Iclas - Instituto de Culturas Lusófonas
Antonio Borges Sampaio


11-08-2000

Euclides da Cunha :Um exemplo para os povos de língua portuguesa - Por Margarida


88ª Semana Euclidiana
Redescobertas do Brasil * Homenagem a Gilberto Freyre

Euclides da Cunha :
Um exemplo para os povos de língua portuguesa

"Fiz da língua portuguesa
minha vida interior,
Dos meus sentimentos mais íntimos
palavras de amor"

Clarice Linspector

A LÍNGUA PORTUGUESA: UM MEIO DE COMUNICAÇÃO


Fui desafiada pelo Prof. Lázaro Chaves, DD Diretor da Casa Euclides da Cunha, para participar na 88ª Semana Euclidiana e apresentar a esta seleta audiência, algumas considerações sobre a obra jornalística de Euclides, sua importância para a língua portuguesa e para os povos que se expressam neste idioma. Sinto-me muito honrada com esta oportunidade pois, embora seja Engenheira, valorizo a cultura em todas as formas de expressão como a consolidação da cidadania e porque entendo que a juventude está mais atenta para compreender o vigor da palavra euclidiana. O objetivo maior desta palestra é dar subsídios para o argumento, de que sendo a língua portuguesa o meio de comunicação adotado por mais de 200 milhões de indivíduos em oito países e por cerca de 5 milhões de emigrantes, ou melhor dizendo, da diáspora do idioma português, sobre a importância da divulgação dos talentos lusófonos, através da rede mundial. Redescobrir os grandes personagens que enobrecem os povos lusófonos, que estimulam a auto- estima e traze-los para próximo do nosso cotidiano, é o desafio que vos sugiro. Comecemos por Euclides da Cunha sobre o qual eu vos pergunto, será ele um exemplo a ser seguido por todos nós? Porquê ?

O que desejo com as minhas palavras, é mostrar a magnifica aula de cidadania, brasilidade e fidelidade à língua portuguesa que Euclides da Cunha nos ofereceu e, sugerir, que a divulgação dos valores lusófonos seja a bandeira de todos nós.

Conhecer o Brasil exige que se descubram suas outras fronteiras na Europa e na África. A identidade lusitana é a uma das matrizes do desenvolvimento cultural destes povos. Enfim, a razão e a alma do surgimento de grandes figuras que se equiparam a Euclides da Cunha.

A identidade coletiva portuguesa foi construída em oito séculos de história, num relativo isolamento geográfico quanto à Europa. Ela se estabeleceu a partir de bases culturais fortes e peculiares, sofrendo influências multiculturais que se revelam em tantos aspectos das tradições.

Quinhentos anos atrás a Nação Portuguesa era já massa e fermento de uma civilização. Lá, povos das mais variadas origens, foram miscigenados durante séculos até à criação de uma unidade geográfica, cultural e lingüística.

De tudo isto floresceu em Portugal e em outras terras distantes, algo impar, como um traço de caráter, a que chamamos de Lusitanidade. Nascido da vontade de devolver ao mundo o legado civilizacional recebido por outros povos.

Em consequência, os valores alicerçados na identidade lusitana, representam uma herança secular dos povos que se expressam na língua portuguesa e são depositários de influências riquíssimas como as Árabes, Africanas, Gregas, Romanas, Visigodas e Celtas. Um desafio, a mais, para nós, o de redescobrir a multiculturalidade de nossas identidades.

O PAPEL DO ASSOCIATIVISMO

A favor de nossos ideais, temos o movimento associativo, ou melhor dizendo, as organizações não Governamentais com objetivos culturais que crescem num mundo cada vez mais sem fronteiras. A comunidade descobriu, que para alem da razão do seu próprio desenvolvimento, há outro motivo que pode ser a necessidade coletiva de defesa contra os choques culturais que nos anulam nesta era da comunicação mundial.

Rio Pardo está de Parabéns! Aqui surgiu, em 1912, a Semana Euclidiana que é uma iniciativa associativa em defesa da cultura e, mais do que isto, é um movimento cívico que para além de homenagear o homem e o escritor compromissado com o povo, promove, há mais de 80 anos, o debate sobre o Brasil que temos e o Brasil que queremos. Minhas felicitações, também, para o Coletivo Euclidiano, uma iniciativa de grupo jovem que viu na obra de um valor brasileiro- no homem e no escritor- o capital de mais valia para a Nação.

