06-12-2015Fábrica de intolerantes comentário sobre um manual de Acolhimento de refugiadosRelativismo Fábrica de intolerantes por Helena Matos,jorhalista
“Por imperativos de ordem cultural e religiosa, deve ter-se em atenção a escolha dos profissionais e mediadores no relacionamento com certos grupos. Por exemplo, poderão existir restrições de género consubstanciadas na recusa de mulheres serem observadas ou cuidadas por profissionais do sexo masculino. É de extrema importância que estas limitações sejam esclarecidas e respeitadas, para que o apoio tenha a maior qualidade possível.” – Não, não é engano, estamos mesmo a ler: “É de extrema importância que estas limitações sejam esclarecidas e respeitadas, para que o apoio tenha a maior qualidade possível.” E voltemos ao que aqui se designa como “limitações”: “recusa de mulheres serem observadas ou cuidadas por profissionais do sexo masculino“. Em que remoto país serão dadas estas instruções? Que estranho mundo será esse em que as mulheres (ou os homens por elas) podem recusar ser “observadas ou cuidadas por profissionais do sexo masculino”? E em que a essa atitude (que nós sem sombra de dúvida classificamos como discriminação atávica ou intolerável exigência) é aqui docemente colocada ao nível da “restrição” e da limitação”? Claro que isto não pode ser Portugal. Pois não pode mas é. E é Portugal agora, em 2015, e não há um século. Estes conselhos fazem parte do recentemente publicado “Acolhimento de refugiados: Alimentação e necessidades nutricionais em situações de emergência”, editado pela Direcção-Geral da Saúde, no âmbito do Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável (PNPAS). Este guia, anunciado há dias com pompa e circunstância mediáticas, apresenta-se a si mesmo como um “documento inovador a nível nacional”. Do carácter inovador não duvido sequer um segundo pois nem nos mais vetustos documentos editados pelas autoridades de saúde deste país se previa que as mulheres recusassem ser “observadas ou cuidadas por profissionais do sexo masculino”. Nem nos nossos maiores delírios imaginámos que algum dia teríamos de organizar os serviços de saúde de modo a prever a “recusa de mulheres serem observadas ou cuidadas por profissionais do sexo masculino.” A inovação chega assim anexa a algo que sempre vimos como sinal de atraso e de falta de respeito pelos serviços e técnicos de saúde. Não se percebe aliás se estas “restrições de género” se prendem apenas com os cuidados de saúde mais básicos ou se também serão extensíveis às diversas especialidades médicas. O que no limite nos levará ao paradoxo de além de discutirmos se o hospital A deve ter neurocirurgião e o centro de saúde B psiquiatra termos também de fazer essas escolhas em função do sexo dos profissionais de saúde (na era APC – Antes do Politicamente Correcto – isto chamava-se discriminação não era?) Curiosamente, ou talvez não, este manual recomenda a quem lida com os refugiados: “Fique atento aos seus próprios preconceitos e preferências e coloque-os de lado”. Pois, está a contradição desfeita: o que é preconceito é acharmos preconceituoso o comportamento da mulher (ou do seu marido) que rejeitam que ela seja observada por um médico. Complicado? Só na aparência. Aos ingénuos que neste momento se interrogam sobre a razão de ser deste tipo de recomendações num guia de alimentação, no caso para refugiados, recordo que os totalitarismos sempre tiveram como veículos privilegiados dos seus ditames as recomendações e a legislação produzidas pelas autoridades sanitárias, logo a começar por essa espécie de estrutura ancestral do progressismo totalitário que foi o Comité da Saúde Pública ao qual se devem muitas medidas que instauraram o Terror na Revolução Francesa. E na verdade este manual de “Acolhimento de refugiados: Alimentação e necessidades nutricionais em situações de emergência” vai muito além das questões alimentares e nutricionais propriamente ditas, como bem percebem aqueles que o consultam. |