Iclas - Instituto de Culturas Lusófonas
Antonio Borges Sampaio


04-02-2008

A luta anti-colonial em S. Tomé e Príncipe Carlos Mota P. de Castro


Autor: Carlos Mota P. de Castro

 

 

INTRODUÇÃO

 

 

O presente ensaio resulta do cumprimento das exigências do fim do curso de História/Geografia, presidido pelo Instituto Superior Politécnico. Este trabalho tem por finalidade, ajudar a compreender as causas do nacionalismo santomense e a compreender a importância do movimento de libertação na luta pela conquista da independência nacional. A elaboração deste trabalho, foi baseado em algumas bibliografias, que não foram fácil de ser adquiridas pelo facto de haver escassas obras sobre a história de S.Tomé e Príncipe. Outra dificuldade encontrada foi a falta de tempo para a elaboração do ensaio, uma vez que para além de estudante, exerço também a função de professor.

Apesar de todos esses inconvenientes, a dedicação da minha parte e da ajuda que me foi presta pelos professores, tornou possível a concretização do presente trabalho.

Este ensaio subdivide-se essencialmente em 2 capítulos, sendo o primeiro constituído por 6 subcapitulos, e o segundo por 5 subcapitulos.

No primeiro capitulo está desenvolvido assuntos ligados aos antecedentes do nacionalismo santomense, que corresponde a uma fase da luta espontânea do povo santomense contra o jugo colonial português.

 


No capitulo seguinte, são tratados assuntos relacionados com a organização da luta anticolonial em S.Tomé e Príncipe, onde está descrito o longo caminho percorrido pelo MLSTP e por povo santomense na conquista da sua Independência.

Espero com este trabalho, ter comprido os objectivos que propôs atingir com este ensaio.                    

                      

 

I- Antecedentes históricos do nacionalismo santomense .

 

 

a)    A chegada dos portugueses e o desenvolvimento da cultura da cana-de-açúcar.

 

 

Desde o início da formação da Nação e do Estado portugueses o factor expansão foi determinante no seu desenvolvimento.

        A partir do séc. XII, período do surgimento da monarquia agrária, a expansão foi feita à custa do aproveitamento das terras do interior de Portugal e da sua transformação em terras agrícolas. No séc. XV, o estado era já suficientemente forte e apareceram os primeiros indícios da expansão colonial. No fim deste século, Portugal possuía a mais forte frota comercial e militar da Europa[1][1].

        Em 1415 Portugal conquista Ceuta, marcando assim início à sua expansão colonial, e sendo assim os primeiros europeus a entrarem em contacto com a África Tropical.

        A partir de então, os portugueses passaram a estabelecer um intenso comércio de especiarias e de escravos, criando várias feitorias e companhias de tráfego de escravo ao longo da costa africana.

        É esta conjuntura de comércio e de expansão, ao longo do Atlântico e da costa ocidental africana, que conduz ao achamento das ilhas de S.Tomé e Príncipe, localizadas no Golfo da Guiné.

Apesar de algumas controvérsias entre os investigadores, parece      haver  aceitação quanto à data da chegada dos portugueses a S.Tomé e Príncipe em 1470-1471, e de serem achadas pelos navegadores portugueses Pedro Escobar e João de Santarem.

        Com o resultado das experiências e dos êxitos obtidos noutros territórios encontrados, «também o arquipélago de S.Tomé e Príncipe deve tornar-se rendível: os portugueses procedem, desde o início da colonização, à transferência da cana-de-açúcar, planta que tinha mostrado já o seu interesse económico na ilha da MADEIRA .»[2][2]

        Essa pretensão económica leva à doação das ilhas pelos reis portugueses a navegadores portugueses como João de Paiva, João Pereira, e Álvaro de Caminha[3][3]. É com este último, que se dá o arranque efectivo da colonização portuguesa em S.Tomé e Príncipe, desenvolvendo assim a cultura de cana-de-açúcar iniciada em 1485 por João de Paiva.

 Importa salientar que o desenvolvimento dessa cultura em S.T.P só foi possível graças a grande fertilidade do solo e da sua abundância; da mão de obra escrava, que era de fácil recrutamento e abundante na costa ocidental africana .

Esse interesse pelo desenvolvimento da cultura da cana em S.T.P. justifica-se ainda, «pela existência de uma crescente procura deste produto nos mercados europeus...»[4][4]

É neste conjunto de condições favoráveis que a cultura de cana-de-açúcar desenvolveu-se em S.T.P., tornando-se assim um elemento essencial da «economia-mundo» em crescimento e em formação dada a forma como o produto era apreciado no mercado internacional .

Apesar do desenvolvimento dessa cultura, vários factores de ordem endógena e exógena  contribuíram para o seu fracasso:

segundo a historiadora Isabel C. Henriques, «a concorrência comercial do Brasil nos finais do séc. XVI, a instabilidade e desorganização dos poderes políticos, o aparecimento do bicho que ataca a cana-de-açúcar, assinalado por Pigafeta, e um violento ciclone que devastou a ilha em 1585 contribuíram para o declínio da produção e consequentemente do comercio.»[5][5]

Não obstante o fracasso que se verificou nos finais do século XVI, essa cultura no seu período de florescimento contribuiu grandemente para o desenvolvimento de Portugal e da Europa.

Importa dizer ainda que a dureza do trabalho praticado nas plantações vai provocar várias fugas e revoltas dos escravos. 

 

 

B) O trabalho e as revoltas dos escravos em S.Tomé e Príncipe.

 

A escravatura e o trabalho escravo já existiam em África antes da chegada dos europeus, mas com características completamente diferentes daquelas que foram adoptadas pelos europeus no séc. XV. O tipo de escravatura encontrada em África estava dentro do território africano, onde o escravo era uma força adicional na agricultura, na medida em que a agricultura constituía a principal actividade económica.  O escravo era integrado como membro da família e dispunha de benefícios económicos resultantes do trabalho que realizava e ao fim de pouco tempo ele tinha direito à liberdade[6][6].

Com a chegada dos europeus a África esta prática toma dimensões jamais vistas no continente: segundo o piloto português, o trabalho escravo em S.Tomé era organizado da seguinte forma: « cada habitante compra escravos negros com suas negras ... e os emprega aos casais em cultivar a terra para fazer as plantações e extrair açúcares . E há homens ricos que possuem cento e cinquenta, duzentos e até trezentos entre negros e negras, os quais têm obrigação de trabalhar toda a semana para o seu senhor, excepto ao sábado, que trabalham para si, e nestes dias semeiam milho saburro, ... as raízes de inhame e muitas hortaliças oficinais...». Este autor acrescenta ainda que « o senhor não dá coisa alguma àqueles negros,... eles trabalham toda a semana para ele e o sábado só para si ; nem mesmo faz despesa em dar-lhes vestidos, nem de comer, nem em mandar-lhes construir choupanas , porque eles por si mesmo fazem todas estas coisas...»[7][7]

A maior preocupação do proprietário português era de obter o máximo de lucro e o mínimo de custos. Daí a necessidade de comprar escravos casais como forma de permitir o seu acasalamento e consequentemente a sua reprodução, garantindo a mão de obra para as plantações e diminuindo assim os custos na compra de escravos. Importa salientar que o acasalamento não se deu apenas entre negros e negras, mas também entre brancos e negras. Por outro lado, a autosubsistência dos escravos elimina qualquer despesas por parte dos proprietários com os escravos.

É este clima de exploração cruel e desumana que leva a fuga de muitos escravos para a mata, provocando assim várias convulsões sociais.

Como já foi frisado, o acasalamento registado entre negras e brancos (colonos) vai dar origem aos mulatos, que vão constituir uma nova classe na sociedade santomense em formação. Esta situação vai provocar conflitos entre brancos e mulatos pelo facto de estes últimos serem em grande número, e se fossem considerados homens livres com direito à participação na administração da colónia poderiam tirar certos privilégios aos brancos, que não queriam perder essas regalias.

Por essa razão houve tentativas violentas por parte das autoridades coloniais para a completa escravização dos mulatos. É neste contexto que, em 1517, na fazenda  dos lobatos,  dá-se a primeira revolta dos escravos, unindo pretos e mulatos[8][8].

Como consequência dessa revolta foi concedida pelo D. Manuel I (Rei de Portugal  na altura) que «a descendência dos escravos dados aos colonos, bem como as mães, eram livres, e não podiam ser demandadas , elas seus filhos e filhas, como cativos de El-Rei, nem de pessoa alguma.»[9][9] D.Manuel I concede ainda aos escravos dos primeiros povoadores, em 1517, o benefício que tinha concedido às escravas e aos seus descendentes. São com estes escravos e escravas, pretos e mulatos libertos e outros que se foram  revoltando, que se forma uma nova classe social.

Em 1530, Yon gato em colaboração com outros compatriotas, dirige uma nova revolta de escravos[10][10]. Devido à sua pouca organização e ao seu   carácter localizado, foi rapidamente desmantelada pelo exército colonial,  mais bem equipado e organizado.