Um outro movimento cultural, o Elismo, em que eu participo, nasceu no Brasil há 41 anos, e que é uma rede de associações que pretende manter viva a força carismática da comunidade Lusíada com o objetivo, desde a sua fundação, da defesa da língua portuguesa, das culturas lusófonas e da fraternidade entre os povos.

Por fim, registro a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa- a CPLP, entidade associativa que reúne os governos dos povos lusófonos, onde recentemente Dulce Pereira, ex-presidente da Fundação Cultural Palmares, ao assumir o cargo de secretária -executiva, disse que defenderá o idioma português como uma das línguas oficiais adotada pelas Organizações das Nações Unidas. A entidade irá lutar para que além de doações dos países membros, a CPLP conquiste ajuda financeira entre organismos internacionais, como a União Européia, o Banco Mundial e Organizações Não- Governamentais, dispostos a contribuir com os projetos de desenvolvimento. Alguns dos objetivos da CPLP são os projetos comuns aos oito países no âmbito das telecomunicações, educacional, cultural e da saúde. A língua portuguesa, nosso meio de comunicação e esteio dos povos que assim se expressam, precisa de ser elevada, pelos movimentos associativos, a nível mais alto, o que necessariamente deve ser concretizado e alicerçado no recurso às tecnologias de informação e de comunicação.

LITERATURAS LUSÓFONAS


A literatura em língua portuguesa tem grandes valores a promover. Sendo uma das línguas mais ricas e flexíveis do ocidente, permitiu a revelação das virtuosidades dos gênios da palavra.

Temos o exemplo de Euclides da Cunha que é comparado na riqueza, na maestria no uso da língua e na visão que nos deu de seu povo, a Homero, o criador da "Ilíada", e na sua obra "Os Sertões" , ele registrou a epopéia do povo sertanejo, em prosa, que é comparada ao épico de Camões, "Os Lusíadas " , por sinal o único escritor que conseguiu celebrar a história de um povo, numa única obra .

Mas o que realmente caracteriza o escritor e o homem que Rio Pardo homenageia há oitenta e oito anos, foi sua retidão, perseverança e rebeldia na defesa dos interesses do povo. Ele, e Gilberto Freyre, representam símbolos da Nação Brasil. Valores que precisamos cantar à juventude. Porque literatura não é só conversa, não é só retórica, é acima de tudo o retrato de um povo, de seus sentimentos, sofrimentos, anseios e de suas relações com a geografia que o cerca.

Aproveito o espaço da língua portuguesa para citar um outro escritor lusófono, um dos maiores na atualidade, o moçambicano Mia Couto. Há que estabelecer "Elos" com outro povo. A cultura justifica estes "vôos". Mia soube recriar na língua portuguesa, a expressão da africanidade, a língua "corta-mato". Ele que nos diz "venho brincar aqui no Português, a língua. A língua nossa, essa que dá gosto a gente namorar e que nos faz a nós, moçambicanos, ficarmos mais Moçambique". Ele nos leva com sua linguagem à terra e ao sentir do povo moçambicano, como acontece com o personagem principal, de seu livro "O Ultimo Vôo do Flamingo", ao colocar nele estas palavras "não tinha crença para converter a minha terra num lugar bem assombrado...........Aqueles que nos comandavam, em Tizanguara, engordavam a espelhos vistos, roubavam terras aos camponeses, se embebedavam sem respeito. A inveja era seu maior mandamento. Mas a terra é um ser: carece de família, desse tear de entrexistências a que chamamos de ternura. Os novo- ricos se passeavam em território de rapina, não tinham pátria. Sem amor pelos vivos, sem respeito pelos mortos". Relações Mesológicas, afirmaria Euclides para enfatizar a relação do homem com a terra.

O PENSAMENTO EUCLIDIANO


Euclides da Cunha sofreu uma evolução que só o acompanhando mais de perto, a partir de sua infância de órfão de mãe, conseguimos entender porque ele foi um entusiasta da república nascente e depois se desencantasse, além de ter chegado a considerar a revolta dos jagunços do Conselheiro como reflexo do atraso social e econômico geral do país.

