16-10-2016Aline, Luanda e o movimento insular do mundo
Aline Frazão no Stiimmen Festival, Alemanha, em Maio de 2016 DR Na última noite de Janeiro de 2014, quando apresentou Movimento no São Luiz, Aline Frazão era já uma promessa segura. Como aqui se escreveu, emanava dela “o brilho de uma estrela urbana com Luanda no horizonte. O futuro, não duvidem, é dela.” Menos de dois anos passados, Aline Frazão confirmou, com novo disco (Insular) e noutro palco (o do Tivoli BBVA, na noite de 14 de Outubro, numa sala confortavelmente preenchida), essa previsão. O seu à-vontade nos palcos reforçou-se, agora com maior segurança, e a expressividade vocal amadureceu, permitindo-lhe novos e sedutores cambiantes no fraseado e nos vocalizos. O que já era digno de nota instalou-se como certeza. Para isso terá contribuído, certamente, a sua rodagem por vários palcos internacionais. Coisa que as suas canções exigem, já que ela canta uma Angola alargada a múltiplos horizontes, com uma atenção urbana ao movimento insular do mundo. No concerto que abriu, em Lisboa, a digressão portuguesa desta jovem cantora e compositora angolana, as surpresas que ela anunciou vieram logo de início. Teresa Ana, de Waldemar Bastos, surgiu numa versão sedutora e digna de aplauso, primeiro a capella e depois, quando as cortinas lentamente se abriram, já com todos os músicos em palco: Marco Pombinho (piano acústico e guitarra), André Moreira (baixo), Miroca Paris (bateria e percussões) e Ana Isabel Dias (harpa). Veio, depois, o novo disco. Sol de Novembro, com reforçada batida tropical, serviu de cartão-de-visita. Apresentados os músicos, viriam ainda O som do jacarandá (com poema de Ana Paula Tavares) e Império perdido, onde Aline, devido à canção (“Procurei por ti (…) / nos filmes do Bergman/ nos discos do Chico”) citou, cantando, Trocando em Miúdos, de Chico Buarque. O homem que queria um barco (tema inspirado em Saramago) abriu caminho a Lugar vazio(do disco anterior, Movimento) e A louca, do actual (com letra de Capicua). Oriente, do seu primeiro disco a solo (Clave Bantu, 2011), ressurgiu enobrecida com novos arranjos e outra alma. Como recordação grata: “É muito especial para mim, talvez porque não a tenha tocado tantas vezes”, disse. E para prolongar a emoção, entrou Toty Sa’Med, jovem cantor e compositor angolano que acaba de lançar em Lisboa o seu primeiro EP. Cantaram juntosSusana (com poema com Rosita Palma), que também já haviam gravado os dois em Insular. Gravaram-na, curiosamente, numa cave do Tivoli com boa acústica. Agora foi só guindá-la até ao palco, uns bons metros acima. Ainda com Toty, veio Nossa festa, de Movimento (cantaram-na, em grande parte, em uníssono). Insular, o tema que dá nome ao disco, e Langidila encerraram já sem Toty esta parte da viagem. Que prosseguiu com duas singulares experiências: Poema em Sol poente, só voz e harpa, com um efeito belíssimo; e, passando o “testemunho” da harpa para o piano, à média luz, O sol, o sul, o sal, poema de Ruy Duarte de Carvalho numa composição só para piano e voz. Excelente. Cacimbo e Tanto, ambos de Movimento, deram por terminado o concerto. Antes dos encores, claro. O primeiro trouxe Mascarados, ainda do novo disco; e o segundo, depois de uma versão muito pessoal da tocante Minha voz, minha vida, de Caetano Veloso (só com Marco Pombinho na guitarra eléctrica a acompanhar o canto de Aline), trouxe o rock de A prosa da situação. Antes, Aline dissera: “Não temos voz, não temos luz, não temos água – cantamos”. E de que maneira cantam! “Noticiário abriu e outra vez/ o rei falou/ e quando o rei fala o reino cala”. Mas os reinos só se calam provisoriamente. Por isso Aline canta. E por isso, com gosto, tão bem a ouvimos. Insular tem mais quatro “paragens” portuguesas marcadas para este mês de Outubro: na Casa da Música, no Porto (este sábado, dia 15), no Auditório do Conservatório de Música de Coimbra (dia 27) e no Teatro Micaelense de Ponta Delgada (dia 29). Sempre às 21h30.
Aline, Luanda e o movimento insular do mundo
|