Dá-se em 1574 a primeira aparição dos Angolares, que juntamente com outros negros armados de flechas, destruíram muitos engenhos de açúcar e atacaram a própria cidade. Seguem-se outros levantamentos e revoltas entre os quais destacamos a revolta do Rei Amador[11][11]. Escravo de um «capitão de mato» ou seja de um oficial português, Amador pôde aprender com este a arte de guerra e conhecer a geografia do país . Essas experiências permitiram organizar um exército de 5.000 escravos que destruíram vários engenhos de açúcar, igrejas, fazendas etc., forçando assim o exercito colonial na cidade.

Traído por alguns dos seus companheiros, foi derrotado pelo exército colonial mais organizado e bem equipado militarmente. Após várias torturas, foi assassinado em 4 de janeiro de 1596[12][12].

A revolta dos Santomenses sob a direcção de Amador teve como resultado a queda da produção de cana-de-açúcar, o fim do primeiro período de prosperidade dos colonizadores em S.T.P e a emigração em massa dos colonos de S. Tomé para o Brasil, região mais estável do ponto de vista social e político e que prometia maiores rendimentos do cultivo da cana.         

O Período que se segue, e que vai dos princípios do séc. XVII ao XIX, é caracterizado pela estagnação das culturas industriais e a agricultura é exclusivamente de subsistência. Devido à saída maciça dos colonos, parte da terra passou para  a mão dos indígenas (forros), que organizaram eficazmente a economia, produzindo culturas agrícolas rentáveis, embora em menor escala do que no período auge da cultura da cana-de-açúcar. Nesse período formou-se definitivamente a população crioula com a sua própria língua e sua inconfundível cultura, originadas pela mistura de representantes de diferentes raças, tribos e povos[13][13].

Este período de estagnação económica prolongou-se até o séc.XIX e terminou com a introdução da cultura de café e do cacau em S.Tomé e Príncipe.

 

 

C)- Introdução das culturas do café e do cacau e a problemática de mão de obra ;  

Como já foi dito, o período de estagnação económica, que conheceu S. Tomé e Príncipe no fim do séc. XVI prolongou-se até ao início do séc. XIX. As plantações de cana-de-açúcar entravam em decadência e eram abandonadas.

No início do séc. XIX, a influência da metrópole enfraqueceu não só devido à falta de estímulos económicos para a exploração de S.T.P, mas também porque o império colonial português estava mergulhado numa profunda crise, como resultado das guerras napoleónicas[14][14]. Por outro lado, a proclamação da independência do Brasil em 1822 colocava Portugal numa situação de pobreza.

Com a revolução industrial e o desenvolvimento do capitalismo na Europa, os interesses dos portugueses para com S.T.P renasceu. É neste contexto que em Portugal lembram-se das plantações abandonadas e introduzem em S.T.P no principio do séc. XIX, a cultura do café, e em seguida a cultura do cacau. São com essas culturas que S.T.P conhece a sua renascença económica, que durou até à proclamação da Independência .

A fertilidade do solo, as boas condições climáticas, com um clima essencialmente pluvioso, possibilitaram o desenvolvimento dessas culturas em S.T.P. No início do séc. XIX, um novo produto, o café, passou a fazer parte dos hábitos do consumo europeu , conquistando o agrado dos consumidores . Os portugueses vendo na cultura do café uma nova fonte de riqueza introduzem-na em 1800  em S.Tomé e Príncipe. Esta cultura foi desenvolvida nas regiões mais altas (Monte Café) e nas regiões ainda não cultivadas da ilha .

Mas é sobretudo com a cultura do cacau que se verifica transformações no ecossistema (ocupando 1/3 do solo santomense ) e na vida social e económica do país . Trazida do Brasil, foi introduzida na segunda década do séc. XIX em S. Tomé Príncipe .

Com a introdução dessas culturas no séc. XIX, grande parte das terras pertencentes aos “homens livres” vão ser extorquidas por meio de burlas e outras artimanhas, deixando estes últimos com parcelas de terreno insignificantes. Poucos anos depois ficam as duas ilhas divididas em grandes latifúndios que se designou de Roças pertencentes aos colonos. A introdução dessa cultura exige grande número de mão- de-obra. Por essa razão, os colonos portugueses vão estar perante um dilema: ou forçar os santomenses indígenas (forros) que não estavam interessados a trabalhar nas suas roças ou importar novos escravos, o que era difícil na medida em que já se tinha abolido a escravatura e o comércio escravocrata.

Apesar da pressão da opinião pública internacional, sobretudo dos ingleses, Portugal encontrou meios e manobras demagógicas para obtenção de mão-de-obra para as plantações de cacau e café em S. Tomé e Príncipe. Desse modo foram trazidos para S.T.P. «serviçais» ou «contratados» ( uma espécie de  escravatura disfarçada) de Moçambique, Angola  e Cabo Verde, que segundo as autoridades coloniais, vinham de sua inteira vontade mediante contratos livremente celebrados[15][15]. Mesmo que assim se passassem os factos, a tradução desse contrato na prática iria demonstrar o contrário: O trabalhador era entregue a um roceiro, a quem não podia abandonar, trabalhando forçadamente em circunstâncias que pouco se distinguiam da escravatura.  Por essa razão a prosperidade das ilhas baseava-se na exploração desumana dos trabalhadores «contratados».

Nesta conjuntura, S. Tomé Príncipe torna-se assim num dos principais exportadores de cacau em África, fornecendo 11%[16][16] da produção mundial. Esta situação permitiu, por um lado, a acumulação de capital, o que possibilitou  a formação de relações capitalistas tanto na metrópole como nas colónias,  por outro lado levou a degradação da vida social, económica em S.Tomé e Príncipe.

Apesar dessa prosperidade no campo produtivo, a questão da mão de obra não estava resolvida o que vai provocar fricções entre os nativos e as autoridades coloniais (que desejavam contratar os primeiros).

Para salvaguardar os seus direitos e interesses como homens livres, os forros criaram associações como a Caixa Económica e a Liga dos Interesses Indígenas. 

 

 

         D) A Liga dos Interesses Indígenas de S.Tomé e Príncipe.

   

Na  segunda década do séc. XIX , Portugal decide reformar a administração da colónia de modo a melhorar a sua economia, pois a proclamação da Independência do Brasil, em 1822, enfraqueceu a sua economia . Por este motivo, foi criado em 1867 em S. Tomé o Banco Nacional Ultramarino, com objectivo de conceder aos produtores de cacau créditos e outras facilidades bancárias. Para os proprietários nativos, a obtenção desse crédito do governo colonial tornava-se difícil e muitas vezes inviável.

É neste contexto, que um grupo de proprietários nativos (João Pascoal Will, Manuel de Deus Lima, Miguel dos Anjos Trovoada, Apolinario Castelo David, João D.Alva, Januário da Silva Júnior, etc.) decidiram criar em 1905, a Caixa Económica de S. Tomé e Príncipe com a finalidade de arrecadar fundos financeiros para investir nas propriedades dos seus associados.

Perante as injustiças sociais e económicas que aumentavam cada vez mais, tornava-se necessário criar uma associação mais dinâmica e que congregasse todos os nativos para uma causa comum.

Com a agudização do processo de usurpação de terras desencadeado pelos europeus contra os nativos, a tentativa de contratação dos nativos e outras injustiças sociais, levaram a criação em 1910 da Liga dos Interesses Indígenas de S.Tomé e Príncipe, umas das primeiras associações nacionalistas africana.

Era propósito da Liga defender todos os direitos da classe indígena, nomeadamente, a propagação da instrução na classe, a criação de uma comissão permanente que tinha a incumbência de opor-se à venda, arrendamento, ou hipotecas de terrenos sem motivos justificados. Foi criado ainda um tribunal para resolver eventuais contendas que surgissem na associação. Foram criadas também nas várias freguesias de S.Tomé e na ilha irmã do Príncipe e também na metrópole, pequenas representações da Liga .

Esta associação indígena encontrou grande adesão por parte dos nativos na medida em que ela surge em defesa dos seus direitos, lutando contra todo o tipo de injustiça social. Devido à heterogeneidade social dos nativos tornou difícil a congregação de todas as forças nacionalistas. O empenho da Liga em defesa dos serviçais foi quase nulo, visto que estes últimos eram encarados como o pilar da hegemonia europeia, o que complicava qualquer iniciativa de teor independentista por parte dos nativos[17][17].

Mas, os maiores choques verificaram-se entre a Liga e as autoridades coloniais, que a encaravam como adversária e concorrente no domínio político. Os ideais defendidos pelas autoridades coloniais eram contestados pela Liga que chegou mesmo a pedir ao governador a revogação de certos decretos vigentes. Perante esta situação, e como forma de remover quaisquer obstáculo à sua hegemonia, as autoridades coloniais procuraram por todos os meios a dissolução da Liga.