Estamos vivendo, no Brasil, muitos questionamentos sobre o porquê de tanta violência, das revoltas de jovens nas instituições públicas de apoio ao bem estar do menor, da execução pública de manifestantes do Movimento Sem Terra, a indiferença de parte da sociedade com os excluídos, a corrupção e a impunidade de figuras públicas. O maior feito jornalístico das letras brasileiras, "Os Sertões", deve ser estudado pela juventude, pela sua percepção da realidade brasileira de há cem anos e de agora. Uma escola sobre "o compromisso da palavra com o povo".

Euclides se tornou, no começo do século, na consciência acusadora do Brasil, o primeiro jornalista brasileiro que se tornou a figura maior da pátria da língua portuguesa.

Interessante sublinhar que o primeiro Colégio que Euclides freqüentou, era dirigido por um português exilado no Brasil, pelo seu ideal de melhor servir as idéias liberais e republicanas. E que Euclides foi dedicado leitor de escritores portugueses como Camilo Castelo Branco e Alexandre Herculano. Ele procurava incessantemente enriquecer o vocabulário.

Quando convidado para cobrir para a imprensa o levante de Canudos, ele começou por ser um aplicado estudioso e observador do sertão. Euclides fez-nos compreender a motivação social de Canudos. O tempo parecia não ter corrido sobre a sociedade dos sertões. A falta de comunicações com a faixa litorânea e com os núcleos da população mais densa, tornava os sertões distantes da "cultura", considerava o autor. Euclides sabia da urgência do acesso da população à comunicação como fator essencial ao progresso social.

Ao contrário de Canudos, quando Euclides foi convidado para integrar a comissão mista de reconhecimento das cabeceiras do Alto Purus, sua missão era tentar evitar um combate. E na Amazônia, o crítico Costa Lima afirma que Euclides "viu" a relação homem- terra de modo diferente da dos sertões. Em Canudos, as "ruínas" pertenciam às condições geológicas. No Amazonas elas contaminam as relações da terra com o homem. A dificuldade resulta do trabalho erosivo do Amazonas e de sua rede fluvial. As costas desmoronam. A terra não é confiável. O escritor afirma "o que ali está sob o disfarce das matas é uma ruína". O Amazonas "é um estranho adversário, entregue (...) à faina de solapar a sua própria terra" "O menos brasileiro dos rios" transporta as terras que desfaz, através dos oceanos para outros países. Terra e homem não se fixam. Também, para Euclides, o homem na Amazônia trabalha para ser escravo e ainda se transforma em agente de destruição. É a relação do homem com a terra que define em parte o seu comportamento.

Mas voltando aos sertões com suas paisagens desmoronadas, o escritor considerava que a reação dos povos tem muito a ver com os males sociais. Antônio Conselheiro que podia ter sido considerado um doente mental, encontrou uma civilização conturbada que precisou dele. Para o historiador ele não foi um desequilibrado. Ele tinha valores enérgicos e definidos. No seu misticismo extravagante se encontravam as crenças ingênuas, do fetichismo bárbaro às aberrações católicas, todas as tendências impulsivas praticadas na vida sertaneja. O Conselheiro, foi o elemento passivo e ativo da agitação que surgiu.

Se levarmos a sério uma lei psicológica apontada pelo intelectual português Fernando Pessoa, que defendia que "quando soubermos de um povo onde haja enormes facínoras, podemos ter a certeza de ali haver também um grande número de santos." Assim era no sertão. Assim é no Brasil.

Antônio Conselheiro foi um gnóstico bronco. Mas ele foi o profeta, o emissário das alturas, que apontou aos " pecadores o caminho da salvação", observa o escritor.

A própria biografia da família de Antônio Conselheiro- Antônio Vicente Mendes Maciel- já resume a existência da sociedade sertaneja. Ele era um produto do meio em que viveu, tendo optado pela representação mística. Os Maciéis se envolveram em uma guerra de famílias. Seus adversários foram os Araújos. Foi uma das lutas mais sangrentas dos sertões do Ceará.


