Iclas - Instituto de Culturas Lusófonas
Antonio Borges Sampaio


10-03-2017

A Rua dos Carapuceiros Germano Silva


Recolha de informação para memória futura.

 

A Rua dos Carapuceiros   

A Rua dos Carapuceiros

Uma artéria onde o moderno convive com a tradição


Ainda me lembro de, na minha in­fância, ouvir chamar à Rua dos Clérigos, Rua dos Carapuceiros. Esta alusão aos lojistas que ven­diam carapuças tinha, em certa medida, um sentido pejorativo. Pretendia-se, com essa referência, distinguir as características comerciais que diferenciavam os lojistas es­tabelecidos no lado direito dos do lado es­querdo da artéria, tomando como ponto de partida a entrada do Largo dos Lóios ou da Rua do Almada. 
A antiga Calçada da Natividade, anterior designação da atual Rua dos Clérigos, só co­meçou a ganhar estatuto de artéria citadi­na a partir da segunda metade do século XVIII. Foi, efetivamente, em 1 de março de 1788, no reinado de D. Maria I, que, por meio de um aviso régio, se determinou que "para a modernização do local se começas­se a demolir a muralha que ladeava para sul a Calçada da Natividade". O documento di­zia mais: "que tudo devia ser feito para bom alinhamento e regularidade da calçada". 

Depois de devidamente alinhada e regu­larizada, a Calçada da Natividade transformou-se rapidamente numa das mais mo­vimentadas artérias do Porto, marcada es­pecialmente por uma intensa atividade co­mercial. 

Aí pelos finais do século XIX, ao fundo da Rua dos Clérigos, mesmo à esquina da Rua do Almada, era normal encontrarem-se, encostados à parede da tabacaria Freitas & Azevedo, meia dúzia de homens de longo varapau na mão, envergando elegantes ca­potes azuis e cor de pinhão com guarnições encarnadas. Eram os galegos que aguarda­vam a oportunidade de serem contratados para o transporte das célebres cadeirinhas em que a dama era levada ao Teatro de São João ou a uma das igrejas da cidade, ao se­nhor exposto. 

Por essa época, quem subisse a rua depa­rava, à direita, com uma fiada de estabele­cimentos modernos, de vincada feição ci­tadina, com predominância para os luveiros; bazares de brinquedos; casas de roupa a puxar para o requinte da moda parisien­se; pomares que exibiam o que de melhor, em termos de frutas, se produzia no Minho e no Douro. 

Do lado esquerdo, o ambiente era total­mente diferente. Nas lojas deste lado respirava-se, digamos assim, um ambiente ti­picamente aldeão. Era desta banda que fi­cavam os carapuceiros. Quem andasse no passeio deste lado ou entrasse nos estabe­lecimentos ali existentes tinha a sensação de andar a passear numa qualquer dessas aldeias dos arredores do Porto, tantos eram os homens e mulheres das aldeias que por ali cirandavam na compra de artigos que lhes eram necessários para seu uso diário ou domingueiro. 

O comércio daquele tempo modernizava-se. As lojas, em contraste com os tugú­rios fundos e mal iluminados do passado, eram amplas, arejadas e bem iluminadas. Mas havia costumes que prevaleciam inal­teráveis e que nenhum modernismo ven­cia. Entre esses, estava o da exposição dos artigos nos passeios. 

Do alto das portas dos estabelecimentos, nomeadamente dos que funcionavam no tal lado esquerdo, expunham-se xailes, co­bertores, mantas matizadas, peças de pano cru, carapuças, samarras com gola de pele de coelho. 

Um dia, já nos primeiros tempos da Re­pública, quiseram mudar o nome à rua. Numa reunião camarária realizada no dia 20 de abril de 1911, um vereador propôs (imagine-se!) que se mudasse o nome da Rua dos Clérigos para o de Ferrer. Foi o bom e o bonito. Os comerciantes dos Clérigos, em uníssono, protestaram. Que não. Não queriam a mudança. 

Mas esta solidariedade, ou unanimidade de vontades, não existiu, alguns anos atrás, em novembro de 1902, quando os comer­ciantes da cidade comemoraram o primei­ro aniversário da instituição do preço fixo - aspiração antiga dos retalhistas tio Porto. Com efeito, nos Clérigos, só os lojistas do tal lado esquerdo é que tomaram a iniciati­va de assinalar o aniversário, oferecendo valiosos brindes aos clientes que nesse dia fizeram compras nos estabelecimentos. E mais: ofereceram "um pantagruélico e substancial almoço" (cada um custou 160 réis) a duzentos pobres da cidade. 

Mas os Clérigos, como normalmente se diz quando nos queremos referir à rua em ques­tão, não se distinguiram somente pelo comércio. Foram também local de recreio, de paradas e des­files. Nos começos do século XX, era o local predileto de uma certa rapaziada janota e literata para os seus passeios e devaneios amorosos. Muitos de­les, depois da "volta dos tristes", rua acima, rua abaixo, acabavam o dia no Mercado do Anjo a di­rigir piropos ou a recitar madrigais às lindas ven­dedeiras de frutas, de flores e de hortaliças, de en­tre as quais sobressaíam a Maria Pequena, a Ma­ria Inglesa e a Corada, cujas formosuras, naquele tempo, arrancavam profundos suspiros aos estu­dantes da Academia.
A HISTORIA DO MERCADO DE FLORES 
Naquele espaço fronteiro à fachada da Igreja dos Clérigos, entre esta rua e as da Assunção, São Filipe de Néri, Carmelitas e da moderna Conde de Vizela, antiga Rua do Correio, fez-se, durante muitos anos, uma interessante e muito perfumada feira de flores. Vinha do tempo em que aquele espaço era conhecido como Largo do Ermitão, por ha­ver ali uma pequena ermida que tinha anexa uma modesta dependência em que vivia o re­ligioso que assegurava o funcionamento da er­mida: o ermitão. O mercado foi dali retirado em 29 de Junho de 1911, por proposta do então vereador municipal Cristiano de Magalhães, que sugeriu a colocação das vendedeiras de flores no Mercado do Anjo, numa ala especial­mente criada para esse efeito.
JORNAL DE NOTÍCIAS 16-02-2014

Publicada por Fernando Conceição à(s) 12:30:00

 

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