As primeiras eleições para o conselho superior das colónias, a 14 de Novembro de 1926, foram acompanhadas de provocações  levadas a cabo pelos europeus, com o fim de eleger o candidato do governo. Das decidências, resultou ferimentos de alguns europeus e a morte de um indígena. A existência da Liga obstaculizava a manipulação eleitoral pelo regime colonial, pelo que  não a viam com bons olhos.[18][18]

O governador José Duarte Junqueira Rato, minimizou a violência europeia, argumentando que a Liga tinha-se desviado dos fins para que fora criada, interferindo em resoluções do governo da província, com grande prejuízo da ordem e administração pública. Com este pretexto, resolveu  dissolver a Liga dos Interesses Indiginas de S.Tomé e Príncipe em 16 de dezembro de1926.

À dissolução da Liga, seguiu-se a deportação de um europeu para Angola e de 43 nativos para o Príncipe, castigados pelos tumultos. O doutor Ayres de Menezes, ex-lider associativo em Lisboa, foi também deportado para Angola[19][19].

Apesar da sua dissolução, a Liga contribuiu bastante para o despertar da consciência dos nativos, para o seu nacionalismo e a necessidade de lutar por todos os meios para a  libertação. Prova desta determinação foi demonstrada no massacre de 1953 em que os nativos preferiram morrer para salvar a sua dignidade.

 

 

E) O esmagamento cultural.

 

A colonização, como se sabe, é um fenómeno que estende a sua dominação total aos sectores políticos, sócio-ecónomico e cultural. É um  sistema cuja destruição comporta necessariamente a violência.

       O domínio português também não se limitou a abandonar os povos coloniais ao subdesenvolvimento económico, como ainda provocou um sistemático esmagamento das formas originais de cultura africana (pretensamente salvas em certas formas de recuperação folclórica ). Assim, os portugueses colocaram em primeiro lugar os seus valores, menosprezando a arte e todas outras manifestações culturais africanas. Muitas regiões africanas onde já se conhecia um acentuado desenvolvimento sócio-económico, político e cultural, foram destruídas pela ocupação colonial portuguesa.

        A prática do tráfico de escravo desencadeado pelos portugueses, desorganizou completamente a vida sociocultural africana. Como nos afirma Mário de Andrade «desde que um elemento desta estrutura seja quebrada, as manifestações culturais sofrem as consequências.»[20][20] Nesta conjuntura, a cultura europeia falou durante muito tempo pela africana.

        Em S.Tomé e Príncipe a colonização enfraqueceu também a vida sociocultural das ilhas: a escultura, por exemplo, quase sucumbiu, restando apenas alguns trabalhos de madeira representando figuras humanas ligadas ao culto mágico de «paga deveÝ» cuja a durabilidade era efémera na medida em que eram feitos em «ocáÝ». A tragédia de Marquês de Mântua (Tchiloli) surgiu no período colonial (um facto europeu). Os autores santomenses pretendiam demonstrar através desta, a injustiça e a dureza do regime colonial português. Porem a tendência era para a valorização de tudo quanto era europeu, como resultado da política de assimilação desencadeada pelos colonos. Os portugueses pretendiam com essa política criar auxiliares da colonização por parte dos autóctones, contudo sabiam que ela nunca podia ser realizada integralmente[21][21].

        Só no séc. XVIII é que os europeus passam a reconhecer a cultura africana. Mas, «sem liberdade não pode desabrochar uma verdadeira cultura, quando as estruturas sociais são importadas e impostas pelo colonizador, morre qualquer coisa na alma do povo[22][22]». Consciencializados da necessidade da soberania dos seus países, dos africanos em geral e das colónias lusófonas em particular, vão lutar por todos os meios para a concretização deste sonho (a independência).

 

 

F) O massacre de 1953 e as suas repercussões no despertar da luta anti-colonial.

 

  Como é do nosso conhecimento, a economia de plantação levada a cabo pelos portugueses em S.Tomé e Príncipe, enfrentou problemas sérios e constantes devido à carência de mão-de-obra barata, que tinha sido abolida em 1875. Desde então o desejo das autoridades coloniais estava virado para a contratação dos nativos. Para resolver o problema, os portugueses recrutaram mão-de-obra, sob regime de «contrato», das várias colónias como: Angola(desde 1876), Moçambique(desde 1908) e Cabo Verde(1903). Embora com a presença dos «contratados», a questão de mão-de-obra não estava resolvida. A população nativa que poderia resolver o problema, recusou o trabalho agrícola nas roças na medida em que o consideravam abaixo do seu estatuto de homens livres e porque as parcelas de terreno que antes lhes pertenciam foram extorquidas, através de violência, fraudes e outros estratagemas, durante a segunda colonização no séc. XIX. Mas os forros costumavam trabalhar no regime de empreitada na limpeza das palmeiras, nos escritórios, oficinas e ocuparam as funções inferiores na administração colonial. Os angolares por sua vez, realizaram trabalhos ocasionais para os roceiros, mas dedicaram-se sobretudo à actividade piscatória[23][23].

Os forros, devido à sua história como descendentes dos primeiros escravos alforriados, foram os únicos negros da ilha detentores de pequenos terrenos, o que lhes permitia garantir  sua subsistência, sem ter que trabalhar para os roceiros. Por essa razão os forros mantiveram uma atitude de superioridade para com os outros africanos. Os forros viviam nas cidades, nas vilas e luchans enquanto que os angolares concentravam-se na parte sul de S.Tomé. Os serviçais ou «contratados» viviam exclusivamente nas sanzalas das roças, em péssimas condições.

Devido a concorrência desleal feita por Portugal com relação aos seus parceiros europeus, importando «contratados» que trabalhavam em duras condições de trabalho nas roças, sem direito ao repatriamento, levou os chocolateiros ingleses e alemães a boicotarem o cacau de S.T.P. em 1909[24][24].

Por outro lado, a aquisição de mão-de-obra importada (contratados) tornou-se cada vez mais difícil e cara, o que levou as autoridades coloniais a tentarem coagir os forros a trabalharem nas roças. Obtiveram, contudo pouco êxito.

Os nativos eram vistos pelos portugueses como preguiçosos, vadios e sem respeito pela lei, pelo facto de terem recusado o trabalho agrícola nas roças.A declaração de um roceiro (da roça Água-Izé) confirma as conotações dadas aos nativos: «a população negra, natural da ilha exceptuado os chamados angolares, que (...) ainda se fazem distinguir por certo préstimo, e pela indústria da pesca, a que se dedicam (...) é quase absolutamente imprestável e até nociva aos serviçais contratados, pela nefasta influencia que sobre elles exerce, quer pela palavra corruptora quer pelos péssimos exemplos»[25][25].

O chocolateiro inglês William Cadbury que veio a S.Tomé avaliar as condições de vida dos serviçais, compartilhou também a ideia dos colonos portugueses: ele dizia- «o indigina de S.Tomé, de cor mulata, é insolente, preguiçoso e sem respeito alguma pela lei»[26][26].(...)

Os colonos, empenhados a dificultar a vida dos nativos, tomaram medidas como a introdução do imposto individual com objectivo de persuadi-los a trabalhar nas roças.

Em 10 de abril de 1945 tomou posse como governador de S.Tomé e Príncipe o coronel de artilharia, Carlos de Sousa Gorgulho, que adoptou várias medidas para dificultar ainda mais a subsistência dos nativos,  melhorou as condições nas roças para atrair a mão-de-obra local. Por exemplo, em 1947 ele aumentou o imposto individual, proibiu a produção e a venda de vinho de palma e também da cacharamba (aguardente local) com a finalidade de privar os forros da sua base económica e aumentar a produtividade dos contratados que consumiam muito esses produtos[27][27]. Essas medidas não foram suficientes para mudar o comportamento dos nativos com relação ao trabalho braçal nas roças.

Gorgulho mudou de estratégia concedendo regalias sociais (abono de família, subsídio de renda de casa, assistência médica gratuita, ...) aos funcionários públicos, desenvolvendo ainda um amplo projecto urbanístico, criando assim várias infraestruturas como a escola de arte e oficio (1948), o colégio-liceu (1952), etc. Estas políticas visavam apenas ganhar a confiança dos nativos, para participarem na concretização dos seus projectos. No fim do seu primeiro mandato, os nativos enviaram uma representação a Lisboa com mais de duas mil assinaturas, pedindo a recondução de Gorgulho ao cargo.[28][28]

Essa aparente relação de amizade entre os nativos e o governador foram quebradas nas eleições presidenciais de fevereiro de 1949, onde os eleitores da Trindade rejeitaram o candidato de Salazar, o marechal Oscar Carmona. A população da Trindade pretendia assim demonstrar o seu desagrado com relação a certas medidas tomadas pelo governador. Como consequência dessa recusa, foram presos trezentos eleitores, que foram obrigados a servir nas brigadas correccionais; a energia na Trindade foi cortada ,as autoridades coloniais retiraram os subsídios à associação de socorros mútuos. Gorgulho mandou transferir ainda Januário Graça (um professor primário, da Trindade) para a escola do Príncipe, porque o considerava como mentor e influenciador dos forros.