Conselheiro viu a República com maus olhos e pregou a rebeldia contra as novas leis. As Câmaras das localidades do interior da Bahia tinham afixado editais para a cobrança de impostos. Esta uma novidade da República. E Conselheiro pregou abertamente a insurreição contra as leis.

A crença do povo no peregrino foi crescendo. E multidões seguiram o seu rumo que nem inquiriam para onde seguiam. E atravessaram serranias íngremes, tabuleiros estéreis e chapadas rasas, longos dias, vagarosamente, na marcha cadenciada pelo toar das ladainhas e pelo passo tardo do profeta .....

A mística do sertanejo era o que o movia para se conformarem dos insucessos do dia a dia. Eles queriam apenas salvar sua "alma". A República para eles significava o pecado mortal de um povo, indicando a vitória efêmera do Anti- Cristo. A escrita dos revoltosos nos legou sua crença no reino das delícias prometidas.

Antônio Conselheiro pregava contra a República. Mas isto não significava que os sertanejos tivessem intenções políticas. Eles não tinham qualquer conhecimento sobre o significado dos sistemas republicano ou monárquico- constitucional.

Para eles, e atendendo aos valores culturais próprios, só era aceitável o império de um chefe guerreiro. Foi uma reação justificada pela evolução desigual dos povos e, como diz Euclides, é patente quando um largo movimento civilizador lhes impede vigorosamente o acesso às camadas superiores. Repito, que a força da palavra do escritor, ou melhor dizendo do jornalista, nos leva ao âmago de seu povo. O jovem vibrará com a leitura da obra, se contar com o apoio do mestre - de - aula na prática da sua leitura crítica. O livro "Os Sertões" deve ser visto como uma cena da epopéia do povo brasileiro, em que todos, no passado e no presente, somos atores, figurando ou como bons mocinhos ou como vilões.

Os ideais republicanos eram modernos e no entanto estranhos a uma parte dos brasileiros que foram "iludidos por uma civilização de empréstimo". Os governantes não procuraram um processo intermediário de diálogo que considerasse o modo de ser do sertanejo o que transformou os jagunços em seres mais estrangeiros do que os próprios emigrantes da Europa.

A República resultou do movimento dos senhores de escravos e proprietários de terras despojados, em 1888, da sua riqueza pelo próprio regime monárquico, que se juntaram com os ideólogos da ordem republicana. O sistema surgiu sem atender às condições peculiares do povo brasileiro. Sem dúvida, o movimento republicano resultou de homens que não tinham perdido o sentido do espirito universal mas, na época, não atendeu às particularidades regionais e nacionais. O distanciamento entre as minorias que governam e o povo, é uma constante no Brasil!

Para Euclides os contrastes do mundo eram motivo de aflição silenciosa. Essa sensibilidade o fazia ver o mundo de forma diferenciada e o levou a construir seu ponto de vista sobre as razões de ser dos jagunços.

Muitas de suas reflexões nos levam ao momento presente. Vejam, quando ele nos diz que "o jagunço, saqueador de cidades, sucedeu ao garimpeiro, saqueador da terra. O mandão político substituiu o capangueiro decaído. A transição é antes de tudo um belo caso de reação mesológica". Na relação do homem com a geografia, a conexão sempre foi da terra. Esta interligação faz do homem um camaleão. Os povos lusófonos precisam de ficar atentos a estes comportamentos!

No coração da Bahia, em meio a vegetação de caatinga, existia um decadente povoado à beira do Rio Vaza-Barris. É este o lugar escolhido por Antônio Conselheiro para construir sua última morada. O nome do lugar era Canudos, e foi rebatizado por Conselheiro de Bello Monte. Chegou com algumas centenas de fiéis seguidores e se estabeleceu, iniciando assim, a construção de uma comunidade sertaneja com o uso coletivo da terra, sem polícia e sem impostos e onde não tinha patrão nem empregado. Em tempos de paz, a segurança da cidade e a defesa pessoal de Conselheiro era atribuição da Guarda Católica (ou Companhia de Jesus), formada por 600 homens uniformizados, escolhidos entre os melhores para a luta e sob a chefia de João Abade, "o comandante da rua" "ou o "chefe do Povo".

