Iclas - Instituto de Culturas Lusófonas
Antonio Borges Sampaio


01-06-2007

Regionalização do Triângulo Mineiro


O PROCESSO DE REGIONALIZAÇÃO E REORGANIZAÇÃO TERRITORIAL DO
TRIÂNGULO MINEIRO: AS ORIGENS E CAUSAS DO MOVIMENT
O
EMANCIPACIONISTA
.

Aristóteles Teobaldo Neto1 Flávia Abdão2 Roberta Afonso Vinhal Wagner3 Patrícia Valéria Bielert do Nascimento4 Wellington Wagner de Souza5 Alex Marciel da Silva 6


 

Introdução

O presente trabalho visa fazer uma análise das principais fases do processo de empreitada de emancipação da região do Triângulo Mineiro, bem como um breve apanhado histórico da região triangulina. O termo região de forma genérica está ligado à noção de diferenciação de áreas, entretanto, mister se faz salientar que sua utilização entre os geógrafos não se faz de forma harmoniosa, o que o torna complexo. Assim, as várias escolas geográficas: determinista, possibilista, positivista e crítica, conceitua e caracteriza cada uma à sua maneira o termo região.

Aborda-se para o estudo da região do Triângulo Mineiro a linha da geografia crítica, que a vê como um instrumento de ação e controle dentro de uma sociedade de classes com o objetivo de manter a sua reprodução: “A ação e controle sobre uma determinada área quer garantir, em última análise, a reprodução da sociedade de classes” (CORREA, 1997).

Neste estudo, é importante considerar também a abordagem de CASTRO, 1992, que concebe o espaço como produto e mediador das relações sociais, no qual é estabelecido um elo afetivo entre as pessoas e o lugar (espaço) sobre o qual elas vivem. As massas humanas que o compõem estão intimamente vinculadas a ele. Assim, na formação do conceito região, não se deve desconsiderar os aspectos sociais que ocupam o espaço componente da região. Na busca de uma delimitação regional que considere os limites de uma

1 Graduando em Geografia pelo IG-UFU E-mail: teobaldoneto@yahoo.com.br 2 Graduanda em Geografia pelo IG- UFU 3 Mestranda em Geografia pelo IG-UFU 4 Mestranda em Geografia pelo IG-UFU 5 Graduando – IFE – UNIUBE 6 Professor do Instituto de Geografia da Universidade Federal de Uberlândia

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especificidade sócio espacial, devemos entender a região como o resultado das diferenciações do processo de produção do espaço, conforme as relações sociais, cada uma possui identidade própria. “Como qualquer segmento do espaço, ela é dinâmica, historicamente construída e interage com o todo social e territorial” (CASTRO, 1992).

Sabendo-se da complexidade inerente ao espaço geográfico devido aos diversos aspectos componentes do mesmo: sociais, culturais, econômicos e políticos, torna-se impossível a delimitação rígida de uma região. Apesar disso é de fundamental importância concebê-la como objeto delimitável concreto, pautado por determinados critérios, para fins de estudos e análises. Assim, propõe-se o estudo da região e do processo de regionalização do Triangulo Mineiro.

A necessidade de conceber a região como objeto de delimitação, se faz necessário, também, para fins de administração política. Em todo o mundo, grandes territórios sempre são divididos em Estados Nação, que por sua vez é subdividido em níveis político­administrativos. Veremos que nem sempre esta subdivisão territorial em níveis administrativos, que representam uma abrangência de poder, têm compromisso com a região enquanto espaço historicamente construído, resultante das relações sociais e culturais, que identificam a região.

O que se verifica é uma redefinição da região pelos interesses subjetivos da elite. Isto resulta, conforme CASTRO 1992, duas regiões: a de identidade territorial e a definida pela administração política do território.

Neste trabalho, buscar-se-á, responder a duas perguntas fundamentais para o entendimento do processo de regionalização do Triângulo:

Sabe-se que o processo emancipacionista do Triângulo Mineiro, desde o início, meados do séc. XIX, foi marcado pela oscilação em altas e baixas intensidades. Sabendo-se do quanto é antiga e constante esta “luta”, logo surge a pergunta: O que impediu a efetivação do Novo Estado, visto que vários foram os momentos e as condições favoráveis?

O segundo questionamento que deve-se levantar é: emancipar para que e para quem? Ou seja, quem serão os mais beneficiados, e a quem mais interessa a criação de um Novo Estado?