Gorgulho tinha um plano urbanístico ambicioso para S.Tomé. Pretendia com esse plano ganhar confiança da metrópole e da colónia para a consumação dos seus sonhos. Para a concretização desse plano urbanístico, Gorgulho recorreu a uma maneira própria para recrutar a mão-de-obra para as obras: anunciou-se na cidade que trabalhadores assalariados eram procurados para as construções. Contudo, quando os voluntários vieram à cidade para se oferecerem para trabalhar nas obras foram dispensados devido a alegada falta de verba. Momentos depois, muitos desses trabalhadores foram cercados pela polícia e obrigados a trabalhar com o salário de 1$00 /dia, enquanto que um trabalhador voluntário tinha direito a ganhar diariamente 12$50. Foram presas ainda pessoas indocumentadas para trabalhar nas brigadas[29][29].

Os trabalhadores eram sujeitos a castigos corporais, trabalhando duramente de dia e de noite, recebendo poucas vezes uma remuneração de miséria. Foi com este tipo de trabalho que se construiu várias obras como Bairro Salazar, residências públicas na avenida marginal, o Mercado Municipal, um dispensário anti-tuberculoso, os Aeroportos de S.Tomé e do Príncipe, o estádio baptizado Sarmento Rodrigues, o Cinema Império, as Pousadas Miramar e Salazar etc.

Perante esta situação de violação completa dos direitos dos forros e das tensões motivadas pelas rusgas, estes dirigiram uma representação ao ministro do ultramar, pedindo que realizasse um inquérito às medidas do governador Gorgulho, o que provocou um certo rancor da sua parte.

No período das grandes construções, a situação da mão-de-obra nas roças piorou, sobretudo quando o recrutamento em Angola foi suspenso em abril de 1950, devido à carência urgente da mão-de-obra local naquela colónia. Neste contexto, as rusgas continuaram com a finalidade de suprir a carência de mão-de-obra tanto nas roças como nas obras, mas sem grandes êxitos. Essas rusgas desencadeadas pelo governo colonial reforçavam ainda mais a determinação dos forros em preservar o seu estatuto de homens livres.

No principio de Janeiro de 1953, o director da curadoria dos serviçais e indíginas, José Franco Rodrigues, proferiu numa entrevista concedida ao semanário «A voz de S.Tomé» as seguintes palavras: «distribuir parcelas de terreno para subsistência a todos os negros no arquipélago, sem considerações pelo seu estatuto legal, obrigando-os a todos a trabalhar para os roceiros durante seis a nove meses por ano[30][30]». Perante essa declaração, somando ainda as rusgas constantes, criou-se um clima de revolta e de perturbação por parte dos nativos. A tensão continuou durante todo o mês de Janeiro, e, na sequência da mesma, foi morto a machim no dia 31 de Janeiro, um polícia angolano, na localidade de Caixão Grande.

Como consequência das rusgas, surgiram na cidade, no dia 2 de Fevereiro, vários panfletos anónimos, ameaçando o governador de morte se prosseguisse a tentativa de contratação dos nativos. Em resposta, Gorgulho prometeu 5000$00 a quem pudesse identificar o autor da ameaça, e mandou fixar pelos muros uma nota oficiosa em todo o território com o seguinte teor: «tendo chegado ao conhecimento do governo que indivíduos desafectos à actual situação política, conhecidos como comunistas, propalam boatos tendenciosos no sentido de que os filhos de S.Tomé irão ser obrigados a contratar-se como serviçais para trabalho nas roças, o governo esclarece que nenhum filho da terra deve dar crédito a essas atoardas, antes deve denunciar à polícia tais indivíduos, porquanto o governo, que tem a seu cargo a protecção dos nativos conforme sempre o tem demonstrado, garante-lhes que nunca consentirá autorizar tais contratos»[31][31].

A população da Trindade revoltada com a situação vigente, na noite do dia 2 de fevereiro, rasgou os inúmeros cartazes afixados na vila. Gorgulho, informado da ocorrência deste facto, enviou para a vila da Trindade um grupo de soldados para prender os nativos que fossem apanhados a retirar as notas oficiosas. No decorrer desta acção foi morto um nativo de nome Pontes, o que levou uma multidão de nativos revoltosos, vindos de Batepá, a protestarem de fronte ao posto da polícia local, munidos de machim e azagaias. Esta acção dos nativos foi desmantelada pela polícia colonial, o que provocou a fuga dos nativos para a mata.

Receoso da rebelião dos nativos, e da sua provável generalização, Gorgulho seduziu os colonos dizendo-os de que havia uma conspiração comunista na Trindade visando instalar Salustino Graça como Presidente : José de Alva Ribeiro, como Primeiro Ministro, José Rodrigues Pedronho como Ministro do Interior, e Manuel Gomes como Administrador do Concelho, e que os rebeldes pretendiam ainda matar todos os homens brancos e raptar as mulheres. Gorgulho apelou a todos os militares que prestavam serviço militar e a todos os brancos em geral que recorressem a arma a fim de se defenderem, tendo este apelo grande aceitação por parte dos colonos e não só[32][32].

Por outro lado Gorgulho criou uma divisão entre os nativos e os serviçais, dizendo aos segundos que tinham de trabalhar em péssimas condições, porque os nativos recusavam a trabalhar nas roças. Deste modo, os serviçais também colaboraram com os colonos no massacre do povo santomense.

Em virtude dos acontecimentos da vila da Trindade, dirigiram-se para lá vários grupos de milícias com a finalidade de prender os nativos que antes haviam refugiado na mata. Na tentativa de prender os forros na região de Ubua-Flor, foi morto a machim o alferes Jorge Luiz Amaral Marques Lopes, assim como o soldado angolano de nome Sauima. Essas acções foram lideradas pelo nativo de nome Zé Cangolo[33][33]. Esta baixa por parte dos colonos foi mais um pretexto utilizado por Gorgulho para massacrar ainda mais os nativos.

A partir de então, a população, principalmente da vila da Trindade ficou sujeita a torturas, trabalho forçado e morte. Foram deportados vários nativos, outros presos, asfixiados na sela e queimados. Várias casas dos forros foram incendiadas nas localidades de Canga e Folha-Fede. Muitos nativos foram entregues ao trabalho forçado e maus tratos em Fernão Dias, onde estavam em curso obras para a construção de um cais acostável. Os presos eram interrogados e torturados, o que os obrigou a confessar que a revolta tinha por objectivo a morte do governador, que os rebeldes pretendiam matar todos os brancos durante um espectáculo no Cinema Império no dia 7 de Fevereiro.

Foi anunciado neste dia o fim da revolta enquanto as barbaridades continuaram. No dia 22 do mesmo mês, o governo colonial realizou em S.Tomé, uma manifestação no estádio Sarmento Rodrigues onde Gorgulho no seu discurso elogiou o desempenho dos seus patrícios, promovendo muitos deles.

Em consequência da mensagem do padre Pinto da Rocha, ao Ministro Sarmento Rodrigues, uma delegação da PIDE chegou a S.Tomé no dia 4 de Março a fim de averiguar a alegada inspiração comunista dos revoltosos. Das averiguações feitas, a PIDE constatou que não houvera de modo algum uma revolta organizada e informou ao governo em Lisboa as conclusões chegadas. Em seguida, a 17 de Abril, o Ministro do Ultramar, enviou um telegrama segredo a Gorgulho, ordenando o seu regresso à metrópole. Gorgulho foi substituído pelo coronel Francisco António Pires Barata[34][34]. Como resultado do trabalho da PIDE, foram ainda presos e julgados vários colonos e alguns nativos que foram mais tarde(em 1970) libertos.

Concluindo, podemos afirmar que a violência das armas levada a cabo pelos colonos contra os nativos, no sentido de os obrigar a aceitar o trabalho nas roças, não resultou. Esta firme determinação foi demonstrada no massacre de 1953, preferindo os nativos morrer a aceitar o trabalho forçado nas roças. Apesar das repressões e manobras divisionistas, os colonialistas portugueses jamais puderam sufocar o espírito de revolta e o desejo de liberdade manifestados pelo povo de S.Tomé e Príncipe.

Alguns autores referem a este facto como guerra de Batepá  como se em S.Tomé houvesse uma luta armada. Foi na verdade um acto bárbaro e cobarde dos colonialistas portugueses contra os nativos indefesos.

Neste contexto, o massacre de Fevereiro de 1953 marca o ponto de partida para a elaboração de uma luta anti-colonial  organizada em S.Tomé e Príncipe.

   

 

II- Organização da luta anti-colonial em S.Tomé e Príncipe.

 

 

a) A luta anti-colonial a escala mundial.

 

  Como já foi frisado, a colonização é um fenómeno que estende o seu domínio aos sectores político, económico e social. Por essa razão, muito cedo surgiram vários movimentos nacionalistas nas colónias europeias do continente americano.