Canudos, em 1892, virou uma lenda em todo o Nordeste. Parecia que todo o sertão queria ir para o Bello Monte. Em quatro anos tornou-se a 2a maior cidade da Bahia com mais de 25 mil habitantes. Salvador tinha 200 mil na época. Inúmeros povoados ficaram praticamente desabitados. Os trabalhadores abandonavam as grandes propriedades, com isso desorganizando a produção e afetando seriamente toda a economia da região. A elite agrária nordestina estava apavorada e não tardaria a articular uma reação. Esta realidade é de ontem e de hoje.

Os negros ex escravos constituíram parcela expressiva do Arraial onde finalmente encontraram "a alforria da terra". José Calazans afirmou que "tantos homens de cor nos leva a supor que Canudos foi o último quilombo". Era grande também a presença dos índios Kaimbé e Kiriri, povos de influências marcantes na cultura e nos hábitos sertanejos. Lá, Conselheiro fundou uma escola que teve 1 professor e 1 professora. Na cidade, era proibido tabernas e aguardentes e não havia prostituição. Tinha uma cadeia e segundo o Deputado César Zama, para julgar delitos leves, Conselheiro punia a seu modo, e os delitos mais graves ele entregava para as autoridades da comarca.

Honório Vilanova, sobrevivente de Canudos e irmão de Antônio Vilanova, um dos principais lideres conselheiristas, declarou ao escritor Nertan Macedo: "Grande era a Canudos do meu tempo. Quem tinha roça, tratava da roça na beira do rio. Quem tinha gado, tratava do gado. Quem tinha mulher e filhos, tratava da mulher e dos filhos. Quem gostava de rezar, ia rezar. De tudo se tratava, porque a nenhum pertencia e era de todos, pequenos e grandes, na regra ensinada pelo Peregrino" (Macedo, Nertan. Memorial de Vilanova. Rio de Janeiro, O Cruzeiro, 1964).

A sociedade primitiva onde Conselheiro com seu aspecto impressionante "os cabelos crescidos, sem nenhum trato, a caírem pelos ombros; as hirsutas barbas grisalhas..." vivia, compreendia melhor a vida pelo incompreendido dos milagres. Foram estes comportamentos que Euclides captou antes de escrever "Os Sertões".

Os poetas de Canudos cantavam o sebatianismo sertanejo, uma crença de origem portuguesa. Também, em Portugal, o povo acredita na solução salvadora de uma figura que apareça de forma imprevista e com poderes sobrenaturais, a libertá-los das "fatalidades" que os governos e as elites lhe infligiu. O sertanejo, de Bello Monte, nos deixou uma literatura que expressa o seu sentir:

"D. Sebastião já chegou
E traz muito regimento
Acabando com o civil
E fazendo o casamento!

O Anti-Christo nasceu
Para o Brazil governar
Mas ahi está o Conselheiro
Para delles nos livras!

Visita nos vem fazer
Nosso rei D. Sebastião.
Coitado daquele pobre
Que estiver na lei do cão!"

Em carta a João Luís Alves, Euclides, dizia, a propósito da derrota de Moreira César: "O que me impressiona não são as derrotas- são as derrotas sem combate- em que o chão fica vazio de mortos e o Exército se transforma num bando de fugidos" ....Aí ele se surpreendia com a superioridade dos jagunços frente ao exército. Afeitos às caatingas onde nasceu e se fez homem, o sertanejo tinha no próprio habitat a defesa natural: "Não há persegui-lo no seio de uma natureza que o criou- bárbaro, impetuoso e abrupto."

No final do século passado acreditava-se na inferioridade de algumas raças e Euclides, integrado no pensamento da época, chegou a admitir a inferioridade do mestiço sertanejo. Ouçam sua afirmativa quando diz que "os estigmas hereditários da população mestiça se têm fortalecido na própria transigência das leis". Mas, mais tarde ele substituiu o conceito pelo mito da "rocha viva" étnica do sertanejo, retrógrado mas não degenerado.

