02-12-2016Independência - Francisco Seixas da CostaNum intervalo de escassas horas, saudámos um Filipe, titular da soberania de um país amigo e aliado, e comemorámos a restauração de independência de Portugal - a data em que, vai para cinco séculos, conseguimos afastar-nos da tutela incómoda de um outro Filipe com idêntica origem, reafirmando orgulhosamente a nossa independência.
Lembrei-me disto ontem, em Vila Real, quando, com o grupo de amigos que, invariavelmente nessa data, se reúne junto do busto a Camilo Castelo Branco, patrono do liceu em que estudámos, entoava com patriótica inconsciência o anti castelhano Hino da Restauração. A História dá muitas voltas e, sem que os factos necessariamente se desmintam, aos vilões de ontem sucedem-se as figuras simpáticas de hoje (ou vice-versa, como, na mesma pessoa, ocorre por estes dias com Fidel). Por isso, a prudência de atitude aconselha a que nos não deixemos aprisionar pelas caricaturas e pelos mitos. Sem perder de vista o passado, devemos olhar essencialmente o futuro, que é o lugar onde vamos passar o resto das nossas vidas e onde a comunidade nacional a que pertencemos encontrará (ou não) razões e forças para se manter independente - seja isso o que for, nos tempos que correm. O 1.º de Dezembro é uma data interessante, quiçá equívoca, porque em seu torno se unem os saudosos da dinastia dos Bragança e aqueles que, há mais de um século, lhes deram como destino definitivo as prateleiras da História. Daí o incómodo que a todos atravessou quando um fugaz epifenómeno político - antigrisalho e modernaço - tentou, por algum tempo, abafar a data. O presidente português, que dá mostras de viver o nosso percurso histórico sem complexos nem traumas, trouxe os reis espanhóis às vésperas da Restauração. Fez bem. Filipe VI, que hoje simboliza a unidade espanhola, tem a legitimidade que lhe foi conferida por uma Constituição que o povo daquele país sufragou, de forma esmagadora. E sucede a alguém que, num momento muito difícil, se mostrou em sintonia com a vontade democrática da Espanha. Aliás, se atentarmos bem, as monarquias europeias que hoje restam derivam todas de soberanos que, em momentos-chave, revelaram saber interpretar o interesse essencial dos seus povos. A Espanha vive num regime monárquico. Só temos que respeitar essa opção - ou gostaríamos que, um dia, numa visita a uma qualquer monarquia, o presidente da nossa República fosse hostilizado por monárquicos? Custa-me ter de constatar, como republicano que sou e sempre serei, que o triste espetáculo protagonizado pelo Bloco de Esquerda, na receção aos reis espanhóis na Assembleia da República, prova que afirmar-se republicano não é necessariamente sinónimo de ser democrata - que é, muito simplesmente, saber respeitar as livres opções dos outros.
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