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O trabalho está estruturado em duas partes principais. A primeira é composta por breves considerações históricas da região triangulina, e a segunda contempla os principais momentos do processo emancipacionista, bem como as análises do movimento.


 

Caracterização do quadro regional do Triângulo Mineiro

Localizado a oeste do Estado de Minas Gerais, em uma área de 93.500 km2, se limita a leste pela Serra da Canastra e Marcela, no sul por São Paulo, ao norte por GO e a oeste pela confluência dos rios Paranaíba e Grande.

Segundo os parâmetros do IBGE, a regionalização do Triângulo Mineiro obedece a fatores hidrográficos e orográficos. Constituindo-se o Triângulo na IV macrorregião homogênea do Estado, composto por cinco microrregiões, conforme figura I do mapa abaixo.

Já no inicio do processo de ocupação do território, por volta de 1534, D. João III divide o Brasil em 14 capitanias hereditárias. A região de Minas Gerais nesta época era habitada pelos aborígenes Cataguases, Tapuias e Caiapós. O Triangulo Mineiro, na época denominado Sertão do Novo Sul da Farinha Podre, era habitado pelas populações citadas acima, que foram dizimadas em nome da proteção dos caminhos que permitiam acesso às minas de Goiás e Mato Grosso.

Até 1748, a região estava sob o domínio de São Paulo, pois neste ano, Goiás, que pertencia a São Paulo, se emancipa e o Triângulo (Sertão da Farinha Podre) passa a ser goiano. Em 1816, D. João VI, atendendo ao manifesto de Araxá para anexar o Triângulo ao estado de Minas Gerais, por meio do alvará régio o reconhece pertencente a Minas Gerais. Este fato histórico é um argumento bastante utilizado aos adeptos da separação: “O Triângulo nunca foi somente mineiro. Nunca foi parte integrante de Minas, sua história foi feita através de São Paulo e Goiás” (BILHARINHO, 1990, p.7)

A região que abrangia o Desemboque até o sul de Minas, já era conhecida pelos bandeirantes, “mas foram oficialmente descobertas pelo sétimo Ouvidor da Comarca do Rio das Mortes, em São João Del Rei, Cipriano José da Rocha em 1737, que já

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encontrou um progressista arraial povoado com praças e ruas e muitas casas onde é hoje a histórica cidade de Campanha” (RIBEIRO, 2001 p. 15).

FIG. I – DIVISÃO DE MINAS GERAIS POR MACROREGIÕES

FONTE: Anuário Estatístico de Minas Gerais. 1983 / 84 1985 SEPLAN-M, por SOARES 1995 adaptado por TEOBALDO NETO/2003.

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FIG. II – DIVISÃO DO TRIÂNGULO MINEIRO POR MICROREGIÕES

Fonte: Atlas Geográfico Escolar de Minas Gerais, 1979, por SOARES, 1995 adaptado por TEOBALDO NETO/2003.

Mais tarde, D. Luiz de Marcarenhas alegava que as minas da região pertenciam a São Paulo e enviou Bartolomeu Corrêa Bueno, que foi um dos pioneiros a ocupar o atual Triângulo Mineiro. As picadas feitas em sua expedição para abertura de estradas, resultou na atual Estrada Anhanguera. Foi a época de maior intensificação da ocupação triangulina.

A região era rica em ouro, haviam muitas minas, em torno das quais muitas povoações se desenvolveram, sendo uma das primeiras a do Desemboque, que foi palco de intensas disputas por parte da Igreja, representada pelos padres, durante o séc. XVIII. O Desemboque foi o centro de expansão territorial, de onde partiam as expedições que se dirigiam para oeste e originaram diversas povoações em busca de novas minas rumo ao interior, regiao conhecida como Sertão da Farinha Podre, que foi responsável pela formação das primeiras sociedades triangulinas,

surgiram as primeiras fazendas e outros povoados, até descortinar esse mundo maravilhoso entre os rios Grande e Paranaíba, recebendo o nome primitivo de “Sertão da Farinha Podre”, conhecido nos Poderes Públicos (...) Foi caminho e ponto de abastecimento para os mineradores durante o fluxo de 1750 e 1800,

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a entrada da decadência. Hoje, Desemboque é um marco do passado, importante na História do Estado de Minas Gerais e do País (RODRIGUES, 1988)

No período de decadência da mineração em Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso, ocorre o parcelamento das terras no Triangulo Mineiro, a partir da distribuição das primeiras sesmarias, em cujas terras, os proprietários fundaram aldeias, dentre as quais destacam-se: Desemboque, Arraial de N. S. Patrocínio, Santana do Rio das Velhas e São Domingos do Araxá.