Para Costa Lima, em seu Livro "Terra Ignota", no qual analisou a obra de Euclides, no Brasil não há luta de brancos contra mestiços, mas de mestiços contra mestiços e o autor de "Os Sertões", segundo este crítico, não chegou a conseguir pensar na torção de padrões que exigiriam que se questionassem os fundamentos dos valores brasileiros.

Euclides da Cunha nunca conseguia ver o homem só e "achava difícil traçar no fenômeno a linha divisória entre as tendências pessoais e as tendências coletivas; a vida resumida do homem é um capítulo instantâneo da vida de sua sociedade..." e o escritor sempre via o homem como se fosse a multidão.

A resposta aos revoltosos, segundo Euclides, deveria ter sido enviar o herói obscuro: o "mestre- de- escola", a educação seria o argumento que aquele povo necessitava , e não o argumento que eles receberam da "bala". Assim é que Canudos deixaria de ressuscitar em outros Canudos, mais adiante.

No entanto, para Joaquim Nabuco as mudanças teriam que ocorrer também na estrutura agrária como meio de redimir os "patrícios retardatários" dos sertões e das selvas.

As palavras de Euclides nos levam ao homem, aos costumes, à terra e a suas lutas. Belíssimos trechos da obra euclidiana nos levam a mundos que desconhecíamos. Não ficamos insensíveis a palavras como estas: "tendo os combatentes de viver dos miseráveis recursos da região: das raízes do umbuzeiro, dos talos de xiquexique e da carne de raro bode perdido nas caatingas."

"Como se faz um deserto", diz-nos Euclides e denuncia o homem que assume "em todo o decorrer da história, o papel de um terrível fazedor de desertos", através do fogo, das queimadas. E Cunha propõe a solução que ele percebeu para os sertões: os açudes, que aumentarão a evaporação e as chuvas, como fizeram os romanos em Cartago. Conselheiro ajudava o povo a construir os açudes. E era querido pelos sertanejos.

O escritor captou a diferença de comportamentos entre Bahia e outras regiões. "Na Bahia havia relativa calma e a desordem era maior na Rua do Ouvidor do que em Canudos." No final de contas, tanto no sertão como nas grandes metrópoles o povo vive sofrimentos e abandonos semelhantes !

Em Canudos a guerra foi ganha pela exaustão, o extermínio de um povo que nem tinha convicções políticas. Mas a sorte das armas dependeram muito dos mil e tantos burros que transportavam os viveres! É a relação mesológica que de novo decidiu o destino. As expedições anteriores para destruir Bello Monte sucumbiram por falta de abastecimento.

A história fratricida cuja a memória Euclides nos legou, faz-nos pensar naqueles que foram sacrificados: lá, morreram no campo de batalha cerca de 25 mil brasileiros do lado dos então chamados "sertões do Norte" e cerca de outros 5 mil do exército. Também os soldados pagaram o tributo de um exército que lutava para representar a força nacional efetiva e que, segundo os jagunços canudenses, tentaram substituir a "fraqueza do Governo". O povo consegue "ver" que a Nação muitas vezes é mais o coletivo e menos o governo.

Ao aproximar-se de Canudos, Euclides compreendeu o milagre da resistência e nos transmite a rudeza da paisagem sertaneja: "Os caminhos que se dirigiam para lá não são bem caminhos: são fundos de grotas, torcicolos apertados, sangas sinuosas"

A comoção que os vencedores sentiram quando da entrada dos prisioneiros, ao verem aquela fila extensa, "em repugnante congérie de corpos repulsivos em andrajos" reforçam a desigualdade daquela luta.

E no final da luta suas palavras nos fazem sentir que "Há alguma coisa de grande e solene nessa coragem estóica e incoercível dos jagunços". Mais adiante estava a estrada de ferro que levava ao mar e ao mundo- um mundo que nunca indagaria o que acontecera a Canudos e ao seu Bom Jesus. Os Sertões para Euclides representaram um palco, um cenário onde o homem em diálogo com a terra manteve e manterá sempre as suas lutas.

O BRASIL QUE TEMOS O BRASIL QUE QUEREMOS :
CONSIDERAÇÔES FINAIS

Falei no início que a língua portuguesa está dispersa por quatro continentes e, portanto , em países que não têm fronteiras comuns. Esta a razão porque temos que desenvolver estratégias que nos aproximem e que tornem o nosso idioma numa força social, cultural e econômica para os povos com a mesma forma de expressão. O argumento maior que, aqui, vos coloco, será o de divulgarmos nossos valores humanos e as experiências, colocando textos na língua de Camões, na rede mundial . Mas outras tarefas precisamos de empreender.

