10-09-2007 Cientistas se preocupam com a extinção de línguas A internet vai contribuir para a divulgação das línguas ou vai fazer desaparecer algumas delas?
Gabriella Ponte 6º período de jornalismo
Com o processo de globalização, que se desencadeou no século XX, verifica-se várias transformações. Traz, por exemplo, a necessidade de homogeneizar mercados, estabilizando moedas, para a livre circulação do capital financeiro, o que dificulta a harmonização dos múltiplos comportamentos e padrões culturais do planeta. Além disso, percebe-se, também, que com a hegemonia da língua inglesa, imposição feita pela economia mundial, na Internet este idioma predomina na maioria dos sites, vindo em seguida o chinês e o espanhol. Em Seattle, durante um encontro da Associação Americana para o Avanço da Ciência, lingüistas apresentaram um quadro em estado de alerta: aproximadamente 40% dos idiomas falados hoje no mundo se extinguirão nos próximos 100 anos. Trata-se de uma taxa de extinção de línguas que supera as estimativas dos biólogos mais pessimistas quanto à extinção de espécies. Segundo os cientistas, o fim de boa parte das 6.809 línguas faladas no planeta não só trará impactos culturais como também conseqüências econômicas. As principais causas para a extinção das línguas são a dominação econômica e cultural e a explosão demográfica. O lingüista Stephen Anderson, da Universidade de Yale explica que "o império americano fortalece o inglês e a explosão demográfica da China torna o chinês o idioma mais falado do mundo como primeira língua". Um exemplo claro de que este fato atingirá a economia são as tribos indígenas da África e da Amazônia. Eles têm profundo conhecimento do nome das plantas, dos rituais e dos animais de sua região. Anderson exemplifica com relação às plantas: "uma indústria farmacêutica que quiser pesquisar novos princípios ativos nas florestas pode ter dificuldade em encontrar alguma coisa sem a ajuda da população local". Inicialmente, um dos propósitos da Internet é difundir todas as culturas e, portanto, todas as línguas. Pelo fato da rede não ser acessível a todas as classes sociais, muitos projetos estão sendo feitos para que governos, instituições e empresas promovam e realizem o desenvolvimento da informática em todos os povos. Assim, todos poderiam divulgar sua cultura e principalmente sua língua de origem. Isto seria uma forte medida a ser tomada para abolir a predomínio do inglês sobre outras línguas, como vem acontecendo. A extinção dos idiomas também é uma preocupação da ONU, especificamente estudado através do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA). "A liberalização dos mercados do mundo é, talvez, a chave do crescimento econômico nos países ricos e pobres, mas isto não deve ser feito em detrimento das milhares de culturas indígenas e de suas tradições", declarou o diretor executivo do PNUMA, Klaus Toepfer. A Unesco reuniu um grupo de "experts" para elaborar um plano de salvamento dos idiomas. Uma das integrantes do grupo é Colete Grinevald, pesquisadora do Laboratório Dinâmica da Linguagem, da Universidade de Lyon. Sobre as medidas a serem tomadas, ela diz que "é preciso preservar o território das comunidades e proteger suas terras, para que elas possam continuar a viver no seu ambiente. Esse negócio de criar escolas e implantar cursos bilíngües é folclore da Walt Disney". Para ela,é preciso lutar contra a aculturação e não deixar que as tribos indígenas se tornem monolíngües, abandonando sua cultura em prol daquela que seja dominante. No Brasil, há comunidades que vêm conseguindo preservar sua língua nativa através de pesquisas com antigos falantes, como os ''caingangues'' e os ''tuiúcas''. Kleber Gesteira Matos, coordenador-geral de apoio à escola indígena do Ministério da Educação, diz que "onde as escolas encontram um ambiente favorável, elas são, sim, eficientes no revigoramento lingüístico, mas quem poderá dizer sobre o futuro são os próprios índios". A idéia defendida pela Unesco é de que "do ponto de vista científico, a perda de línguas amazônicas é muito mais importante, pois muitas são únicas, isoladas". A professora Bruna Franchetto, do setor de lingüística do Departamento de Antropologia Social do Museu Nacional da UFRJ, fala da perda dos dialetos dessa região: "No que diz respeito às línguas indígenas no Brasil, houve, em 500 anos, uma perda de cerca de 85% delas (...) Não há dúvida quanto às conseqüências da agonia e do desaparecimento de uma língua. (...) Diversidades lingüísticas e culturais podem ser equacionadas e, nesse