No séx XIX, houveram novas concessões de terras, que deram origem às aglomerações urbanas das cidades do Prata, Uberaba e Uberlândia.Uberaba se torna um importante núcleo urbano entre 1827 e 1859. Em 1889 , a cidade é servida pela Cia. Mogiana de Estradas de Ferro, o que intensifica o comércio e conseqüentemente a sua urbanização. Além disso, se destaca pela importante atividade pecuária.

No início do séc. XIX, foram construídas estradas de rodagens pela Cia. Mineira de Autoviação Intermunicipal, sediada em Uberlândia, o que permitiu a formação de uma infraestrutura viária de comunicação, a qual favoreceu Uberlândia, pois garantia o rápido escoamento de produtos do interior, que pelo traçado viário, passava obrigatoriamente por esta cidade, com destino ao litoral. Graças a isso, a cidade se tornou um importante centro atacadista e a partir desta época, Uberaba perde sua importância comercial.

Assim foi formada a atual região do Triângulo Mineiro, desde o início palco de muitas disputas, movidas por diferentes interesses sobre a mesma, que tem uma tradição histórica de lutas.

A seguir serão analisados os principais momentos do ideal separatista e emancipacionista desta região.

As origens das idéias separatistas

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“Desde a criação do Julgado de Nossa Senhora do Desterro das Cabeceiras do Rio das Abelhas do Desemboque, a região, pela sua importância econômica, geográfica e geopolítica vem sendo disputada, sem retornar a ela os investimentos necessários ao seu desenvolvimento” (RIBEIRO, 2001).

Este é o principal argumento adotado pelas elites regionais para a emancipação do Triângulo: uma região rica, produtora, e explorada, impedida de se desenvolver, cuja formação deu-se de forma diferenciada do restante do estado de Minas Gerais.

A forte representação política da região favoreceu a intensificação do regionalismo que segundo SOARES, 1994 p. 44 “expressa as relações políticas de grupos que se unem em defesa de interesses políticos, econômicos e sociais específicos, que não raro resultaram em movimentos reivindicatórios vinculados à sua identidade cultural”.

Os movimentos de separação datam de meados do séc. XIX e de lá para cá foram freqüentes, ora mais intensos, ora mais tênues. As justificativas eram várias, dentre elas: ausência de vínculos econômicos, sociais e culturais com Minas: “o desbravamento e o povoamento do Triângulo foi feito pelos governos paulistas e goianos (...) Toda nossa ligação comercial e social sempre é feita com São Paulo e muito pouco com Minas” (BILHARINHO, 1990 p. 7); busca da auto-sustentação da região; projetos nacionais de subdivisão territorial do país: “Os deputados Floriano Rubim e Teófilo Pires querem um Brasil novo, redividindo para melhor progredir...” (CUNHA, 1968 p. 6); entre outros.

A origem do movimento é antiga, Hildebrando Pontes, em seu livro História de Uberaba e a Civilização do Brasil Central, conta que ele se iniciou na cidade do Prata por volta de 1857. Na cidade de Uberaba, o nome de destaque do movimento foi Henrique Raymundo des Genelles - fundador do primeiro jornal da região, em 1873.

Em 1875, Des Genelles liderou uma campanha que objetivava a separação do Sertão da Farinha Podre, atual Triângulo Mineiro, de Minas Gerais.

Em 1906 houve um novo surto de separação, foi criado em Uberaba, o Clube Separatista, ao mesmo tempo em que foi fundado o Parido Separatista em Araguari.

Diante da ameaça separatista, os governos da União e do Estado de Minas cederam a algumas reivindicações da região, esfriando o movimento, o qual, ressurge novamente em Uberaba, em 1934, sob a justificativa principal de o governo não ter cumprido as promessas

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de construção do serviço de água e esgotos e melhoramentos no serviço de eletricidade da cidade. “Nesta campanha, ocorreram duas manifestações, uma com mais de 5.000 pessoas, em solidariedade ao jornalista Quintiliano Jardim, do jornal "Lavoura e Comércio", de Uberaba, que era um dos articuladores do movimento.” (OLIVEIRA, 1997). Porém essa campanha fora barrada com a revolução comunista, pois o governo de Minas, valendo-se da oportunidade, praticou severas advertências aos separatistas.

Mesmo assim a campanha conquistou benefícios para a região, como a construção da rodovia Belo Horizonte - Araxá - Uberaba e da ponte do canal de São Simão, serviços de eletricidade e higienização em Uberaba, e a construção do Cassino Hotel em Araxá” OLIVEIRA, 1997.