Muitos de nós, estamos atentos para a força do idioma como meio de comunicação entre povos que tem afinidades.

Recentemente, realizou-se o CONGRESSO DE CIENCIAS DA COMUNICAÇÃO DOS PAÍSES DE LÍNGUA PORTUGUESA, em SÃO VICENTE - SP, sob a coordenação da Prof. Benalva da Silva Vitorio, que em seu discurso, sublinhou a saga dos povos que tem origem mestiça, indígena, africana, nordestina o que é de fato a síntese da raça brasileira. Euclides e Gilberto Freyre também pensavam assim! A raça brasileira é o espelho dos povos lusófonos

Na primeira Vila do Brasil, em abril 2000, foi concluído, o quanto é urgente, os oito países defenderem o idioma, lutarem pelo uso das novas tecnologias de comunicação e pela prioridade das ações que fortaleçam a identidade dos países de língua portuguesa. O "achamento da comunhão entre as comunidades lusófonas" foi referido no congresso como uma meta. Só a "comunicação" será o garante desta meta.

Estas recomendações, eu as deixo com os educadores e os movimentos associativos juvenis aqui presentes.

Ressalvo que em S. José do Rio Pardo, os jovens sabem que cultura é cidadania e indagam sobre o Brasil que temos e o Brasil que queremos. Na atualidade o que faz os povos progredirem é o saber conviver com a multiculturalidade e a interdesciplinaridade .Os povos lusófonos nos oferecem o maior espaço de vivências.

Euclides da Cunha -sem duvida é exemplo para os povos de língua portuguesa. Ele nos deu uma aula magna e deixou a memória de acontecimentos que hoje seriam ignorados, não fossem suas palavras! Precisamos de promover a leitura e o debate da sua obra nos países lusófonos. De colocar o escritor em todos os espaços virtuais em língua portuguesa e com textos acessíveis a diversos segmentos da população. E que projetos como o "Proler", um projeto brasileiro que incentiva o jovem a ler, o "Alfabetização Solidária", o "Jornal Escola", o "Rádio Escola" e o "Ensino à Distância" dêem prioridade ao conhecimento, no âmbito dos povos que se expressam em português, da personalidade, excepcional, do homem e escritor que Euclides foi.

Finalizando, digo que defendo o amor à língua portuguesa sim, mas meu pensamento está em sintonia com o escritor moçambicano Mia Couto que nos diz " A língua que eu quero é essa que perde função e se torna carícia. O que me apronta é o simples gosto da palavra, o mesmo que a asa sente aquando o vôo. Meu desejo é desalisar a linguagem, colocando nela as quantas dimensões da Vida. E quantas são? Se a Vida tem, é idimensões?

Assim, embarco nesse gozo de ver como a escrita e o mundo mutuamente se desobedecem.

No enquanto, defendemos o direito de não saber, o gosto de saborear ignorâncias. Entretanto, vamos criando uma língua apta para o futuro, veloz como a palmeira, que dança todas as brisas sem deslocar seu chão. Língua artesanal, plástica, fugidia a gramáticas.

Esta obra de reinvenção não é operação exclusiva dos escritores e linguistas. Recriamos a língua na medida em que somos capazes de produzir um pensamento novo, um pensamento nosso.

O idioma, afinal, o que é senão o ovo das galinhas de ouro? "

Vamos redescobrir o "ovo de ouro " do idioma e levar o exemplo de Euclides da Cunha aos quatro cantos do mundo.

Obrigada.

Maria Margarida Dias da Silva e Castro
Engenheira Agrônoma e membro do Elos Clube de Uberaba
Guidasc@ldc.com.br telefax 34 3154185 http://www.ldc.com.br/ iclas
88ª Semana Euclidiana, São José do Rio Pardo ,10 de Agosto de 2000
Câmara Municipal de Uberaba


Vamos agora dar uma olhada sobre o pensamento euclidiano.