Primeiramente na América do Norte e depois nas outras colónias americanas, esses movimentos nacionalistas contribuíram significativamente para a libertação dos países do jugo colonial. O fruto dessa contestação levou a independência dos Estados Unidos da América em 1776. A partir desta data até 1830 muitas colónias da América Latina alcançaram a sua independência. Alguns autores designam o processo da descolonização das colónias Americanas de «Descolonização Branca» em virtude de os movimentos autonomistas nessas colónias terem partido da população de origem europeia que nelas se haviam fixado.[35][35]

Na Ásia e na África, onde os europeus também tinham colónias, só nos princípios do séc. XX  é que estas colónias vão organizar a luta de libertação colonial.

Durante o período colonial, registaram-se lutas esporádicas e localizadas para derrubar o domínio colonial, mas só depois da Segunda Grande Guerra surgiu o momento propício para o êxito. Várias razões estão na origem deste nacionalismo: a guerra enfraqueceu sensivelmente as economias europeias, reduzindo assim o poder de administração da metrópole para com as colónias. Por outro lado, o surgimento da organização das Nações Unidas(ONU), vai contribuir bastante para o fortalecimento da luta anti-colonial, na medida em que consagrou o direito dos povos à autodeterminação, pressionando, moral e politicamente os países colonizadores. Além do mais, duas novas potências mundiais, os Estados Unidos da América e a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, apesar de rivais, surgem apoiando também a autodeterminação dos povos dominados, mas com a finalidade de alargarem as suas influências a outros territórios que estavam sobre o domínio exclusivo dos europeus.[36][36]

Importa salientar, que apesar dessa conjuntura internacional favorável, a concretização deste sonho(a independência) só foi possível graças ao impulso dado pelos movimentos de libertação. Como resultado do próprio  processo colonial, surgiram elites intelectuais, políticas e económicas, frequentemente formadas nos valores de liberdade e autonomia europeus e que agora os defendem e tentam aplicar nos seus países. A participação dos povos asiáticos e africanos na Segunda Guerra Mundial, a favor dos ingleses e dos franceses, permitiu aos primeiros tomar contacto com muitas realidades que permitiram organizar a luta para a sua libertação.

A luta dos povos asiáticos contra o regime colonial, antecedeu a revolução africana. Desde a Primeira Guerra Mundial multiplicaram-se os movimentos nacionalistas que aproveitaram o conflito entre as potências coloniais, desenvolvendo assim campanhas pela libertação, que só foi concretizada após a Segunda Guerra. Entre 1945 e 1960 vários movimentos de libertação atingiram os seus objectivos, culminando com a independência de muitos países: Índia, Paquistão, Ceilão(1947) ; Birmânia(1948); Indonésia(1949)[37][37].

Importa dizer ainda, que a luta anti-colonial assumiu duas formas distintas: via pacífica(caso da Índia) e via armada(Vietname).

Na luta pacífica a antiga colónia assumia progressivamente os seus direitos da nação independente, através de uma séries de concessões feitas pela metrópole até atingir a independência completa. As relações recíprocas entre a metrópole e a colónia continuavam. A colónia beneficiava da ajuda económica da Metrópole.

Quanto à forma violenta, a colónia rompe totalmente com a antiga metrópole, não havendo qualquer tentativa de abolição progressiva do estatuto colonial. Pelo contrario, a metrópole procura evitar os movimentos de libertação, obrigando a colónia a procurar a solução armada para os seus problemas.

Os «ventos de mudança» verificados na Ásia vão influenciar o nacionalismo africano, primeiramente nas colónias anglófonas, francófonas e depois as restantes(África portuguesa)[38][38]. Em 1955 foi realizado na Indonésia a conferência afro-asiática de Bandung presidida por Sucarno, onde foram discutidas e adoptadas medidas para o êxito da luta anti-colonial. Por outro lado o surgimento do Pan-africanismo, da Negritude e Pan-islamismo vai contribuir significativamente para a consciencialização e o despertar do povo africano para a luta de libertação nacional.

Apesar da consagração do direito à autodeterminação dos povos na carta da ONU e das independências ocorridas no Oriente, nos anos 40 e 50 só mais tarde as potências europeias abrem mão dos seus domínios coloniais africanos. Justificavam esta demora, afirmando que os povos africanos são incapazes de se autogovernarem, mas a verdade é que as potências europeias temiam sobretudo que a perda do exclusivo colonial abalasse as suas economias. Também os milhares de colonos receavam que a autodeterminação pusesse fim à sua supremacia sobre os povos indígenas e atingisse as suas propriedades.[39][39]

Na África inglesa, os ingleses percebendo que o movimento de descolonização era irreversível, manobraram fazendo pequenas concessões no sentido de preservar a área sob a sua influência, conservando assim a sua presença económica e política nas antigas colónias mesmo depois da independência. Em 1957 Gana conseguiu a independência, como resultado de um movimento conduzido de modo pacífico por Kwame Nkrumah. A Serra Leoa conseguia a independência em 1961, enquanto que a Gâmbia chegou a independência em 1965.[40][40]

Os franceses seguiram também o exemplo inglês, embora com alguma diferença. Devido à lentidão que levaram em conceder independência às suas colónias africanas, levou algumas delas a enveredarem pela luta armada com a finalidade de conquistarem a independência (ex: Vietname e Argélia).

Enquanto a Inglaterra e a França, preparavam o terreno para a autodeterminação das suas colónias, Portugal toma uma atitude claramente contrária à independência dos seus territórios ultramarinos.

Portugal foi o primeiro e o último a sair de África. Mesmo assim, Portugal nunca chegou a pensar na independência das suas colónias. Por essa razão, em 1951 sem mudar a essência do conteúdo do acto colonial, a expressão «Colónia» é substituída pela de «Província Ultramarina»[41][41], como forma de dar a entender que S. Tomé e Príncipe, Angola, Moçambique etc. fariam tanto parte de Portugal como o Minho ou Algarve.

Por este motivo, Portugal que adere a ONU em 1955 vê desde então as suas posições atacadas quer pela Assembleia Geral quer pelo Conselho de Segurança. Depois de 1960, ano em que ocorreu a maioria das independências africanas, Portugal permanece praticamente isolado na ONU, onde os países socialistas, os países do Terceiro Mundo e mesmo os aliados portugueses na OTAN(Organização do Tratado Atlântico Norte), incluindo os EUA, aprovam resoluções favoráveis à autodeterminação das colónias portuguesas[42][42].

Em 1961, foi criada na Casa Blanca(Marrocos) a CONCP(Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas) que traduziu na pratica a unidade africana na luta de libertação colonial. O papel da CONCP foi decisivo para a luta anticolonial.

Perante a intransigência do Governo colonial português, algumas das suas «províncias ultramarinas» foram obrigadas a adoptar a via armada para a concretização da independência dos seus países.

Em 4 de Fevereiro de 1961 inicia em Angola a luta armada liderada por MPLA e outros. Seguiu-se a Guiné-Bissau que inicia a sua luta armada em 1963 dirigido por PAIGC e Moçambique que também seguiu o mesmo caminho em 1964 por FRELIMO. Talvez por serem territórios insulares, S.Tomé e Príncipe e  Cabo Verde seguiram a via pacífica.

Importa salientar o papel desempenhado por alguns intelectuais como Alda do Espírito Santo, Amilcar Cabral(fundador do PAIGC), Agostinho Neto(fundador do MPLA)...que desenvolveram as suas consciências anticolonialistas desde que eram estudantes em Portugal e sabiamente souberam mobilizar a população para a luta contra o poder colonial.

A manifestação do nacionalismo africano nestas colónias levou à independência dos cinco na década de 70, isto é: S.Tomé e Príncipe, Angola, Cabo Verde e Moçambique atingiram a independência em 1975 enquanto que Guiné-Bissau autoproclamou-se independente em 1974.

Com essas conquistas, estava assim liquidado o poder colonial em África, salvo alguns casos como a Namíbia e o Zimbabwe que só atingiram a independência nos anos 80.

Para que esse sonho fosse alcançado, foi preciso uma luta sem tréguas levadas ao cabo pelos Movimentos de Libertação e pelas massas populares africanas.

Passaremos em seguida a descrever as etapas que essa luta conheceu em S.Tomé e Príncipe.   

   

 

b) O Sporting Clube de S.Tomé e Príncipe e o movimento anticolonial.

 

Apesar das barbaridades levadas a cabo pelos colonialistas portugueses em S.Tomé e Príncipe, não conseguiu silenciar o nacionalismo santomense, que crescia cada vez mais.

Foi formado em 19 de dezembro de 1927 o Sporting Clube de S.Tomé, que constituía na época um ponto de encontro por excelência dos cidadãos santomenses amantes do desporto, da cultura e dos valores nacionais.

Para além das actividades culturais e desportivas, o clube desenvolveu também no campo político, sobretudo nas décadas de 60 e 70, um amplo trabalho de consciencialização política do povo santomense para a luta anticolonial em S.Tomé e Príncipe.

