Rui Vieira Nery fala das influências portuguesas na história cultural brasileira Portugal e Brasil: Músicas em comum :: 2006-08-28
Portugal e o Brasil vão estar uma vez mais perto, agora através da história da música. Rui Vieira Nery é o convidado de honra do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de S. Paulo, em duas conferências que decorrem entre hoje e amanhã neste espaço. «A Música na Estratégia Colonial Iluminista: o Morgado de Mateus em S. Paulo (1765-1774)» é o primeiro tema em debate, onde Rui Vieira Nery abordará as influências da corte de Lisboa.
Corria o ano de 1765 quando o Marques de Pombal nomeou D. Luís António de Sousa Botelho Mourão, Morgado de Mateus (título nobiliárquico português), governador da Província de S. Paulo. Os objectivos administrativos eram claros: expandir o território, desenvolver as actividades económicas, reforçar a hierarquia social, ampliar as elites locais e intensificar os laços com a monarquia portuguesa.
O governador brasileiro acreditava, então, na necessidade de aplicar a S. Paulo os mesmos modelos que caracterizavam a vida cultural e artística da corte de Lisboa e de promover práticas culturais, tanto na esfera profana como na sagrada, que reforçassem a ordem social e política corporizada no modelo do Despotismo Iluminado, em geral, e no seu próprio papel como administrador colonial.
A música foi uma das prioridades do Morgado de Mateus, que reuniu um conjunto permanente de cantores e instrumentistas baseado no modelo da Capela Real de Lisboa, para que tocassem nas cerimónias religiosas ou nos espectáculos do Teatro de Ópera. Alguns dos músicos eram profissionais contratados em cidades brasileiras, outros eram mulatos e índios treinados em S. Paulo. Segundo Rui Vieira Nery, os diários do governador fornecem "um retrato fascinante desse campo multifacetado de actividades musicais patrocinadas pelo Poder".
Fado, uma canção de luta Amanhã, terça-feira, a segunda conferência centra-se em torno do «Fado: da Dança Afro-Brasileira à Saudade Portuguesa». "No contexto multicultural do Brasil colonial, os ritmos e os padrões de dança africanos combinam-se com as harmonias e as formas europeias para gerar uma dança cantada de forte sensualidade. Essa música atravessa o Atlântico e implanta-se nos bairros populares do porto de Lisboa", explica o musicólogo. Ainda de acordo com Rui Vieira Nery, a interacção entre o modelo brasileiro e as tradições locais da canção portuguesa levaram, gradualmente, ao desaparecimento do elemento de dança e à atenuação do ritmo sincopado original, que deram lugar a uma atmosfera nostálgica.
"Quando a aristocracia boémia e as classe médias urbanas redescobriram o género, entre 1860 e 1870, o fado passou a ter lugar no teatro musical ligeiro, começou a ser publicado em edições de folhetos para uso doméstico e acabou por se tornar um dos géneros favoritos da indústria fonográfica nascente. Ao mesmo tempo, no seu contexto original operário, o fado foi usado como uma canção de luta associada ao arranque do movimento sindical e socialista”, descreve. Esta segunda conferência será seguida do lançamento do volume 11 da revista «Música», editada pelo Departamento de Música da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de S. Paulo.
Uma vida cheia de música Professor associado do Departamento de Artes da Universidade de Évora e director adjunto do Serviço de Música da Fundação Calouste Gulbenkian, Rui Vieira Nery foi secretário da Cultura em Portugal e professor do Departamento de Ciências Musicais da Universidade Nova de Lisboa. Iniciou seus estudos musicais na Academia de Música de Santa Cecília e prosseguiu-os no Conservatório Nacional de Lisboa. Licenciou-se em história pela Faculdade de Letras de Lisboa e doutorou-se em musicologia pela Universidade do Texas em Austin, nos Estados Unidos. Os seus temas de pesquisa incluem a problemática do Maneirismo e do Barroco na música ibérica e latino-americana. Actualmente, trabalha num estudo de fundo sobre a vida musical luso-brasileira, na óptica dos viajantes estrangeiros do final do Antigo Regime (1750-1834), e em diversos projectos de edição de música portuguesa entre os séculos XVI e XVIII. É autor de vários estudos sobre história da música portuguesa bem como de vários artigos científicos publicados em revistas e obras colectivas especializadas, tanto portuguesas como internacionais. É autor de «Para uma História do Fado» e dos capítulos sobre Portugal, Espanha e América Latina na «History of Baroque Music», de George Buelow.
Fonte: www.cienciahoje.pt/index.php?oid=4044&op=all
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