26-03-2017Memorial Sebastião Coelho & Neves e Sousa
AutorLeonel Cosme Notícias Relacionadas
Vendo dois reputados pensadores africanos como Joseph KiZerbo e Axelle Gabou, um, historiador, outra, politóloga, interrogarem-se, sobre o presente e o futuro de África Para quando África? e Como é que África chegou a este ponto? somos induzidos a ponderar sobre os motivos, razões e angústias que levaram e levam tantos patriotas convictos a procurarem noutros países um lenitivo para as suas amarguras, traduzidas para uns em recursos materiais de subsistência, para outros em buscas de segurança e conforto anímico. Mas em todos prevalece um mesmo sentido de pertença a um povo, uma pátria ou uma nação, ainda que sem a certeza ou esperança de regresso. E isto, simplesmente, porque há um passado, uma raiz ou um rizoma que lhes determina uma identidade ou, minimamente, confere uma marca de origem. Bem realça um ditado bacongo: "A árvore está de pé: as raízes seguram-na." Ou faz meditar sobre esta interrogação do poeta cubano Damasio Calderón:"Há saída possível para fora ou toda a saída é para dentro, até ao reino da raíz?" Falando da sua parte mais profunda, o rizoma, um botânico poderia dizer que é nele que uma árvore, mesmo cortada até às raízes, ou transfigurada por um enxerto, mantém no caule subterrâneo a substância de reserva que possibilita a sobrevivência da planta e permite a sua reconstituição e propagação vegetativa. Arriscando a transpor o tema para a epistemologia, poderíamos avocar uma achega de Deleuze e Guattari: A organização rizomática do conhecimento é um método para resistir a uma estrutura social opressiva cujos modelos são ferramentas pragmáticas e não ontológicas. Um bom exemplo seria a durabilidade e propagação da diáspora judaica e a sua resistência "ontológica" aos modelos opressivos com que há milénios se defronta. Mas poderíamos não ir tão longe: ainda hoje, em todas as diásporas organizadas se reproduz, assumidamente ou não, uma parte da nação fundacional. Exemplos do sentido de pertença a Angola (e valores do seu património cultural) são duas figuras que foram marcantes durante a sua vida, dentro e fora do território nacional: Sebastião Coelho, notável jornalista da rádio e da imprensa, e Albano Neves e Sousa, notável pintor que também fez escrita poética. Ambos saíram do país de origem (Neves e Sousa apenas foi dado à luz, por acaso, num hospital de Matosinhos, tendo os seus irmãos nascido em Angola) nos mesmos meses de violência reaccionária que, em Luanda, precederam a independência. Sebastião, ameaçado de morte, in extremis rumou para a Argentina, país da sua mulher e companheira, Isabel Garcia; Albano escolheu para seu porto de abrigo e de sua mulher Maria Luísa, no Brasil, a cidade de Salvador da Bahía, porque, segundo palavras dela, "tinha um clima para cultivar a saudade de Angola que ele não voltou a ver. A terra é vermelha como a de Angola. O cheiro a terra quando a chuva cai é o mesmo. Foi a partir desse momento que Angola, para ele, passou a ser uma coisa íntima e secreta como uma doença. Dizia mesmo: e como já não vivo nela, afinal vive ela em mim. " Sebastião "continuou" em Angola, nas Mukandas do Kandimba que expedia regularmente de Buenos Aires para a imprensa e rádio de Luanda. Voltou à sua cidade do Huambo 25 anos depois de lá ter saído, tendo então plantado uma mulemba nas traseiras do Palácio do Governo, "com o intento de exorcizar a maldição que havia caído sobre a sua terra", segundo Isabel. Após a sua morte, com 71 anos, em 2002, na capital da Argentina, foi sepultado na povoação de Dudignac, onde vivia a mãe de Isabel, que ele visitava com carinho, numa terra que lhe lembrava a sua. Isabel cumpriu a promessa feita ao marido e companheiro desde Angola: levar o filho de ambos, Bruno, à cidade onde o pai nascera e lhe inspirara o último escrito, A mulemba da maldição, um texto de elevado valor literário-historiográfico, que ela ali divulgou num encontro de amigos. Albano não voltou a Angola, tendo chegado a receber a visita do seu velho amigo Sebastião, tempos antes de morrer, em 1995, aos 74 anos, em Salvador, onde foi sepultado num cemitério de famílias, poeticamente chamado Jardim da Saudade. Sem deixar de pintar (chegou a criar um museu local onde expôs os seus quadros, a par dos que conservou na moradia que também ajudou a construir), agora também para a cidade e seu povo que o acolheram afectuosamente (é particularmente honrosa a visita de Jorge Amado), nunca se divorciou da poesia vazada em livros e antologias (como a das edições Imbondeiro, do Lubango, em 1963). Justificava a dualidade criativa: "Todas as coisas que não conseguia transmitir a pintar, eu transformava-as em poesia. A terra e eu éramos uma só ideia. África de todas as maneiras que sabia e algumas que não sabia." Da obra de Albano Neves e Sousa, quanto à pintura de quadros e murais, ela está à vista em todos os continentes, quer em museus, associações, edifícios públicos e colecções particulares, tendo merecido condecorações oficiais e honrarias diversas em vários países, começando, naturalmente, por Angola, onde expôs, pela primeira vez, menino e moço no Andulo, em 1936, e no ano seguinte em Luanda. Em poesia, podemos referir os seus primeiros livros: Motivos angolanos, Mahamba e Batuque. Para apêndice deste nosso brevíssimo "memorial", escolheríamos o final do texto A mulemba da maldição, de Sebastião Coelho, e o poema ANGOLANO, de Neves e Sousa. A mulemba da maldição http://jornalcultura.sapo.ao/letras/memorial-sebastiao-coelho-neves-e-sousa " |