Como resultado do trabalho feito pelo Clube Esporting e dos intelectuais santomenses no exterior, possibilitou a formação do C.L.S.T.P(Comité de Libertação de S.Tomé e Príncipe), que lutou de modo pacífico para a libertação de S.Tomé e Príncipe do jugo colonial português.      

 

 

c) A criação do C.L.S.T.P. e a sua transformação no M.L.S.T.P.

   

 As revoltas desencadeadas pelos nossos antepassados com o intuito de se libertarem do jugo colonial, não atingiram o seu objectivo em pleno, devido ao seu carácter de reacção espontânea, fora de um quadro organizado e sem obedecer a qualquer plano de acção estruturado. Neste contexto, tornava-se necessário a criação de uma organização política estruturada e dinâmica que pudesse levar avante a luta do povo santomense contra o governo colonial português.

Nos anos 60 verificou-se uma grande vaga das independências africanas. É nesse clima internacional favorável, que aparece o C.L.S.T.P.(Comité de Libertação de S.Tomé e Príncipe), como expressão da vontade do povo  santomense de lutar pela conquista da sua liberdade e independência. Esta organização política foi fundada em S.Tomé e Príncipe, em Setembro de 1960, por um grupo de patriotas de várias origens sociais, norteados pelo desejo de lutar para a libertação da sua terra do jugo colonial. Faziam parte do C.L.S.T.P., operários, artífices, funcionários e intelectuais, entre os quais alguns jovens estudantes universitários, que se encontravam de férias em S.Tomé[43][43].

Devido às acções divisionistas criadas pelos colonialistas portugueses, com a finalidade de impedir uma unidade de acção de todos os explorados contra os exploradores, levou o C.L.S.T.P. a desenvolver acções no sentido de reforçar a unidade e solidariedade entre a população nativa e os seus irmãos angolanos, cabo-verdianos e moçambicanos, submetidos ao trabalho forçado nas roças. Inscreveram ainda nas suas acções, lutar por todos os meios contra o sistema de exploração colonial até à sua liquidação total.

 O governo colonial reforçou o seu aparelho repressivo, que estava constituído pela PIDE, GNR, PSP, PM, PJ e informadores recrutados entre os santomenses, o que dificultava qualquer acção de carácter independentista. Por essa razão, o C.L.S.T.P. manteve-se durante algum tempo na clandestinidade, procurando criar uma vasta rede clandestina que tinha a incumbência de politizar e de aumentar o grau de consciencialização política das massas populares, promover a unidade entre as forças vivas do país e denunciar as acções dos colonialistas portugueses a opinião pública internacional, no sentido de obter apoios para a luta anticolonial em S.Tomé e Príncipe.

Internamente essa tarefa não foi fácil devido à situação insular do país e à natureza fascista do colonialismo português. O pouco conhecimento dos elementos do grupo em matéria de técnica de organização da luta clandestina, da sua fraca preparação e experiência política, inviabilizou ainda mais o trabalho do C.L.S.T.P. Deste modo, esta organização foi forçada a enviar para exterior do país alguns dos seus membro, a fim de que fosse lançada uma campanha de informação e de esclarecimento sobre a realidade colonial em S.Tomé e Príncipe, e obter apoio das forças democráticas e revolucionárias, no plano internacional, para a luta de libertação nacional do povo santomense.

O C.L.S.T.P. sediou-se inicialmente em Gana, mas devido à grande distância, a falta de informações, de meios humanos e financeiros levaram a encarar as possibilidades de instalações da organização num outro país. Nos finais de 1961 instalou-se a representação do C.L.S.T.P. em Libreville, onde passou a funcionar a sede exterior da organização. Tinham também representações em Portugal, Fernando Pó, etc. Através destas representações eram canalizadas relatórios e outras directrizes, a estruturas locais da organização e vice-versa[44][44].

No plano exterior, o C.L.S.T.P. procurou desde princípio estabelecer contactos com outros movimentos de libertação e partidos revolucionários africanos, com a finalidade de obter apoio material e moral dos países africanos, dos países socialistas e das organizações democráticas amantes da liberdade e da justiça.

Entre 1961 a 1964, o C.L.S.T.P. desencadeou uma intensa campanha política e diplomática, no plano exterior, participando em várias conferências organizadas pela CONCP.

Fruto dessa dinamização política do C.L.S.T.P., nos finais de 1962 foi exposta pela primeira vez a situação colonial em S.Tomé e Príncipe na mais alta instância internacional, no decorrer dos trabalhos da XVII sessão ordinária da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, em Nova York. Esta organização assiste ainda o nascimento da Organização da Unidade Africana, e assina, juntamente com os outros movimentos de libertação, o memoradum que recomendava aos Chefes de Estados e de Governo reunidos em Addis-Abeba, a criação de um organismo permanente de apoio e de coordenação da ajuda aos Movimentos de Libertação Africanos[45][45].

Embora se tenha conseguido divulgar com êxito no exterior a luta de libertação em S.Tomé e Príncipe, internamente não se verificou grandes avanços devido aos motivos que já foram apontados.

Devido à pequenez geográfica e demográfica do território santomense, vários lideres africanos defenderam que o problema de libertação de S.Tomé e Príncipe devia ser «confiado» a um outro país, e por isso recusavam toda a audiência ao C.L.S.T.P[46][46].

Esta organização política conheceu momentos de crises, que teve o seu começo nos finais de 1962 e prolongou-se até 1972. Neste período verificou-se uma certa estagnação nas actividades do C.L.S.T.P, motivadas pelos conflitos entre os seus membros.

Devido às pressões exercidas pelo governo colonial, e que endureciam cada vez mais, as esperanças das massas populares estavam nos dirigentes que residiam no exterior. Os nacionalistas santomenses, conscientes da responsabilidade que sobre eles pesavam, realizaram de 8 a 12 de junho de 1972 a Conferência em Santa Isabel(Guiné-Equatorial)[47][47], onde foram postos de lado as querelas entre os seus membros e adoptaram medidas para o relançamento da luta anticolonial em S.Tomé e Príncipe.

Nesta conferência, foi restruturado o C.L.S.T.P. que passou a designar-se M.L.S.T.P.(Movimento de Libertação de S.Tomé e Príncipe) e a constituição dos seus órgãos dirigentes. Foi criado um Bureau Político, que estava formado por um Secretário Geral e por um Secretário Executivo e também pelos membros que se encontravam no interior do país. A sede da organização foi estabelecida em Santa Isabel.

A ligação com as Ilhas foram restabelecidas, tendo sido informado as conclusões da conferência de Santa Isabel. Os resultados dessa conferência reavivaram o nacionalismo santomense, levando muitos jovens a manifestarem o desejo de participação na luta pela independência de S.Tomé e Príncipe.

Após a Conferência de Santa Isabel, o M.L.S.T.P. entrou em contacto com a OUA e o Comité de libertação da mesma organização, com o objectivo de lhes dar a conhecer as modificações profundas operadas no seu seio e solicitar a ajuda da OUA para a luta de libertação colonial.

O reconhecimento do M.L.S.T.P. pela Organização da Unidade Africana só surge nos finais de 1972 em Accra(Gana). Esta vitória veio contribuir significativamente para a projecção internacional do MLSTP, como o único e legítimo representante do povo santomense[48][48].

A ONU considerava os Movimentos de Libertação como representantes dos países dominados, creditados pela OUA. Por essa razão, o MLSTP passou a gozar o estatuto de observador nas conferências e encontros, tanto africanos como intercontinentais, o que permitiu ao movimento restabelecer contactos com os países africanos e socialistas, partidários da liberdade.

A campanha de divulgação da situação colonial em S.Tomé e Príncipe, feita pelo MLSTP no exterior contribuíu para a dinamização das suas acções nas ilhas, lançando assim as bases para o sucesso da luta, tanto no plano externo como interno.

 

 

d) A Revolução de Abril de 1974 e a libertação de S.Tomé e Príncipe.

 

A repressão e as barbaridades do regime fascista português não existiam apenas nas colónias, mas também na própria metrópole. O início das guerras coloniais provocou o enfraquecimento de Portugal que já tinha uma economia deficitária. Por essa razão, a política governamental de então baseava-se na ideia de que «Portugal não podia existir como Estado independente sem colónias. Se as perdesse, ele transformar-se-ia simplesmente numa província da Espanha.»[49][49] Neste sentido, Portugal procurou manter por todo custo os domínios coloniais em África.

A manutenção dessa guerra vai provocar perda de homens e de capitais para a metrópole, provocando assim o descontentamento das massas populares e dos militares, que viam a sua situação a degradar-se de dia para dia.

O MDP(Movimento Democrático Português) surge pugnando pelo fim das hostilidades coloniais e pela abertura do regime democrático no país, como forma de o tirar da crise em que encontrava mergulhado. O Governo Fascista, que defendia a limitação das actividades partidárias, procede a detenção e perseguição de vários políticos, forçando muitos deles a se exilarem no estrangeiro.