Os motivos de todos os movimentos sempre se valeram do abandono da região por parte do governo de Minas. Até a década de 1950, eles se deram basicamente em Uberaba. A cidade de Uberlândia só mudaria sua posição nesta época, assim como as principais cidades da região.

Até então, o que explica a posição contrária de Uberlândia, era a rivalidade com Uberaba, que na época era maior e mais poderosa, e conseqüentemente, almejava tornar-se capital do novo Estado, apoiando-se em razões históricas. Uberlândia por outro lado, teria a mesma ambição e apoiara-se em razões futuras, já que apresentara grande crescimento.

A mudança para o separatismo dos políticos uberlandenses se deu de forma lenta e não foi de forma homogênea. Os deputados Rondon Pacheco e Vasconcelos Costa eram contra a separação do Triângulo. “O líder mais importante deste movimento, na década de 50, foi um representante de Uberaba, o deputado Mário Palmério. Em 1951 (...) no seu discurso de 28 de junho, na Câmara Federal” (OLIVEIRA, 1997), afirmava:

"(. . . ) término as minhas palavras fazendo novamente a minha profissão de fé em favor do movimento de emancipação do Triângulo Mineiro e pela criação de novo Estado na Federação brasileira. Sou pela solução nacional, despida de regionalismo estreito e impatriótico. Sou, acima de tudo, brasileiro e progressista. Viso o progresso da região em que nasci e onde trabalho modestamente em benefício de seu desenvolvimento material e cultural."

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Faziam oposição a Mário Palmério, os deputados Rondon Pacheco e Vasconsellos Costa, ambos uberlandenses.

Em 1951, Rondon Pacheco era da UDN, o partido do então governador de Minas, Milton Campos, posicionando-se contra o separatismo triangulino, apesar de reconhecer a falta de atenção do Estado para com a região.

Em 1967, o movimento teve seu principal momento da década. Em oito de outubro deste mesmo ano, houve um convênio em Araxá, de onde resultou a UDET – União para o Desenvolvimento e Emancipação do Triângulo, formada pelas cidades chaves do Triângulo: Araguari, Araxá, Frutal, Ituiutaba, Patrocínio, Patos de Minas, Monte Carmelo, Uberaba e Uberlândia. “Foi planejado o Congresso de Araxá para 28/10/1967. Decidiu-se aceitar essa cidade como capital provisória do novo Estado, até a construção de uma nova cidade, em condições de alto nível” (CUNHA, 1967 p. 19). A UDET organizava congressos, seminários diversos onde se reuniam os adeptos da separação. Seus membros sempre tinham a preocupação em deixar claro que o movimento não era oportunista, chantagista ou subversivo. Sempre justificavam, mostravam autonomia, tentando não bater de frente com o regime militar.

“O triangulino nada tem contra Minas Gerais. Ao contrário, orgulha-se das tradições mineiras como se orgulha das glórias do passado de nossa pátria, tenham elas como palco o Norte, o Centro ou o Sul, todo este Brasil imenso de dimensões continentais (...) è um movimento que não recuará diante de dificuldades e obstáculos, porque seus participantes têm a idéia exata do que querem e o apoio sem reserva da consciência comunitária triangulina” ( NOVAES, 19__)

Nesta citação o autor enfatiza a diferença cultural, como uma das justificativas para a separação, bem como reforça a idéia do sentimento de pertenca à pátria brasileira, destarte exclui-se o caráter subversivo do movimento.

A idéia emancipacionista, e não separatista, era necessária como forma de “legitimar” o movimento, dando a ele um caráter sério, assim os adeptos procuravam

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vender uma imagem do Triângulo como uma região “amadurecida” e “pronta” para assumir a maturidade, PACHECO apud TRINDADE, 1987, p. 121 cita:

“(...) O Triângulo nasceu em São Paulo, de onde recebeu a capacidade de trabalho e a determinação em abrir novas fronteiras; a INFÂNCIA foi passada em GOIÁS, de onde recebeu o sentimento de brasilidade. Finalmente, a ADOLESCÊNCIA foi passada em MINAS GERAIS, de um povo que não admite ser escravo de ninguém. Agora atingimos a MAIORIDADE e, o que é mais importante, a MATURIDADE. Queremos a EMANCIPAÇÃO igual a um filho que se torna MAIOR e que deseja abandonar a segurança e o conforto do lar paterno, para se aventurar para o mundo, ganhar a vida a custa do próprio esforço, seguindo o preceito bíblico de “ganhar o pão com o suor do próprio rosto.Queremos determinar o nosso próprio destino, ser donos do PRÓPRIO nariz, não queremos ser escravos de ninguém”

