13-11-2016Estrutura encontrada na Graça tem carácter único e inequívoco valor patrimonial
Arqueóloga diz que projecto inicial do funicular até à Mouraria implicava "a destruição total" do património. A hipótese de um projecto alternativo surgiu depois de uma visita da directora da DGPC à obra, em Lisboa. O alambor da Muralha Fernandina que foi identificado na Graça, e que aparentemente se encontra “muito bem preservado”, reveste-se de um “inequívoco valor patrimonial” e de um “carácter único”. “Não se conhece, até à data, um elemento semelhante na cidade de Lisboa”, sublinha a arqueóloga da Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC) que acompanha o processo, acrescentando que mesmo ao nível do país “ainda não foi possível identificar um paralelo”. Isso mesmo consta de um parecer no qual a técnica aponta o alambor (uma rampa inclinada na base da muralha) como “a estrutura mais espectacular” entre as que foram encontradas durante os trabalhos de escavação arqueológica desenvolvidos no Miradouro Sophia de Mello Breyner Andresen. Estes trabalhos têm em vista a instalação de um funicular para ligar a Graça à Mouraria. Nele a arqueóloga Maria José Sequeira sublinha que a execução do funicular nos moldes em que estava inicialmente previsto “impõe a destruição total do troço da Muralha Fernandina (plano de muralha e ‘alambor’)”. Lembrando que essa estrutura está classificada como Monumento Nacional, a técnica entende que a solução que era preconizada pela câmara “não reúne as condições para poder ser aprovada”. Para o justificar, a arqueóloga invoca a Lei de Bases do Património Cultural, em concreto o artigo que estabelece as situações em que pode ser autorizada a demolição de imóveis classificados ou em vias de classificação. “Não nos parecem aplicáveis as disposições” constata Maria José Sequeira, notando que “o monumento não se encontra em ruína”, “o projecto de construção do funicular não se enquadra na categoria de superior interesse público” e “as características construtivas do bem inviabilizam a sua deslocação”. No mesmo parecer, que está datado de 3 de Outubro e que mereceu a concordância da directora do Departamento dos Bens Culturais e da directora-geral da DGPC, a arqueóloga propõe ainda que seja elaborado “um parecer externo sobre o real valor científico, histórico e patrimonial” do alambor, dado o seu carácter “incomum”. Mário Barroca, director da licenciatura em Arqueologia da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, foi o especialista sugerido para o efeito. A esse parecer seguem-se, no processo da DGPC relativo a estas escavações arqueológicas, vários documentos nos quais se dá conta de que houve entretanto um alargamento da área objecto de prospecções arqueológicas. Segundo uma nota técnica da empresa Arqueologia e Património, na nova sondagem “detectou-se, tal como era esperado, a continuação da Cerca Fernandina em taipa militar”, tendo ainda sido identificada “uma estrutura que parece apresentar uma planta quadrangular”. Segundo os técnicos “trata-se de uma estrutura em taipa que poderá ser um torreão ou um cubelo, adossado à face interna da muralha”. Já o parecer de Outubro (que defendia que o projecto do funicular não reunia as condições para ser aprovado por implicar a destruição dos achados) não volta a ser referido no processo, que o PÚBLICO consultou. Dele não consta qualquer resposta ao parecer ou qualquer nota de que tenha havido desenvolvimentos formais do caso. A única coisa que se fica a saber, através de uma acta de uma reunião realizada no local da obra a 24 de Outubro, é que a directora-geral da DGPC, Paula Silva, visitou o local em data anterior. E que “na sequência” dessa visita as entidades envolvidas no processo “ponderam encontrar uma solução alternativa que não afecte a muralha”. Dias depois, a 3 de Novembro, essa informação é reiterada numa comunicação interna da DGPC em que se dá conta de que “a equipa de arqueologia deu por terminados os trabalhos de escavação”. No mesmo documento transmite-se que “a equipa projectista de arquitectos se encontra a trabalhar num reajustamento do projecto de arquitectura” na área do Miradouro Sophia de Mello Breyner Andresen, “com vista à compatibilização do Monumento Nacional com a construção do funicular”. Numa intervenção recente sobre o tema na Assembleia Municipal de Lisboa, o vereador das Obras Municipais da Câmara de Lisboa sustentou que esta é uma situação em que é necessário “conjugar valores diferentes: um que é o valor da acessibilidade, outro que é o valor da conservação do património”. “O projecto está a ser corrigido para evitar ao máximo tocar ou afectar a estrutura do alambor”, afirmou na ocasião Manuel Salgado, acrescentando que lhe parece “que está tudo bem encaminhado nesse sentido”. “Tenho acompanhado pessoalmente este processo com a direcção da DGPC”, explicou, para justificar essa percepção. O autarca falou ainda na hipótese de ser criado “um centro de interpretação da Muralha Fernandina”, equipamento que em seu entender teria no Miradouro Sophia de Mello Breyner Andresen “uma localização privilegiada, porque a partir dali há uma visão bastante alargada do conjunto dos elementos que ainda estão aparentes da muralha”. Estrutura encontrada na Graça tem "carácter único" e "inequívoco valor"
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