exactidão a fundação da cidade. Segundo alguns investigadores a lacuna deve-se à desorganização da aventura portuguesa nos mares da China que não levava consigo cronistas ou notários, bem ao contrário dos navegadores holandeses, por exemplo. Os holandeses sim, esses transportavam sempre nas suas naus pelo menos um funcionário do estado encarregado de registar tudo, nomeadamente o produto dos saques.
Esse registo começava, vejam lá, imediatamente após o disparo do ultimo tiro ou do último suspiro do inimigo caído sobre o tombadilho no final de qualquer abordagem bem-sucedida, não fosse alguma coisa ficar por assinalar.
Acrescenta-se a essa lacuna burocrática portuguesa, a que Fernão Mendes Pinto bem alude, o facto da esmagadora maioria dos navegadores saberem bem como navegar mas muito mal como ler ou escrever. Daí a também ausência de documentos nesses primórdios.
Diga-se no entanto que, apesar do analfabetismo ser esmagador, não era geral, já que pelo menos os padres que seguiam nos navios dominavam em diversos graus as artes da escrita sem as quais, por exemplo, ser-lhes-ia impossível, registar nascimentos, casamentos, ou óbitos…
O que se passaria em muitos casos para justificar omissões seria simplesmente uma atitude puramente pragmática, ou seja, a de ignorar questões que pudessem gerar efeitos políticos negativos ou por qualquer forma ameaçar o comércio ou ofender susceptibilidades dos poderes instituídos que causassem embaraços desnecessários.
Isto num cenário como era o de Macau nesses tempos onde se moviam essencialmente aventureiros, comerciantes com poucos escrúpulos, mercenários e piratas.
Isto mesmo é o que nos diz Lúcio de Sousa neste livro em que nos fala da vida de Bartolomeu Landeiro, uma figura cuja importância na vida de Macau foi determinante no seu tempo, mas que acabou cuidadosamente apagado da história oficial.
Landeiro é raramente citado nas obras académicas, diria, nas raras obras académicas que se focam sobre os primórdios de Macau. Mas que existiu, existiu, e Lúcio de Sousa trouxe-o à vida nesta obra que faz nova luz sobre os primeiros tempos da cidade e da presença portuguesa no Extremo Oriente.
Mas porque é que Landeiro ficou banido da história oficial?
A resposta é simples, porque era judeu ou “cristão-novo” e a Inquisição não podia admitir a existência de cristãos-novos na senda da expansão da Fé para Oriente, porque desconfiava deles.
Mas certo é que foram judeus e cristãos novos como Landeiro que garantiram aos jesuítas o financiamento necessário para conquistar a China e o Japão para a fé católica.
Aliás, Santo Inácio de Loyola, o fundador da “Companhia de Jesus”, dizia, bem ao contrário da Inquisição ou dos dominicanos, que tinha muita honra em contar na sua Companhia com os cristãos novos, porque eram oriundos, dizia ele, das mesmas terras de Jesus.

A propósito de preconceitos de que este livro fala é curial chamar a atenção para dois pontos importantes da historiografia portuguesa que ainda se postam hoje, em grande parte, como assuntos sobre os quais é melhor não falar.
Um deles é a questão da escravatura, cujo tabu foi quebrado pelo professor inglês Charles Boxer que ao escrever sobre o Extremo Oriente português e os escravos atraiu as iras de Salazar que lhe arrancou as condecorações que antes lhe tinha dado e condenou-o ao ostracismo até ao fim da ditadura, em 1974, data depois da qual foi reabilitado.
O segundo a derrubar preconceitos é o próprio Lúcio de Sousa com The Early European Presence in China, Japan, the Philippines and the Southeast Asia (1555-1590) – The Life of Bartolomeu Landeiro.
Agora já não há ditadura e muito menos inquisição por isso, ao contrário de Boxer, Lúcio de Sousa nada tem a temer e apenas a ganhar com a corajosa abordagem que faz desses tempos difusos dos portugueses nos confins do Oriente.
Aliás diga-se que para já o trabalho de Lúcio de Sousa lhe valeu o prémio “Estudos de Ciências Humanas e Sociais de Macau” em 2013, galardão que é atribuído pela “Fundação Macau” em conjunto com a “Social and China Press e a Guangdong Social Science Association” na categoria de livro. A obra foi considerada pela comissão de avaliação como de elevado valor académico.
Vale a pena ler este livro de Lúcio de Sousa, antropólogo e professor no Departamento de Ciências Sociais e de Gestão da Universidade Aberta, cujos interesses se desdobram pela etnografia do Sudeste asiático e Timor-Leste, património cultural imaterial em Timor-Leste; migrações forçadas e refugiados.
A vida de Bartolomeu Landeiro uma figura de inegável interesse dos tempos desconhecidos dos alvores de Macau que se desvenda neste livro.

jornalista e historiador

the-early-european-presence-in-china_lucc81cio-de-sousa3-e1491279383936.jpg

Sobre a obra:

TítuloThe Early European Presence in China, Japan, the Philippines and the Southeast Asia (1555-1590) – The Life of Bartolomeu Landeiro.
Autor: Lúcio de Sousa
Edição: Fundação Macau
Data de publicação: Dezembro de 2010

           https://extramuros.me/2017/04/04/a-vida-de-bartolomeu-landeiro/