O movimento se apoiou também no projeto dos deputados Floriano Rubim e Teófilo Pires que apresentaram projetos de redivisão territorial do Brasil, nos quais constariam 15 territórios e 27 estados, dentre eles o Triângulo. Os deputados também participavam das reuniões da UDET, que dentre outros, contava com o apoio da ACIU – Associação Comercial e Industrial de Uberaba, UESU – União dos Estudantes Secundaristas de Uberlândia, UTES – União Triangulina dos Estudantes Secundaristas  e Câmara Municipal de Uberaba. O discurso se pautava na viabilidade da implantação do Estado, ressaltando a integração nacional e a divisão territorial como elementos básicos para o desenvolvimento do país.

Após 1967, em 1969, o governador do estado de Minas Gerais, nomeado pelo então presidente general Garrastazu Médici, é um político do Triângulo – Rondon Pacheco, com isso o movimento refreou-se. Porém foram canalizados para a região uma série de benefícios infra estruturais, mesmo assim a chama do emancipacionismo não se apagou. Ressurgiu novamente em 1973 com a possibilidade de redivisão territorial previsto na Constituição. O sociólogo Severiano Marque Monteiro, assessor técnico do Banco de Desenvolvimento Econômico, foi encomendado pelo Ministério da Justiça para a redivisão territorial. Oliveira apud Monteiro, 1997 “sempre houve em nossa região o desejo

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separatista, para que o nosso potencial econômico fosse aplicado em benefício da própria região”. Neste projeto, Uberaba seria escolhida para a capital, em virtude da posição estratégica.Apesar disso, mais uma vez o projeto não se concretizou.

Em 1978, novamente o movimento é cogitado com a Comissão Política Demográfica e de Revisão Territorial da Câmara dos Deputados através do relatório que sugeria a criação de oito novas unidades federadas. Novamente os trabalhos da comissão não são colocados em prática.

Com a instalação da Constituinte de 1987, o movimento ganha uma maior aderência tanto da elite, quanto das camadas sociais. Seus organizadores conseguiram a assinatura de duzentas mil pessoas, reivindicando um plebiscito, para que a população do Triângulo Mineiro pudesse escolher se queria ou não manter-se anexada a Minas Gerais. Ainda neste ano, o deputado federal Chico Humberto leva um Projeto de lei 27/88 ao Congresso Nacional. “Nesse processo de emancipação, a atual constituição permite que qualquer região de qualquer estado se emancipe, exigindo apenas um plebiscito, uma manifestação popular” (BILHARINHO, 1990 p. 10).

Após a realização do plebiscito, ele estaria sujeito à aprovação da Câmara. Esta mobilização era levada à cabo nas campanhas eleitorais. Segundo Bilharinho, 1990, para a efetivação do ato, a população deveria votar em candidatos pró-separatismo. No entanto, em 1988, foi rejeitada pela maioria dos constituintes, a emenda que propunha o plebiscito. Os idealizadores, Chico Humberto e Virgílio Galassi, que nesta ocasião estavam na administração de Uberlândia, tinham um grande ressentimento contra o PT, visto que a bancada votou em peso contra a emancipação, o que resultaria numa campanha contra Lula nas eleições presidenciais de 1989.

Muitas organizações apoiaram o movimento, dentre elas, a maçonaria que deu uma importante colaboração associando-o à “libertação” colonial, por terem tradição histórica na luta pela independência, com participação na Independência brasileira do jugo português, na libertação dos escravos e no movimento da Inconfidência Mineira. Bem como além fronteiras, a emancipação política dos Estados Unidos da América foi  baseada nos trabalhos de maçons.

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“ao mesmo tempo em que os participantes do movimento separatista apropriavam-se dos símbolos mineiros ligados à Inconfidência, desvencilhavam­se destes ao afirmarem que o movimento não era contestatório. Na realidade, a ausência de “heróis” e símbolos mais marcantes da historiografia brasileira, para serem utilizados como sustentação do movimento, forçava-os a apropriarem-se, contraditoriamente, dos já consagrados” (PACHECO, 2001, p. 123)

É importante ressaltar também a participação da imprensa radiofônica, televisiva e escrita. O Jornal Correio de Uberlândia teve um papel marcante na divulgação do movimento, bem como na condenação, quando se posicionava contrariamente, visto que, nem sempre houve coerência em relação ao movimento, se colocando a favor ou contra, conforme os interesses do Jornal. Não era diferente com a elite que dirigia o movimento.