Esta situação leva os militares a se reunirem em torno do Movimento das Forças Armadas(MFA), que pretendia resolver o problema colonial e introduzir o regime democrático no país, uma vez que o Governo mostrava-se incapaz de introduzir essas mudanças.

Após uma primeira tentativa frustrada, a 16 de Março, no dia 25 de Abril de 1974 dá-se o golpe de estado, desencadeado pelos militares, marcando assim o fim do regime fascista em Portugal.

Apesar da Revolução de 25 de Abril, o novo poder instituído continuou a luta colonial. Contudo a resistência africana leva os colonialistas a negociarem com os Movimentos de Libertação como o MPLA, a FRELIMO e  o PAIGC.

A exclusão do MLSTP nas negociações leva-o a entabular contactos junto ao Governo provisório e não só, no sentido de conhecer a sua posição quanto à autodeterminação do povo santomense. Os portugueses pretendiam montar em S.Tomé e Príncipe a estrutura de um sistema federativo, confederativo, associativo ou de qualquer outro tipo que lhes permitisse conservar as vantagens coloniais. O então presidente da Junta de Salvação Nacional, numa proclamação solene sobre os problemas da descolonização, reconheceu o direito dos povos dos territórios ditos portugueses de África à autodeterminação e independência, omitindo S.Tomé e Príncipe[50][50].

O Governo Provisório afirmava ainda que, além do MLSTP, havia outras «correntes políticas» como a Frente Popular Livre e Centro Democrático que deveriam exprimir também sobre o futuro de S.Tomé e Príncipe, e por isso recusavam negociar com o MLSTP[51][51]. Pensa-se que  esses grupos(FPL e CD) eram movimentos divisionistas criados e alimentados pelos portugueses no sentido de inviabilizar os reais objectivos do MLSTP e do povo santomense.

Apesar desta situação, a queda do regime fascista permitiu o MLSTP passar, do quadro da luta de libertação nacional, da fase clandestina para a de acção aberta.

Aproveitando-se dessa atmosfera política, o Bureau político do MLSTP decidiu criar a Associação Cívica, com a finalidade de mobilizar a população santomense para a última fase da luta de libertação nacional. Criada em Junho de 1974, a associação Cívica representava o MLSTP no país[52][52].

Sob a orientação do MLSTP, a Associação Cívica também criou representações em Lisboa e Luanda, onde havia concentrações importantes de santomenses.

As campanhas políticas realizadas por esta associação contribuíram imenso para congregar os santomenses em favor da liquidação do jugo colonial português em S.Tomé e Príncipe. A Associação Cívica transformou-se pouco a pouco num amplo movimento anticolonial.

Fruto dos trabalhos realizados pela Associação Cívica, os trabalhadores em geral, e os agrícolas em particular, foram desencadeando acções de reivindicação junto dos patrões, utilizando meios de pressão tais, que os administradores começaram a desertar das roças para a cidade onde aguardavam uma oportunidade para  partirem em busca de horizontes mais seguros. Os empregados, técnicos das empresas agrícolas e os quadros da administração colonial também tiveram o mesmo comportamento, pois a atmosfera de agitação permanente, aí reinante, não lhes era de modo algum salutar.[53][53]

Os trabalhadores das Obras Públicas, das Alfândegas e mais tarde da Função Pública em geral, realizaram também greves e outras manifestações de carácter político, visando a aceleração da abertura das negociações entre as autoridades portuguesas e o MLSTP.

A juventude estudantil participou também neste movimento reivindicativo, fazendo uma significativa greve, após ter constatado que não tinham sido satisfeitas as suas petições, expressas num «caderno reivindicativo». As mulheres santomenses organizaram também, uma manifestação diante do palácio colonial, no dia 19 de Setembro de 1974, exigindo ao Governo português a abertura imediata de negociações com o MLSTP, com vista a fixar as modalidades da ascensão do nosso país à independência.

Todas essas manifestações e actos concretos de hostilidade e resistência activa mostraram às autoridades portuguesas que todo o povo de S.Tomé e Príncipe estava com o MLSTP na luta pela independência nacional.

Apesar da pressão e da intensificação da luta feitas pelo MLSTP no país e no plano externo, Portugal persistia em não reconhecer o MLSTP como o único e legítimo representante do povo santomense. Procedimento   contrário tiveram a ONU e a OUA que reconheceram o MLSTP como representante legítimo do povo santomense.

A situação económica e social em que se encontrava Portugal da pós revolução de 25 de Abril, era degradante e incómoda para a sua população e seus parceiros. Por este motivo, Portugal tinha que conquistar uma nova «imagem» que lhe abrisse as portas da comunidade internacional, da qual  tinha sido isolado. Por outro lado, as autoridades portuguesas tinham que proceder a reformas da sua política tanto nacional como internacional, porque só assim teriam acesso às fontes financeiras e certos mercados, de que tanto precisavam.

Nesse contexto, Portugal não podia manter por mais tempo a posição que tinha com relação as suas colónias. Por esta razão, o Governo Provisório entrou em contacto com os Movimentos de Libertação que conduziam uma luta armada, reconhecendo logo de seguida a Independência da Guiné Bissau, proclamada unilateralmente pelo PAIGC, em 24 de Setembro de 1974.

O MLSTP continuava a ser excluído pelas autoridades portuguesas nas negociações que realizavam com outros movimentos de libertação. Deste modo o MLSTP intensificou contactos junto a ONU, OUA e ao Governo português no sentido de acelerar a abertura das negociações entre o MLSTP e o Governo português.

Só depois das pressões feitas pelo MLSTP, tanto  no plano externo como interno, é  que o Governo Provisório português aceitou o principio do direito de autodeterminação para o nosso povo.

       No dia 27 de Dezembro de 1974, o Governo português enviou uma delegação à Libreville com o propósito de contactar os representantes máximos do MLSTP. Nesta ocasião foi formalmente reconhecido o MLSTP como representante legítimo do povo santomense.

No mês seguinte, uma delegação do MLSTP dirigiu-se oficialmente a Lisboa, onde foram acordados durante as negociações com a parte portuguesa as datas, o local e os objectivos das negociações a serem realizadas. Estavam assim lançadas as premissas necessárias para a descolonização de S.Tomé e Príncipe.

No dia 26 de Novembro de 1974, foi assinado em Argel(Argélia), entre o MLSTP e o Governo português, o histórico Acordo de Argel, que pôs fim a 504 anos de dominação e exploração colonial em S.Tomé e Príncipe.[54][54]

 

 

e)     O Acordo de Argel e a Independência de S.Tomé e Príncipe.

 

Como acabamos de ver, o longo caminho percorrido pelo MLSTP pela libertação de S.Tomé e Príncipe  do jugo colonial não foi fácil. Graças à dedicação do seu povo e ao apoio que obteve no plano externo o MLSTP  atingiu os seus objectivos mais sublimes.

O histórico Acordo de Argel abriu a porta para a concretização do sonho do povo santomense. Fruto das negociações que já tinham sido realizadas entre o MLSTP e o Governo português, acordaram em realizar nos dias 23 a 26 de Novembro de 1974, em Argel, as últimas negociações sobre o futuro de S.Tomé e Príncipe. A delegação portuguesa nesta negociação foi chefiada por Almeida Santos, Ministro de Administração Interna, enquanto que a do MLSTP foi chefiado por Miguel Trovoada, Secretário para as Relações Exteriores do movimento. Em 26 de Novembro foi assinado o célebre Acordo de Argel, que, de facto, viria a pôr fim à dominação portuguesa em S.Tomé e Príncipe.

Em consequência do Acordo de Argel foi estabelecido em S.Tomé e Príncipe um Governo de Transição, que deveria assegurar a direcção do país até 12 de Julho de 1975, data estabelecida no acordo de Argel para a Independência Nacional. O Governo de Transição iniciou as suas actividades em 21 de Dezembro de 1974 e dele faziam parte santomenses e portugueses. Terminado o período de transição todos os poderes seriam transferidos ao MLSTP[55][55].

O estabelecimento do Governo de Transição marcou o início do fim da dominação colonial em S.Tomé e Príncipe, na medida em que o poder militar era dirigido ainda por um Alto-comissário português.

       A situação política que se vivia em S.Tomé e Príncipe nessa altura, exigia que o MLSTP consolidasse as suas posições e estruturas com o fim de se preparar para o exercício do poder a partir de 12 de Julho 1975. Tornava-se necessário ainda, reforçar a unidade nacional de modo a criar uma atmosfera sã e favorável à construção da nova sociedade.

Deste modo, chegou a S.Tomé em Março de 1974, o Secretário Geral do MLSTP, Manuel Pinto da Costa, que desencadeou acções no sentido de acabar com as inimizades entre os patriotas, criando assim um clima propício à unidade de todo povo e de todas as camadas sociais. Foram chegando outros quadros de Libreville, possibilitando assim a criação de várias células em diferentes locais do país. 