sentido, a perda lingüística é uma catástrofe para a humanidade". Para os próximos dois anos, a Unesco reservou US$ 400 mil para organizarem encontros de especialistas e representantes das regiões que estão mais ameaçadas. Com este capital, será possível realizar projetos para a preservação das línguas e elaborar um atlas dos idiomas em perigo de extinção. É inegável a atual tendência de que todos os povos falem uma só língua. Está acontecendo um fenômeno de desenvolvimento de patuás globalizados cujo paradigma é sempre tomado ao inglês, esperanto da nova era. Alguns países tentam criar o Esperanto, que tem base no castelhano, como uma língua mundial única. Porém, esse idioma seria inconcebível sem a influência de sua língua "prima", o português, e também outras línguas que surgirão em contextos históricos próximos como o francês e o italiano. Mas, apesar das adversidades, lingüistas de todo o mundo foram unânimes em dizer que uma língua universal como o Esperanto não seria possível. "Não corremos esse risco. Mesmo que haja uma língua dominando o mundo, em um período de dez anos ela sofrerá várias mudanças em diferentes países e culturas, e uma outra língua acabará sendo criada. A linguagem humana é bastante dinâmica", explicou o profissional da área David Lightfoot, da Universidade de Georgetown, em Washington. Marcos Vinícius de Oliveira, graduado em letras e bacharelado em semiologia, discorda ao achar que metade das línguas desaparecerão; e sim as culturas de certos povos. Ele acha que 100 anos é muito pouco e acha provável que isso possa acontecer em 1000 anos. Sobre as possíveis conseqüências deste fato à identidade cultural ele explica que "haveria uma transformação cultural, dos costumes tradicionais para uma nova cultura, pois não existe língua sem cultura. Existiria, ao mesmo tempo, as duas culturas: a tradicional e a dominante. Aos poucos, esses povos perderiam a identidade cultural, pois haveria uma transformação na proposta de vida, psicológica, social e culturalmente". Com enorme sentimento de patriotismo, muitos países não aceitariam tal condição. Lembrando que a Internet é basicamente uma rede norte-americana e de língua predominantemente anglo-saxônica. Frente a essa realidade e pelas próprias características da rede, corre-se o risco de que neste mundo virtual se consolide a língua inglesa e suas culturas, que não são aquelas que se identificam com as dos outros povos. Sobre isso, Marcos Vinícius fala que "a internet é discriminatória, pois somente 30% da população mundial possui a internet. E, essas pessoas, são da cultura dominante, que falam inglês, japonês, espanhol, português, francês e italiano. As outras pessoas não possuem condições de adquirirem computador muito menos internet". Desta maneira, seria necessário agregar uma faceta adicional à brecha digital, no campo lingüístico e cultural. Continuando a falar da Internet sobre um caminho possível para divulgar as línguas e culturas menores, Marcos Vinícius acha que é uma boa saída. Mas, para isso, afirma que seria necessário que a inclusão digital da humanidade seja realizada o mais rápido possível. Assim, a internet poderia divulgar os dialetos e línguas menores. Além disso, argumenta que o fato de implantar postos com Internet à disposição da população seria uma boa solução, mas isso ainda tem muitos interesses governamentais por trás que impedem que esses projetos avancem. "É possível evitar o desaparecimento destas culturas e línguas com a ajuda da internet através da rapidez tecnológica. Se daqui a 100 anos a maioria das pessoas do mundo estiverem conectadas à rede, os povos dominados poderão utilizar a rede como um meio de divulgar suas línguas", conclui Marcos Vinícius. A diversidade cultural e as diferentes línguas são os recursos mais importantes para a comunicação da humanidade e devem ser encorajadas para que sejam mantidas. Os conhecimentos, tradições e costumes de cada povo devem ser respeitados e a identidade étnica precisa ser valorizada e fortalecida. A Internet pode exercer um papel importante na divulgação das línguas menores. Mas, para isso, é necessário que as pessoas que falam tais línguas tomem a iniciativa de exigir projetos de governos e Ongs para utilizar novas tecnologias com o intuito de evitar o desaparecimento delas. Todo idioma tem seu valor e isso é lembrado em um comunicado do PNUMA que diz que "o desaparecimento de uma língua e de seu contexto cultural equivale a queimar um livro único sobre a natureza".
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