A mídia televisiva também teve destaque, a TV Integração, na época TV Triângulo deu total apoio ao separatismo.

“Em outros momentos do movimento separatista, ao longo do século XX, verificam-se evidências de que os interesses circunstanciais de alguns grupos rivais prevaleciam quando se tratava de se mobilizar o “povo” contra os mineiros. É o caso do grupo liderado por Virgílio Galassi em Uberlândia. Em vários momentos estes se colocavam como separatistas, noutros contra, sempre obedecendo a uma lógica circunscrita à alternância dos partidos rivais no governo do Estado” (PACHECO, 2001, p. 125)

Percebe-se, pelo trecho acima a incoerência ideológica dos principais líderes do movimento, que oscilaram de um lado para o outro, conforme interesses individuais.

Os líderes separatistas, geralmente grandes latifundiários, forjavam a representação de todo o povo triangulino que “almejavam” a emanciapação. Pregavam a imagem de um povo com cultura forte, autônoma, diferente de Minas. Porém ocultavam a violenta história de destruição das origens que formaram o “povo triangulino”: tanto os índios que foram expulsos e massacrados, quanto os escravos quilombolas que foram reprimidos. Esta imagem criada pela elite dissimula as diferenças e os conflitos sociais, elegendo o ideal

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emancipacionista como um interesse comum que conseqüentemente traria benefícios comuns.

O movimento, liderado pela elite, deveria passar a imagem de que seus agentes eram comprometidos com todos os triangulinos, com a causa social, que teria os problemas contornados, caso a carga tributária originada na região fosse mantida e distribuída a favor de melhorias para a população local.

Esta é uma breve síntese do que representa o Movimento Emancipacionista do Triângulo, como o forjamento de uma região que atendesse aos interesses de um pequeno grupo burguês que busca maquiar a dominação, e impor uma falsa ideologia de movimento  social.


 

Considerações finais

Como foi visto na introdução, é complexa a subdivisão territorial em regiões, visto que é impossível a delimitação exata de regiões, considerando todos os aspectos inerentes ao espaço: sociais, econômicos, culturais, políticos, dentre outros. É notório também que a divisão político-administrativa não respeita estas questões, mas, quase sempre, apenas os interesses subjetivos da elite.

O processo de regionalização do Triângulo, analisado sob a perspectiva geográfica crítica, enquadra a formação da região como instrumento de ação e controle sobre a área, ou o lugar, que tem por objetivo último, garantir a reprodução da sociedade de classes, cuja delimitação não respeita os aspectos sociais, culturais, econômicos e políticos inerentes a ela, ou seja, o espaço historicamente construído, resultante das relações sociais e culturais que a identificam, mas sobretudo a definição de uma região que atenda aos interesses subjetivos da classe dominante.

Por meio desta abordagem, foi possível entender que o movimento emancipacionista, não emplacou de vez, porque foi forjado pela elite regional, que visava atingir seus interesses específicos e sempre que o governo de Minas se via ameaçado pela

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perda da “rica” região triangulina, tratava de satisfazer ou “comprar” a elite triangulina, e assim o movimento refreava-se.

Apesar do mito e da ideologia divulgada pelos adeptos da separação de que ela traria benefícios para todos, é evidente, pelos estudos históricos, a falácia deste discurso. O movimento não tratou-se de uma revolução social que visasse transformações radicais, mas interessava principalmente às classes burguesas regionais, que tentavam maquiar todas as diferenças e contradições sociais, em busca de um interesse comum – a criação do Estado do Triângulo.

O objetivo deste trabalho não é condenar o movimento, sabendo-se que economicamente a separação é viável e favorável pelos vários argumentos já discutidos: a arrecadação de impostos da região, teoricamente, seria reinvestida na própria região, sem que fosse alocada para outras menos desenvolvidas, prejudicando investimento maior no triangulo, além disso, um governo mais próximo, atenderia melhor às necessidades da região, etc. Entretanto faz-se necessário ressaltar que um Novo Estado não é a panacéia para os problemas sociais e que este regionalismo forjado não tem compromisso com a região vista enquanto produto de um espaço construído pelas relações sociais, mas com a região de administração política do território, que deixa as necessidades sociais em segundo plano e busca garantir a reprodução do capital, e da sociedade de classes.

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