Em cumprimento do Acordo de Argel, foram realizadas no dia 7 de Julho de 1975, as eleições a Assembleia Representativa que tinha funções legislativas, de proclamar a independência e aprovar a constituição de S.Tomé e Príncipe soberano[56][56].

No dia 12 de Julho de 1975, o Presidente da Assembleia Representativa Nuno Xavier, Daniel Daio(representantes santomenses), e o Contra-almirante Rosa Coutinho, em representação do presidente português assinaram o documento de transição do poder total para as autoridades santomenses[57][57]. S.Tomé e Príncipe torna-se assim uma Nação livre e soberana.

Pela primeira vez no solo santomense foi hasteada a Bandeira Nacional e entoado o Hino Nacional da República Democrática de S.Tomé e Príncipe.

O Hino Nacional(Independência total) e a divisa da República Democrática de S.Tomé e Príncipe(Unidade-Disciplina-Trabalho), são os símbolos da liberdade do povo santomense, conferindo-lhe soberania e igualdade perante as demais nações do mundo.

 

 


CONCLUSÃO

   

 

O espírito expansionista caracterizou sempre a Nação portuguesa. O desenvolvimento de várias técnicas de navegação(o uso da caravela, da bússola...) permitiu aos portugueses(que tinham uma situação geográfica privilegiada) lançarem-se no descobrimento de novos territórios, conquistando assim  Ceuta, em 1415.

A partir de então passaram a desenvolver um intenso comércio(de escravos e especiarias) ao longo da costa atlântica africana, levando assim ao achamento das ilhas de S.Tomé e Príncipe.

Os portugueses introduzem desde o início da colonização em S.Tomé Príncipe a cultura da cana-de-açúcar, com a finalidade de produzir o açúcar que era muito procurado e apreciado na Europa.

As boas condições climáticas e a abundante mão-de-obra escrava possibilitaram a prosperidade dessa cultura em S.T.P contribuindo, desta forma, para o enriquecimento dos portugueses e da Europa.

Devido a factores endógenos(revolta dos escravos,...) e a factores exógenos(fundamentalmente a concorrência comercial do Brasil e a invasão dos piratas holandeses e franceses) registou-se a queda da cultura da cana e, consequentemente, do seu comércio a partir dos finais do séc.XVI.

A partir dessa altura S.Tomé Príncipe conheceu um período de estagnação económica, na medida em que as fazendas foram abandonadas pelos colonos, predominando uma economia de subsistência organizada pelos nativos, que passaram a tutela destes terrenos. Este período de estagnação que começou no séc.XVII  prolongou-se até ao séc.XIX e terminou com a introdução da cultura de café e do cacau pelos portugueses em S.Tomé Príncipe.

É  com essas culturas que S.T.P. conhece a sua renascença económica. A introdução dessas culturas vai pôr em conflito os homens livres(forros) e os colonos portugueses que vieram a confiscar as terras dos nativos e pretendiam ainda forçar os forros a trabalhar nas suas roças. Os santomenses vão opor-se a essas pretensões portuguesas, que culminaram com o horroroso e bárbaro massacre de 1953, em que os santomenses preferiram morrer para salvaguardar o seu estatuto.

Esta etapa de luta correspondeu a uma fase de resistência espontânea contra o opressor, fora de um quadro organizativo e sem obedecer a qualquer plano de acção estruturado.

No plano internacional, muitas colónias europeias da América atingiram as suas independências entre os sécs.XVIII-XIX. No continente africano e asiático onde os europeus também tinham colónias, só nos princípios do séc.XX é que estas colónias vão organizar a luta de libertação nacional. Devido à 1ª e 2ª Gerras Mundiais, a atitude tomada pelas E.U.A. e a U.R.S.S. com relação à autodeterminação dos povos e ao surgimento de vários movimentos nacionalistas contribuiu significativamente para a descolonização do continente asiático e africano.

É nesta conjuntura favorável que surge em S.Tomé e Príncipe o C.L.S.T.P., como expressão do povo santomense em ser livre e independente.

A concretização deste sonho não foi fácil, devido à natureza fascista do regime português, que pretendia perpetuar a sua influência em S.T.P.

Este comité que transformou-se no  M.L.S.T.P.(Movimento de Libertação de S.Tomé e Príncipe) conheceu altos e baixos nas suas acções. O  apoio que o M.L.S.T.P. obteve no plano externo e a dedicação do seu povo permitiram que se alcançasse a Independência.

As acções realizadas pelo M.L.S.T.P. conduziram à assinatura no dia 26 de Novembro de 1974, do histórico acordo de Argel que abriu o caminho para a proclamação da independência de S.Tomé Príncipe em 12 de Julho de 1974.  

   

       

 

Bibliografias

 

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Esboço Histórico das Ilhas de S.Tomé e Príncipe. Imprensa Nacional, S.Tomé-1975.  

 



 



[1][1] - Nikolai Zotov, Vladislav Malikh, A África de Expressão Portuguesa: experiência de luta e desenvolvimento, Edições Progresso-Moscovo, 1990, p.5

[2][2] - Isabel C.  Henriques, S.Tomé e Príncipe: A Invenção de Uma Sociedade, Vega Editora-2000, p. 26.

[3][3] - Ibidem, p. 27

[4][4] - Ibidem, p.64

[5][5] - Ibidem, p.119

[6][6] - Joseph Ki-Zerbo, História da África Negra I, Publicações Europa-América, Paris, 1972, p.265

[7][7] - Ibidem, p.79

[8][8] - Esboço Histórico das Ilhas de S.Tomé e Príncipe, Imprensa Nacional- S.Tomé, 1975, p.7

[9][9] - Ibidem, p.11

[10][10]- Ibidem, p.11

[11][11]-1ª Assembleia do MLSTP: relatório do bureau político, S.Tomé, Julho de 1978, p.11

[12][12] - Isabel C. Henriques, op. cit., p.116

[13][13]- Nikolai Zotov, Vladislav Malikh, op. cit., p.41

[14][14] - Nikolai Zotov, Vladislav Malik, op. Cit., p.43

[15][15] - Ibidem, pág.44

[16][16]- Ibidem, p.45

[17][17] - Augusto Nascimento, A Liga dos Interesses Indígena(1910-1926), Ponta Delgada-1999, p.427

[18][18] - Ibidem, p.428

[19][19] - Ibidem, p.429

[20][20] - António Melo e outros, Colonialismo e Luta de Libertação, Edições Afrontamento, Porto-1974, p. 57

Ý Ritual magico, destinado a cura e praticado em S.Tomé e Príncipe.

Ý Planta existente S.Tomé e Príncipe, cujo o seu nome cientifico é Ceiba pentandra, Gaertn.

[21][21] - Ibidem, p.58

[22][22] - Ibidem, p.56

[23][23] - Gerhard Seibert, Revista- História, ano XVIII(nova série), nº19- Abril de 1996, p.14

[24][24] - Ibidem, p.15

[25][25] - Ibidem, p.16

[26][26] - Ibidem, p.16

[27][27]- Ibidem, p.16

[28][28] - Ibidem, p.16

[29][29] - Ibidem, p.17

[30][30]- Ibidem, p.18

[31][31] - Ibidem. pág.18

[32][32] - Ibidem, p.19

[33][33] - Ibidem, p.19

[34][34]- Ibidem, p.22

[35][35] - Pedro Neves, Valdemar Almeida, À descoberta da história, Porto Editora, pág.178

[36][36] - Joseph Ki-Zerbo, História da África Negra II, Publicações Europa-América, Paris-1972, p.159

[37][37] - José Jobson de A. Arruda, História Moderna e Contemporânea, Editora África, S.Paulo: Atica-1983 p.376

[38][38] - Joseph Ki-Zerbo, op. cit., p.163

[39][39] -  Jorge Dias, Rui Martins, História9, Constância Editora, Lisboa-1994, p.129

[40][40] - José Jobson de A. Arruda, op. cit., p.380

[41][41] - Nikolai Zotov, Vladislav Malikh, op. cit., p.80

[42][42] - Jorge Dias, Rui Martinho, op. cit., p.139

[43][43] - 1ª Assembleia do M.L.S.T.P.- Relatório do Bureau Político, op. cit., p.14

[44][44] - Ibidem. p.15

[45][45] - Ibidem. p.16

[46][46] - Ibidem. p.16

[47][47] - Ibidem. p.18

[48][48] - Ibidem. p.19

[49][49] - Nikolai Zotov, Vladislav Malikh, op. cit., p.140

[50][50] - 1ª Assembleia do MLSTP, Relatório do Bureau Político, op. cit., p.20

[51][51] - Ibidem, p.22

[52][52] - Ibidem, p.21

[53][53] - Ibidem, p.21

[54][54] - Ibidem, p.24

[55][55] - Isabel C. Henriques e outros, Ensaio de História de S.Tomé e Príncipe(não publicado), Lisboa-1990, p.248

[56][56] - Ibidem, p.249

[57][57] - Ibidem, p.249